Um Vietnã renascido

14 de fevereiro de 2007 | Sem comentários Origens Cafeeiras Produção
Por: 12/02/2007 08:02:18 - Época

Depois da guerra com os EUA e de 14 anos de comunismo estrito, o ex-ícone do antiimperialismo enriquece com a globalização

Marcelo Musa Cavallari


El del nguyen thanh trung perdeu o pai, um guerrilheiro comunista norte-vietnamita, no início da Guerra do Vietnã. Prometeu a si mesmo que iria vingá-lo. Entrou para a Força Aérea do Vietnã do Sul. Aprendeu a pilotar nos Estados Unidos e voltou para a guerra. Duas semanas antes de os comunistas do norte invadirem definitivamente o sul, em 1975, Trung usou seu F-5 para bombardear, em Saigon, o palácio do governo que deveria estar defendendo. Duas semanas depois, com o Vietnã do Sul já derrotado, helicópteros americanos retiraram às pressas da cidade seus últimos funcionários e mais todos os vietnamitas do sul que conseguiram embarcar. Entre eles estava Phu Tan, na época um garoto de 14 anos. Era o fim da Guerra do Vietnã. O país foi reunificado e assistiu à imposição de um dos mais fechados regimes comunistas do mundo. Saigon passou a se chamar Ho Chi Minh, nome do líder comunista que havia expulsado os EUA de seu país.


Tan cresceu nos EUA e formou-se em Engenharia pela Universidade da Califórnia. Em 2000, voltou ao Vietnã como diretor da americana Intel, que passou a fabricar chips de computador no Vietnã. O piloto Trung nunca deixou seu país. Nem o governo comunista, que ainda está no poder. Hoje, ele é vice-presidente da Vietnam Airlines e um de seus maiores orgulhos é o vôo regular para os Estados Unidos que a companhia vai começar a operar neste ano.


Separados por um dos mais brutais confrontos da Guerra Fria, em que o Ocidente capitalista enfrentava o comunismo, Tan e Trung são hoje líderes da mais eficaz revolução pela qual o Vietnã passou: as reformas econômicas. Impulsionado por exportações e afluxo de capital e empresas estrangeiras, o Vietnã é o segundo país que mais cresce no mundo, atrás apenas da China. Cresceu a uma taxa de 8,4% no ano passado, ante 9,9% da China e 7,6% da Índia, as duas grandes vedetes do capitalismo globalizado.


“Passamos 1.000 anos guerreando contra a China, cem contra a França e 20 contra os EUA. É hora de pensar no futuro”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Vietnã, Le Dzung. E o futuro parece promissor. Le Dzung comentava a adesão do Vietnã à Organização Mundial do Comércio (OMC), aceita em janeiro. Com isso, fica mais difícil para os EUA adotar barreiras contra produtos vietnamitas.



NOVOS TEMPOS Grandes prédios comerciais e marcas internacionais famosas são os novos elementos da paisagem do Vietnã


E há muita gente nos EUA tentando. Boa parte do progresso econômico do Vietnã é fruto da vontade dos Estados Unidos de se reaproximar do ex-inimigo. Em 2000, os dois países celebraram seu primeiro acordo comercial. Em 2005, os EUA derrubaram as cotas para entrada de produtos têxteis do Vietnã. No fim do ano passado, para preparar o ingresso do Vietnã na OMC, um novo acordo foi celebrado. Com ele, o Vietnã baixou consideravelmente suas tarifas de importação e se comprometeu a abrir os setores de energia, telecomunicações e serviços financeiros à competição internacional. Mesmo assim, o balanço ainda é extremamente favorável ao Vietnã. No ano passado, suas exportações para os EUA, principalmente têxteis, sapatos, pescado e café, somaram US$ 5,6 bilhões. As importações não passaram de US$ 625,9 milhões.


Mas o impressionante crescimento médio de 7,4% ao ano nos últimos cinco anos do Vietnã é fruto do mesmo ciclo que transformou a China e a Índia em líderes de crescimento: o Vietnã entrou no mercado globalizado de mão-de-obra barata. Empresas como Intel, Nike, Canon, além das principais indústrias de Taiwan, da Coréia do Sul e da China, estão instaladas no Vietnã. Só em 2006, os investimentos estrangeiros diretos no país chegaram a US$ 9,5 bilhões.


Os números recentes podem fazer perder de vista o fato de que o Vietnã ainda é um país muito pobre. Mais que a China e a Índia. Nas contas do Banco Mundial, o PIB per capita do Vietnã é de US$ 620. Menor que o da Índia, que é de US$ 788. O da China está na casa dos US$ 1.740. Só para efeito de comparação, o do Brasil é de US$ 3.460.


Mesmo assim, o crescimento econômico do Vietnã conseguiu tirar da miséria mais gente que na China e na Índia. Em 1990, depois de 14 anos de regime comunista, 51% da população vietnamita vivia com menos de US$ 1 por dia. Foi a partir daí que as autoridades comunistas decidiram permitir algumas liberdades econômicas. Em 1992, um tímido setor privado era autorizado pela nova Constituição do país. Mas a mudança mesmo veio a partir de 2000, quando empresas estrangeiras puderam operar em larga escala no Vietnã. Atualmente, a parcela de pessoas que vivem com até US$ 1 por dia no Vietnã representa apenas 8% da população.


A nova realidade econômica está criando uma classe média abastada e mesmo certo número de milionários, enquanto a população rural continua extremamente pobre. A desigualdade crescente assusta o governo comunista, que continua tão pouco democrático quanto sempre foi. E é nele que se concentram os dois maiores entraves para a continuidade do crescimento econômico do Vietnã: a burocracia e a corrupção.


O CAMINHO DO VIETNÃ, DE INIMIGO A PARCEIRO COMERCIAL
1975 O Vietnã do Norte invade Saigon. Os últimos americanos e alguns de seus aliados fogem em helicópteros (foto). No ano seguinte, o país se unifica e se torna comunista
1992 A nova Constituição consolida as reformas econômicas. Em 1994, os EUA suspendem o embargo econômico. Em 1995, EUA e Vietnã retomam as relações diplomáticas
2001 EUA e Vietnã assinam seu primeiro tratado comercial bilateral. Hoje, os EUA compram nove vezes mais do que vendem para o Vietnã
2004 O primeiro vôo comercial partindo dos EUA pousa no aeroporto de Ho Chi Minh, a antiga Saigon, abandonada pelos EUA 29 anos antes, no final da guerra
2005 O primeiro-ministro do Vietnã, Phan Van Kai, faz a primeira visita oficial de um governante vietnamita aos EUA desde o fim da guerra
2007 O Vietnã é aceito na Organização Mundial do Comércio, culminando um esforço de 12 anos para entrar plenamente no mercado mundial

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