Indicações Geográficas: Por dentro da Nova Onda – III

A Origem é o Diferencial!

Por: Ensei Uejo Neto

Ensei Neto é consultor em Marketing e Qualidade de Cafés EspeciaisA Origem é o Diferencial!


A lição deixada pelos produtores de vinho estimulou essa nova linha de
trabalho em diversos outros produtos: demonstrar as particularidades e
características sensoriais de cada origem e, como não poderia deixar de ser,
também do café.


Neste particular, foram decisivos os esforços desenvolvidos pela SCAA –
Specialty Coffee Association of America (Associação Americana de Cafés
Especiais) ao estabelecer uma metodologia de avaliação sensorial objetiva,
consistente e que pudesse, ao mesmo tempo, não apenas proporcionar um
aprofundamento na compreensão dos atributos sensoriais do café, mas, também,
facilitar ao consumidor a comunicação dessa qualidade quantificada.


Um dos pilares é a maior precisão ao se descrever aromas e sabores que um
determinado grão de café pode oferecer após o preparo da bebida.


A SCAA contratou Jean Lenoir, famoso enólogo francês, para desenvolver um
conjunto de aromas denominado “Le Nez du Café”. Lenoir, que é formado pela
Universidade de Dijon, lançou em fins de 1981 o kit de aromas “Le Nez du Vin”,
um revolucionário método para treinar o olfato junto às principais notas
aromáticas presentes no vinhos. Em francês, “nez” significa nariz.


Convencida pelos membros do Comitê de Normas Técnicas, a Diretoria da então
jovem SCAA entendeu que um conjunto de aromas como esse seria fundamental para
sistematizar o treinamento de Juízes de Cafés Especiais.


Numa empreitada que levou alguns anos e um sem número de testes com mais de
40 diferentes origens de café, chegou-se a este gráfico que é conhecido como “A
Roda de Aromas e Sabores do Café – SCAA”.


A figura da direita possui um semicírculo expandido, onde são vistos os
Aromas que podem ser encontrados nos café, saindo de uma coloração mais escura,
representado os aromas menos voláteis, até cores claras, que representam os
aromas de maior volatilidade. Estes aromas estão agrupados em três grandes
grupos, conforme a natureza de sua estrutura química e afinidade ou
similaridade: Enzimáticos, Caramelização de Açúcares e de Destilação Seca.


Em sua parte esquerda, ao lado dos Aromas, ficam os Sabores, observando-se as
combinações dos quatro principais, que são o Doce, Salgado, Amargo e Ácido.


A figura abaixo representa os diferentes tipos de alterações de aroma e
sabor que podem ocorrer num grão de café, a partir de fatores internos e
externos.



 


A partir de uma precisa identificação das notas aromáticas e de sabor
percebidas na bebida de uma determinada origem de café, pode se evidenciar,
claramente, o efeito das condições geográficas.


Outro ponto de grande importância no bojo das Indicações Geográficas é que o
perfil sensorial da bebida tem de ser estável ao longo das safras. Para isso, a
estabilidade climática tem grande peso, além do processo de produção estar
desejavelmente codificado.


Uma das primeiras origens no Brasil a ter o seu perfil sensorial de bebida
perfeitamente descrito foi o do café produzido na região Noroeste de Minas
Gerais, em Paracatu, num pequeno grupo de propriedades localizadas em planalto
próximo à divisa com o estado de Goiás, em 1996. Havia um micro-clima muito
específico e o processo de produção havia sido padronizado ao longo dos anos
pelo grupo de produtores, resultando num café de bebida muito estável.


Esta experiência serviu de base para a estruturação do projeto do Café do
Cerrado, que abrange 55 municípios em Minas Gerais, e que é a primeira Indicação
de Procedência para café do Brasil, reconhecido pelo INPI – Instituto Nacional
de Propriedade Industrial no início de 2005.



Indicação de Procedência e Denominação de Origem


A Indicação de Procedência, nomenclatura adotada no Brasil, é semelhante em
termos de conceito à Indicação Geográfica, como definida pela WIPO – World
Intellectual Property Organization (Organização Mundial de Propriedade
Intelectual). Neste caso, o elemento mais valioso é a “notoriedade” do produto
ou serviço de uma determinada origem.


Já a Denominação de Origem ou D. O., é outorgada para um produto que tenha
suas características sensoriais decorrentes da influência direta de fatores
geográficos. É por isso que o café, por excelência, pode se encaixar nesta
categoria, tal qual os vinhos.


O Café de Veracruz, da região de Veracruz, no México, em seu lado do Golfo do
México, teve sua Denominação de Origem reconhecida pelo Governo do México em
fins de 2000, sendo registrado junto ao WIPO em 2001. São 64 municípios dentro
da área demarcada, que abrange as regiões de Huasteca Alta, Central e Los
Tuxtlas.


Em alguns mercados, como o dos Estados Unidos, que não são signatários do
Tratado de Lisboa, documento do WIPO que regulamenta a D. O., o “Café de
Veracruz” foi registrado como “Trade Mark” ou Marca Registrada, com base em
protocolos da OMC – Organização Mundial do Comércio.


Caminho semelhante foi adotado pela Colômbia, através de sua poderosa
Federación Nacional de Cafeteros de Colombia, proprietária das famosas
marcas  “Café de Colombia”  e “Juan Valdez”.


A Federación, como é comumente chamada, obteve do Governo da Colombia a D. O.
para o “Café de Colombia” em 2005. Em fins de 2006 obteve junto à Comunidade
Européia o reconhecimento do nome “Café de Colombia” como Denominação de Origem.


Como fato relevante, fica o registro da indicação do representante da
Federación para assumir a presidência da OriGin – Organização Internacional de
Indicações Geográficas. Esta organização reúne origens detentoras de
Denominações de Origem como os vinhos de Champagne e Bordeaux, da França, o
arroz Basmati da Índia, o queijo de Parma, Itália, e, agora, o Café de
Colômbia.



Posicionamento e Agregação de Valor


O mercado de café, apesar de sua característica primária de commodity,
consegue abrir diferentes perspectivas pelo fato de ser um produto que é
consumido como bebida. Pode parecer prosaico, porém, é isso que o faz se
destacar entre os produtos de origem agrícola, como o vinho.


A identificação de atributos sensoriais em bebidas é muito maior do que em
alimentos sólidos, por uma questão puramente fisiológica: as papilas gustativas
são, digamos, estimuladas em meio líquido, que funcionam como veículo das
moléculas de sabor.


Os grãos de café possuem muitas similaridades com os da uva: são frutos que
devem ser colhidos preferencialmente ao atingirem a plena maturação, para se
obter, assim, uma bebida de excelente qualidade. O emprego de determinadas
varietais, conjugado com a complexa influência climática, pode fazer surgir café
de bebida com atributos únicos.


O mercado de café se mantém em contínua transformação e percebe-se hoje a sua
supersegmentação. Nichos surgem a cada dia e novas oportunidades de
diferenciação são identificadas.


No entanto, a qualidade da bebida será sempre o elemento decisivo na formação
de preços do café. Muito mais caso o seu perfil sensorial for diferenciado,
reconhecível pelos paladares ao redor do mundo e, principalmente, se houver um
bom trabalho de marketing promocional.


A Onda das Indicações Geográficas possibilita criar posicionamentos
particulares às diferentes origens de cafés, tornando-se poderoso instrumento de
marketing.


É interessante observar que esse conceito é ponto convergente de diversos
outros, como a Codificação dos Processos Produtivos, a Determinação da Origem de
Produção, intimamente conectado com a Rastreabilidade do Produto, além da
garantia de um Padrão Mínimo de Qualidade.


No entanto, o sucesso de uma origem nessa nova onda passa obrigatoriamente
pela capacidade de organização dos produtores, que precisam constituir entidades
representativas que detenham claro senso de Produção Orientada para o
Mercado.


A sobrevivência num mercado que continuamente se torna mais competitivo está
correlacionada com a eficiência em identificar as novas tendências e, portanto,
as oportunidades de mercado, em supri-lo adequadamente sob sua demanda ou
exigências (o chamado conceito “on demand”) e ter escala de produção.


Portanto, fica claro que para os pequenos e médios produtores se manterem
competitivos deverão se organizar, aperfeiçoar seus modelos de produção,
compreender as mudanças de mercado e saber empregar conhecimentos de
comercialização. A força da coletividade traz benefícios a todos.


No fundo, isso é como a preparação para pegar uma “grande onda”: escolher a
prancha mais adequada, saber como as ondas quebram e manter o equilíbrio. 








Sobre o Autor


Ensei Neto é consultor em Marketing e Qualidade de Cafés Especiais.


Engenheiro Químico pela Escola Politécnica da USP tem especialização em
Tecnologia de Alimentos e Marketing.


Trabalhou em indústrias de alimentos por 9 anos e foi cafeicultor
por mais de 12 anos, conhecendo desde o preparo de mudas até o comércio
internacional. 


Faz parte do Comitê de Normas Técnicas da SCAA – Specialty Coffee Association
of America e do Board do CCWC – Coffee Cuppers World Council, sendo seu
representante para o Brasil.


É Instrutor de cursos e workshops sobre avaliação sensorial de café com
a chancela CCWC, que é vinculada à SCAA. 


Veja o Blog do autor  www.coffeetraveler.net

E-mail bureaucoffees@terra.com.br


 



 

Mais Notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.