Dia de cão nas bolsas
Patricia Eloy e Gilberto Scofield Jr.
O Globo
28/2/2007
Ações despencam no mundo. China, EUA e América Latina perdem US$792 bi em um dia
Após os mercados globais iniciarem o ano em níveis históricos, o temor de uma desaceleração das economias americana e chinesa (os motores da economia global na última década), somado a especulações sobre medidas de restrição do crédito bancário e de controle de capital estrangeiro na China – para combater a especulação em Bolsa – derrubou bolsas em todo o mundo, com uma maior aversão ao risco. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) teve a maior queda desde os 7,26% de 13 de setembro de 2001. Chegou a cair 7,87%, fechando em baixa de 6,63%.
Cálculos do analista Einar Rivero, da consultoria Economática, mostram que, apenas ontem, as bolsas de EUA, América Latina e Xangai perderam US$792 bilhões em valor de mercado – mais que o Produto Interno Bruto do Brasil em 2006 (US$620 milhões). A Bovespa encolheu, sozinha, US$48 bilhões. Analistas, no entanto, são categóricos em afirmar que os fundamentos da economia brasileira são sólidos e devem protegê-la de eventuais solavancos.
O nervosismo dos investidores não impediu que o Banco Central (BC) voltasse a comprar dólares – a operação teria movimentado, segundo operadores, US$400 milhões – o que levou as reservas internacionais ao patamar inédito de US$100,1 bilhões. O dólar fechou em alta de 1,73%, a R$2,120, na máxima do dia.
O clima caótico teve início na Ásia, com queda de 8,81% na Bolsa de Xangai, a maior em dez anos, e se alastrou. Segundo analistas, as ordens frenéticas de venda nas corretoras chinesas tiveram como motivo a apreensão sobre uma possível medida do governo contra a especulação que vem lançando os papéis às alturas. Ano passado, a Bolsa de Xangai subiu 130%. Nas mesas de operadores asiáticos, circularam boatos de que a Comissão Regulatória do Setor Bancário da China aproveitará a reunião do Congresso Nacional do Povo, semana que vem, para anunciar medidas de restrição ao capital especulativo. Falou-se até em imposto de 20% sobre os ganhos em bolsa, o que foi negado pela imprensa estatal chinesa.
Bancos mantêm apostas no Brasil
O governo não confirmou a especulação, mas o boato foi repetido por todas as versões online da imprensa estatal chinesa ao longo do dia. No domingo, o governo anunciou que estava criando uma força-tarefa para evitar operações ilegais com ações. Muitos administradores de fundos da região admitiram ter vendido ações ontem para garantir lucros que vinham obtendo desde o ano passado.
Nos EUA, as bolsas caíram mais de 3% ontem (a Bolsa de Nova York impôs até limites de negociação para os papéis), a maior perda em oito meses. Na Europa, as quedas superaram 2%. À noite, na abertura dos mercados asiáticos, o japonês Nikkei e o coreano Kospi recuavam mais de 3%, enquanto a Austrália caía 2,5%. A Bolsa de Xangai abriu em queda de 1,3%.
O risco-Brasil disparou 11,05%, voltando aos 201 pontos centesimais. A média dos emergentes avançou 11,11%, para 190 pontos centesimais. A venda de bens duráveis abaixo do esperado nos EUA, o temor de uma recessão americana manifestado pelo ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) Alan Greenspan e um ataque a uma base americana no Afeganistão, onde estava o vice-presidente Dick Cheney, ajudaram a manter o clima tenso. Mas grandes bancos estrangeiros mantêm suas apostas no Brasil:
– Não há motivo para pânico. Os fundamentos da economia brasileira não mudaram. Mas o mercado vinha de um ciclo de fortes altas nos últimos quatro anos, e, este mês, bolsas como a americana e a brasileira atingiram níveis recordes. Era natural que os investidores colocassem parte dos ganhos nos bolsos. A questão (da China) é que o mercado se apodera de qualquer fator para fazer essa correção. E, como todo mundo estava apostando alto nos emergentes, todos mudaram de direção ao mesmo tempo, gerando fortes perdas – explica Nuno Câmara, economista para América Latina do Dresdner Kleinwort em Nova York.
Para ele, as perdas devem continuar nos próximos dias, o que deve criar oportunidades para os estrangeiros voltarem às compras. Luís Eduardo Costa, estrategista de dívida de países emergentes do ING em Londres, concorda:
– Embora o mercado possa engatar um mês de perdas, os estrangeiros continuam otimistas com o Brasil. A história da China foi apenas uma desculpa para corrigir os preços. Após quatro anos de recordes, uma hora esse movimento iria acontecer. Mas o ciclo ainda é positivo para o Brasil.
Depois de fechar pela primeira vez acima dos 3 mil pontos na segunda-feira, ontem a Bolsa de Xangai voltou aos 2.771,79 pontos. A Bolsa de Shenzhen, a cidade onde fica a primeira zona econômica especial da China, caiu 8,54%. Mais de 900 papéis das duas bolsas tiveram o pregão interrompido, pois caíram acima do limite diário de 10%.