por BRENO BALDRATI
Na capital, ouve um aumento de temperatura média anual entre 1885 e 1999 de cerca de 0,6°C. Confira no gráfico.
Curitiba – Se você ainda não era nascido na década de 70, certamente já ouviu alguém dizer que o inverno naquela época era muito mais frio do que é hoje. “Naquele tempo até nevava”, relembram os mais saudosistas, em referência ao dia em que Curitiba amanheceu debaixo de neve, no 17 de julho de 1975. O fenômeno só havia ocorrido uma única vez, em 31 de julho de 1928. Se a natureza fosse matemática, no inverno de 2022, quando completarmos mais 47 anos desde a última nevasca, teríamos garantida uma foto ao lado de um boneco de neve em pleno Parque Barigüi. Na soma das variáveis que determinam o clima na Terra, porém, o resultado será outro, garantem especialistas.
O inverno paranaense tende a ser cada vez menos frio, conforme pesquisas realizadas pelo Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná. O estado acompanha a tendência global de elevação da temperatura média. Entre 1885 e 1999, Curitiba teve um aumento médio da temperatura anual de 0,6ºC (veja quadro acima).
Como conseqüência desse aquecimento está prevista uma série de alterações no comportamento de setores chaves do Paraná, tanto na zona urbana quanto na rural. Algumas mudanças, inclusive, já começaram, como o surgimento, em 2002, dos primeiros casos de dengue autóctone (quando os casos surgem da própria região em vez de serem “importados”) na capital. As transformações ainda passam pelo cultivo do café no Norte Pioneiro, o processo de desertificação no Noroeste (região de Paranavaí e Cianorte) e o aumento das chuvas no Sudoeste (região de Francisco Beltrão e Laranjeiras do Sul).
Curitiba e região metropolitana contribuem para o aumento do efeito estufa como praticamente todas as grandes cidades do país. A queima de combustível fóssil pelas indústrias, os aterros sanitários na RMC e a grande circulação de automóveis são algumas das causas. Ainda que não esteja comprovado que essa emissão necessariamente provoque efeitos locais, a cidade já observa mudanças em seu cotidiano.
“Curitiba, a capital mais fria do país, não apresentava até o começo da década condições de temperatura e umidade adequadas para a sobrevivência do mosquito da dengue. Em março de 2002, a cidade registrou três casos de dengue autóctone”, explica o professor de geografia da UFPR e autor de um trabalho sobre o impacto do aquecimento global na saúde humana, Francisco de Assis Mendonça. No resto do estado, também houve um aumento da infecção da dengue. De quase 2 mil casos em 2000, o número saltou para quase 10 mil em 2003. A elevação da temperatura pode não ser a única razão para o crescimento nos casos da doença, diz Mendonça, “mas sem dúvida a mudança de clima interfere diretamente nas condições de saúde da população, como nesse caso”.
O impacto não se restringe a capital. Os efeitos do aquecimento terão grande repercussão no setor que corresponde a 30% do PIB brasileiro, o agronegócio, dominante no interior do estado. Se as previsões feitas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) estiverem corretas, a temperatura média da Terra pode aumentar até 5,8 graus celsius entre os próximos 50 e 100 anos. Nessas condições, muito deve mudar no cultivo de grãos. Pesquisadores da Embrapa e da Unicamp avaliaram o impacto dos prognósticos do IPCC sobre a produção de café arábica, que tem como limite de tolerância temperaturas médias anuais entre 18ºC e 23ºC. Os resultados são alarmantes. No Paraná, 75% da área apta para a cultura se tornaria improdutiva. Em São Paulo e Minas Gerais a perda chegaria a 95% (veja box e mapas).
“As plantas agrícolas, de um modo geral, não são resistentes ao calor. Quando as temperaturas passam de 33 e 34 graus, elas já sentem. Se estiverem no período de florescimento, elas abortam, assim como é comum o aborto em animais quando estes estão em condições de alta temperatura”, afirma Hilton Silveira Pinto, do Centro de Pesquisas Meteorológicas Aplicadas à Agricultura, da Unicamp.
Um outro estudo mostra que a Região Noroeste do estado poderá sofrer com o aumento da aridez do solo e até com o início de um processo de desertificação. “Nessa região, onde estão localizadas as cidades de Paranavaí e Cianorte, está chovendo menos e o solo lá já é arenoso. Caso a área de cultivo comece a diminuir, o processo deve entrar num ciclo vicioso que só piora a situação, porque plantar é uma das maneiras de fortificar o solo”, diz o geógrafo Mozart Nogarolli, autor da tese de mestrado Evolução Climática do Estado do Paraná de 1970 a 1999, que será defendida no próximo mês de março na UFPR.
No Sudoeste do estado, na região de Francisco Beltrão, Laranjeiras do Sul e Quedas do Iguaçu, o problema será exatamente o contrário: o aumento das chuvas.”A temperatura maior promoverá o aumento das precipitações. A tendência já se verifica. Casos extremos como a enchente de Francisco Beltrão em 1983 poderão se repetir”, alerta Nogarolli.