Não haverá refúgios no País, aquecimento global no Brasil serão sentidos de Norte a Sul do País

Cientista brasileiro no IPCC explica que efeitos ainda piores do aquecimento serão sentidos em todo o Brasil

Por: 03/02/2007 05:02:08 - O Estado de São Paulo

Lígia Formenti


Os efeitos do aquecimento global no Brasil serão sentidos de Norte a Sul do País. O aumento da temperatura virá acompanhado de uma série de ameaças: prejuízos econômicos, com a queda de produção das maiores commodities; extinção de espécies da fauna e da flora; maior exposição das cidades litorâneas, provocadas pelo aumento do nível do mar. A descrição feita pelo pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) José Antonio Marengo, um dos cientistas que participaram do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), é de fazer inveja a roteiristas de filmes de catástrofes. “Não haverá refúgios climáticos. Todos vão sentir.”


A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, admite que o País não está preparado para as conseqüências das mudanças climáticas. “O que é mais dramático: nenhum país está.” O ministério encomendou sete estudos detalhados sobre os efeitos do aquecimento. Entre eles, uma análise minuciosa dos efeitos no Brasil, os reflexos do aumento da temperatura na faixa costeira, nas ilhas. Também serão avaliadas as correntes marítimas e peixes, o reflexo do aumento do nível do mar e os corais. A partir dos resultados, esperados para o próximo mês, o ministério espera adotar medidas para reduzir ou, na pior das hipóteses, para se preparar para a nova realidade.


Um dos trabalhos é conduzido por Marengo. O estudo estima que até o fim do século a temperatura na Amazônia aumente 8 °C, numa visão pessimista – 5°C a mais que a média mundial esperada. A região Sudeste registraria aumento médio de 5°C.


A Amazônia viraria cerrado. Entre 10% e 30% desapareceria, junto com várias espécies de plantas e animais. No Sudeste, haveria aumento de chuvas, grande circulação de ventos, veranicos e maior propensão a desastres naturais. Na região costeira, as cidades mais vulneráveis seriam Recife e Fortaleza, com a subida do nível do oceano.


RAPIDEZ ASSUSTADORA


Cientistas brasileiros preocupam-se com a rapidez com que o aquecimento vem ocorrendo. “Cenários que prevíamos para os próximos 15 anos podem se concretizar em 2 ou 3”, afirma o pesquisador da Embrapa Eduardo Assad, co-autor de um estudo sobre os efeitos na agricultura.


A preocupação é tamanha que anteontem, um dia antes da divulgação do relatório, ele e integrantes de uma rede de 30 laboratórios de pesquisa fizeram uma reunião para tornar mais ágeis os estudos e propostas de solução. “O que pretendíamos fazer com calma agora terá de ser a toque de caixa”, constata.


Pelas projeções iniciais do estudo, desenvolvido numa parceria com Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com base em dados do IPCC de 2001, o aumento da temperatura global atingiria a produção de dois dos principais produtos da agricultura nacional: soja e café.


Num cenário mais pessimista, o aumento da temperatura levaria à redução de 70% da produtividade de soja. O café ficaria restrito a áreas menos quentes. O arroz e o milho sofreriam queda de produtividade de 30%. Entre as propostas para enfrentar esses efeitos, está o desenvolvimento de uma nova geração de sementes transgênicas, mais resistentes. “Uma das idéias é analisar espécies do cerrado, para identificar quais os genes destas plantas responsáveis pela resistência ao clima”, conta Assad.


“Mas há outras propostas em análise. Como a adoção de práticas para reduzir a erosão.” Hoje, milhares de hectares usados para plantação de grãos são usados apenas quatro ou cinco meses no ano. “É imprescindível que tais áreas fiquem cobertas. A vegetação é essencial para a retenção da água naquele espaço de terra.”


Assad cita ainda a inclusão de culturas que auxiliassem o seqüestro do carbono, como o eucalipto ou o milho, dendê e feijão. Tanto eucalipto quanto o dendê citados pelo pesquisador são mais eficazes na captação de carbono que plantações de soja ou feijão. “Faríamos associação de culturas economicamente importantes com outras que evitem o aquecimento.”


SIMBIOSE E EXTINÇÃO


O pesquisador do Inpe Carlos Nobre também há anos dedica seus estudos aos efeitos provocados pela mudança na temperatura global. Em seus estudos, ele observa que a região Centro-Leste da Amazônia é a que apresenta maior potencial de sofrer com o aumento das temperaturas globais. Atualmente, conta, as chuvas já são menos abundantes.


Nobre observa que, na região há um número significativo de animais que desenvolveram uma espécie de “simbiose” com a região que vivem. “Se houver a savanização, muitos deles poderão ser extintos. E o triste é que algumas das espécies vivem apenas em determinadas regiões da Amazônia.”


Em outras palavras: há o risco de, com a mudança do clima, desaparecerem espécies que hoje nem mesmo são conhecidas pelos cientistas. “Seria um estrago enorme. Sobretudo se levarmos em conta que há suspeitas de que em toda Amazônia existam plantas e espécies com grande potencial econômico. Seria uma perda de uma riqueza que nem chegamos a conhecer.”


Os efeitos do aquecimento em outras regiões já começam a ser sentidos. Nobre cita o exemplo de um anfíbio, batizado de Arlequim, que vive nos Andes. Com a mudança do microclima, essas espécies acabaram desenvolvendo fungos na pele. Desapareceram.


Todos são unânimes em afirmar que o combate ao desmatamento é tarefa número 1 a ser perseguida no País. Sem falar na adoção de modelos de energia limpa, renováveis, que reduzam a emissão de gás carbônico na atmosfera. Neste aspecto, afirmam, o País tem apresentado bons resultados. Como biocombustíveis. “Mas é preciso ampliar a oferta de matrizes energéticas”, constata Nobre.


Para ele, não há um modelo único a ser seguido. “Hidrelétricas sempre tão elogiadas podem muitas vezes emitir mais gases que provocam efeito estufa que uma termelétrica.”


Como exemplo, ele cita a usina de Balbina, ao norte de Manaus. “Ela produz uma quantidade mínima de energia. E sua construção foi à custa de um desmatamento de grandes proporções na região”, recorda. “Pois as árvores que entraram em decomposição, no fundo do lago, produzem gás metano, tão prejudicial para o ambiente quanto uma termelétrica”, completa.

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