Ensei Uejo Neto*
bureaucoffees@terra.com.br
O mercado do café tem vivido nos últimos 30 anos grandes mudanças com a
introdução de novas origens produtoras, muitas das quais em locais antes
considerados inaptos pelos técnicos, fato que precedeu, juntamente com as duas
grandes crises nos anos 1990 e da década de 2000, o surgimento de novos
conceitos mercadológicos.
No Brasil, particularmente, as novas origens produtoras, surpreendentemente
situadas em locais que, segundo um estudo do extinto IBC – Instituto Brasileiro
do Café, eram consideradas marginais, ou seja, a produção do café sofria
restrições técnicas, mas que ao lançarem mão de alta tecnologia se consolidaram
no novo Mapa Brasileiro do Café.
O Cerrado Mineiro, cujos registros das suas primeiras lavouras de café datam
de 1972, em Patrocínio, tem plantios de café que se estendem pelo Triângulo
Mineiro, Alto Paranaíba e parte do Noroeste Mineiro, no chamado Planalto
Central, que identifica a área de cerrados no Brasil. Com áreas que apresentam o
típico clima do cerrado, com duas estações climáticas bem definidas, uma
chuvosa, durante o verão, e outra seca, durante o inverno.
No início da década de 1980, a cafeicultura em Barreira começou com apenas um
produtor. O impressionante desempenho das lavouras de café, obrigatoriamente
irrigadas, fez com que vários outros se animassem a aderir a esse plantio
debaixo de pivôs centrais.
Muita tecnologia, alto índice de mecanização e alta produtividade: estes são
os ingredientes que diferenciam estas duas novas origens das tradicionais do
Brasil. Só que o Cerrado Mineiro se destacou porque teve uma feliz oportunidade
durante a realização das primeiras edições do concurso de qualidade para
espresso da indústria italiana illycaffè. No princípio, quando no certame eram
inscritos apenas cafés preparados pelo método natural, ou seja, quando os grãos
são secos com a casca, eram cafés produzidos no Cerrado Mineiro praticamente dez
entre os dez primeiros vencedores.
É a clara influência do clima na bebida!
Em meados da década de 1980 era fundada a SCAA – Specialty Coffee Association
of América (Associação Americana de Cafés Especiais), com sede em Long Beach,
CA, e que foi um esforço idealista de um grupo de industriais norte-americanos
em criar um novo movimento no mercado do café.
A expressão “Specialty Coffee”, que significa “Café Especial”, foi cunhada
pela Sra. Erna Knudsen, tradicional importadora de cafés finos de San Francisco,
CA, e uma das mentoras e fundadoras da SCAA.
Começava a primeira onda dos cafés especiais: era especial tudo o que pudesse
ser diferente, exótico, que tivesse bebida de alta qualidade e que fosse
fruto de um relacionamento entre produtores e comerciantes.
Como comentei
anteriormente, o setor de produção no Brasil, assim como nos países produtores
de café em geral, é bastante sensível e atento às novas tendências pelo fato de
que possui características de um competidor globalizado: os concorrentes são os
produtores dos outros países.
Por isso, a primeira resposta brasileira a essa nova onda foi a fundação da
BSCA ou ABCE – Associação Brasileira de Cafés Especiais. Esta entidade foi
formada por um grupo de grandes fazendas, todas com estrutura empresarial, e que
já desenvolviam serviços de exportação. Caso da Ipanema, que hoje já não mais
faz parte da entidade, e a Agribahia.
Nos anos 90, com o surgimento das associações de cafés especiais em vários
países produtores, um conceito começou a ser muito difundido: o “Estate Coffee”
que significa “café de propriedade”, identificando um café que foi produzido
numa fazenda específica. Em boa parte dos casos, nos vários países produtores,
foram as fazendas com estrutura empresarial que aplicaram eficientemente o
conceito de “Estate Coffee”, criando marcas que conquistaram clientes em
diversos países consumidores. “Monte Alegre” e “La Minita” são marcas que
passaram a se confundir com a própria Fazenda ou Finca.
Mas, o início de 2000 reservava uma nova onda: as Indicações Geográficas.
Com base na experiência vitoriosa dos vinhos, algumas origens produtoras de
café iniciaram movimento para que fossem reconhecidas pelos atributos da bebida,
que poderia se tornar um grande diferencial.
A lógica das Indicações Geográficas baseia-se em se correlacionar,
inicialmente, um produto ou um serviço, com uma extensão territorial demarcada.
Neste caso mais simples, que no Brasil recebeu o tratamento de Indicação de
Procedência, o elemento que tem peso decisivo é o que se denomina “notoriedade”.
Para que a localidade possa receber o reconhecimento como tal deve
obrigatoriamente muito bem conhecida no mercado. Por exemplo, são famosas as
facas de aço inox produzidas em Sölingen, na Alemanha, os artigos de vidro
multicoloridos de Murano, na Itália, ou, ainda, um café em grãos para espresso
da Itália(!).
Como no velho ditado: “Faça a fama e deita-te na cama.”
Mas, o caso mais sofisticado é da Denominação Geográfica, que se aplica
exclusivamente a produtos de origem agropecuária, pois recebem influência direta
das condições geográficas de sua área de produção.
Solo, clima e varietais empregadas fazem produzir algo
único!
Exemplos?
Os vinhos de Bordeaux e Champagne, da França, o vinho Tokaji, da Hungria, o
queijo de Parma, da Itália, e até a cachaça de Salinas, do Brasil: cada qual
possui suas características particulares.
Para completar, é necessário que o
processo produtivo seja codificado, isto é, que existam normas de produção
perfeitamente definidas, com parâmetros claros e especificações de produto que
possam ser verificados continuamente.
A existência de um órgão controlador ou regulador também é muito importante,
que institucionalize a extensão territorial, defina o processo de produção e,
finalmente, garanta a qualidade e idoneidade do produto.
Casos no café?
No México temos o Café de Veracruz, que é um caso de Denominação de Origem,
pois seu processo foi todo desenvolvido segundo regras do OMPI – Organização
Mundial de Propriedade Intelectual.
No Brasil, há o caso do Café do Cerrado, Cerrado Mineiro, que é um caso de
Indicação de Procedência. Os produtores da micro-região da Serra da Mantiqueira
também estão solicitando sua Indicação de Procedência, graças aos excepcionais
resultados em concursos de qualidade ao longo dos últimos anos e que alçaram o
Café da Serra da Mantiqueira ao reconhecimento internacional.
Sobre o Autor
Ensei Neto é consultor em Marketing e Qualidade de Cafés Especiais.
Engenheiro Químico pela Escola Politécnica da USP tem especialização em
Tecnologia de Alimentos e Marketing.
Trabalhou em indústrias de alimentos por 9 anos e foi cafeicultor
por mais de 12 anos, conhecendo desde o preparo de mudas até o comércio
internacional.
Faz parte do Comitê de Normas Técnicas da SCAA – Specialty Coffee Association
of America e do Board do CCWC – Coffee Cuppers World Council, sendo seu
representante para o Brasil.
É Instrutor de cursos e workshops sobre avaliação sensorial de café com
a chancela CCWC, que é vinculada à SCAA.
Veja o Blog do autor www.coffeetraveler.net