O café, suas origens, sabores e envolvência social foram abordados pelo
presidente da administração do Centro Hospitalar das Caldas, Vasco Trancoso, no
passado dia 19 de Abril, em mais um Café das Quintas, promovido pela Associação
Forense do Oeste (AFO).
E porque era da “mais democrática das bebidas” que se falava, o orador
convidou os presentes a tomar um café, cuja combinação foi escolhida pelo
próprio e era composta, em porções iguais, por café de Timor e do Brasil.
O café poderá ter a sua origem há cerca de dois mil anos A.C. na Etiópia, na
província de Kaffa, quando um pastor reparou na agitação das suas ovelhas depois
de terem ingerido sementes de cafeeiro. Tal facto foi relatado a uns monges da
região que experimentaram e adaptaram a sua utilização para a prática da sua
liturgia.
As primeiras casas de venda de café foram fundadas em Constantinopla (actual
Istabambul), em 1554 e foram as percursoras dos cafés que se vieram a
estabelecer, durante o século XVII, na Europa. Em Veneza, e após ter sido
utilizado como medicamento, generalizou-se o consumo desta bebida em casas de
convívio a partir de 1645.
“A Europa não produzia café”, explicou Vasco Trancoso, acrescentando que eram
os árabes que detinham o monopólio da sua produção. Para que esta não se
disseminasse, ferviam as bagas antes de as exportar.
Muitas foram as tentativas de conseguir a almejada semente e os portugueses
também se lançaram na sua busca. De acordo com o orador, o café chega ao Brasil
devido à audácia de Francisco Paleta, um português que foi visitar o governador
da Guiana Francesa com a missão secreta de trazer alguns grãos para cultivo.
Francisco Paleta foi recebido pelo governante e acabou por lhe pedir as
afamadas bagas para plantar no seu jardim. No entanto, o pedido foi negado com a
justificação de que estava impedido de o fazer pelo governo francês. O português
acaba por travar amizade com a mulher do governador que lhe coloca dentro do
bolso algumas bagas e, desta forma, o café chega ao Brasil, que mais tarde viria
a ser o maior exportador deste produto.
Em Lisboa, os primeiros cafés teriam sido, no séc. XVIII o café do Rosa e o
Café da Madame Spencer, ambos na Rua Nova e o botequim do José Alexandre no
teatro da Ópera do Bairro Alto. Estes viriam a multiplicar-se após o terramoto
de 1755 e deles “emanava um ambiente de tertúlia castiça, de propaganda de
opiniões, de ideias e de debate”, explicou Vasco Trancoso.
Só no século XIX é que os cafés começaram a chegar às províncias e as Caldas
da Rainha é pioneira, com relatos da existência de um café, onde actualmente
existe o Café Central, que datam de 1798.
“À mesa do café elaboravam-se desenhos imortais, poesias fundamentais e
discutiam-se os caminhos da arte, ao mesmo tempo que se faziam discursos e
reuniões politicas ao som de música ao vivo”, contou o orador.
A televisão e os cafés
Na primeira metade do século XX o café aprofundou-se como lugar de tertúlia
de intelectuais e artistas e foram decorados em função do conforto e do
convívio. A partir da década de vinte, os estabelecimentos que até aí recebiam
sobretudo as elites “democratizaram-se mais, passando a acolher todas as classes
sociais”, referiu Vasco Trancoso acrescentando que após a 2ª Guerra Mundial o
mármore reinou como material decorativo.
Com o aparecimento da televisão os cafés foram-se modificando e adaptando às
novas circunstâncias. Muitos viriam a ser destruídos e substituídos, em geral,
por bancos, sobretudo os que estavam bem situados no centro das cidades.
Nos anos setenta a explosão das telenovelas e o facto de grande parte da
população não possuir ainda aparelhos televisivos, fez com que alguns
estabelecimentos adquirissem televisores de modo a manter a clientela.
Em 1977 “famílias inteiras iam ao café ver a Gabriela Cravo e Canela”,
lembrou o orador, acrescentando que o facto das pessoas estarem muito tempo
sentados numa mesa, apenas a consumir o mínimo e a ver televisão, deixava de ser
compensador, do ponto de vista financeiro, para os proprietários dos
estabelecimentos.
Na década seguinte o aparecimento da televisão a cores, os programas
recreativos e a redução do preço dos aparelhos, afastou mais pessoas dos
cafés.
Em 1990, 91% dos lares portugueses já possuíam televisão e hoje, na Europa,
“o nosso pais é, provavelmente, o que possui população mais teledependente”,
explicou o orador. Acrescentou ainda que actualmente “as pastelarias com
“manjedoura” na qual as pessoas são despachadas, substituem progressivamente os
cafés nos quais se podia estacionar à mesa o espírito e entrar num ritual de
convívios e encontros”.
Apesar de terem desaparecido, sobretudo nas grandes cidades, as tertúlias e
as figuras típicas dos cafés, há ainda alguns, segundo o palestrante, que
continuam a servir de lugar de reunião, conversação, escrita e leitura, como é o
caso do Café Central, nas Caldas.
Vasco Trancoso partilhou ainda algumas curiosidades com os presentes, como o
facto de Balzac ser um grande consumidor de café, bebendo mais de 20 por dia.
Este escritor ficou também conhecido pelas suas misturas de lotes para arranjar
a combinação que mais lhe agradava.
Como médico não deixou de fazer referencia às suas propriedades terapêuticas
para o combate a doenças como o Alzeimer ou Parkinson.
“A Rainha nas Caldas” em Maio
“A Rainha nas Caldas” será o tema do próximo Café das Quintas, que se irá
realizar no dia 31 de Maio e terá como orador o historiador João Bonifácio
Serra.
No mês seguinte, Junho, o encontro está marcado para o dia 28 e terá como
convidado o cantor Manuel Freire que virá ao Café Central falar sobre os
sonhos.
O café das Quintas, organizado pela AFO, será depois interrompido para
regressar em Setembro.
Fátima Ferreira
Fonte: http://www.gazetacaldas.com/Desenvol.asp?NID=17812