A questão das Boas Práticas Agricolas-BPA é questão de fundo em todas as certificações e no meu entender um passo importante no processo de conversão agroecológico. Porem não tenho encontrado muito material específico sistematizado sobre esse tema principalmente direcionado aos produtores familiares. Agradeço o envio de sugestões de publicações sobre o tema.
Segue abaixo um texto resumo que elaborei.
Abraço
Christian
Boas Práticas Agrícolas na Produção de Café
Introdução e contextualização
A crise pela qual o setor cafeeiro passou nos últimos anos teve forte impacto negativo na vida econômica e social de grande parte dos produtores e trabalhadores, contribuindo para a degradação ambiental e a baixa qualidade do produto. Diversas iniciativas voltadas a implementação e viabilização de uma cafeicultura sustentável surgem após 2002 focando a redução de custo do sistema de produção, agregação de valor através de melhoria do produto, gestão da comercialização e benefícios ambientais e sociais. Diversas certificações e códigos de conduta ( por exemplo: EUREPGAP, Utz Kapeh, Fair Trade, SAI, CCCC e mais recntemente o PIC da Embrapa) tem como ponto comum a promoção das ¨Boas Práticas Agrícolas¨ (BPA) como estratégia central de uma produção, que leve em conta as dimensões social, ecológica e econômica da sustentabilidade, contribuindo também para a segurança alimentar.
De uma forma geral pode-se afirmar que a agricultura é uma atividade que está fortemente relacionada com o ambiente, com incidências negativas e positivas. Dos impactos negativos destaca-se:
• Erosão física, química e biológica dos solos;
• Perda da capacidade de retenção de água do solo;
• Contaminação dos solos, das águas, do ar e de alimentos;
• Produção de resíduos;
• Consumo de água para a irrigação, com sistemas geralmente muito ineficientes;
• Alterações dos ecossistemas e perda da biodiversidade (flora e fauna);
Pode-se observar de forma generalizada, que ao longo das últimas décadas houve uma perda progressiva da capacidade produtiva de solos de vocação agropecuária. Porém é importante destacar, que só é possível alcançar bons rendimentos produtivos e mantê-los ao longo do tempo, se compreendermos e respeitarmos o agro-ecossistema. Para isso devemos ter em conta as relações entre os organismos vivos (plantas e animais) e entre estes e o seu meio ambiente. A planta cultivada ocupa uma posição central no ecossistema cultivado. O seu desenvolvimento e estado sanitário são condicionados por um conjunto de fatores interdependentes: clima, solo, natureza dos cultivares, rotação de cultura, fertilização, irrigação, desenvolvimento de pragas, doenças, ervas daninhas e intervenções culturais.
Por exemplo, a aplicação de um herbicida para controle de mato ou de um inseticida para controle de uma praga, não é uma intervenção simples. Na verdade existe todo um conjunto de influências e interações. Além do efeito desejado, provoca também uma redução e desequilíbrio da atividade biológica do solo contribuindo para o aumento da pressão de outras pragas e para a diminuição do ritmo de mineralização da matéria orgânica. Outro exemplo é o uso de maquinas e equipamentos (algumas vezes não adaptadas para as condições agroecológicas dos ecossistemas tropicais) que tem contribuído para a desestruturação e em parte compactação do solo, influenciando sua capacidade de erosão e também de retenção de água.
O conceito de ¨Boas Práticas Agrícola¨ consiste na aplicação do conhecimento disponível no uso sustentável dos recursos naturais básicos para a produção agrícola (produtos alimentícios e outros usos), buscando a viabilidade econômica e social e gerando produtos saudáveis, inócuos, isentos de contaminação e resíduos.
Basicamente as ¨Boas Práticas Agrícolas¨ são fundamentadas na manutenção de 3 práticas principais: segurança alimentar, preservação do meio ambiente e responsabilidade social. Para isto é necessário desenvolver uma estratégia sólida e integral de gestão da produção e da propriedade, com capacidade de controle e monitoramento ao longo do processo de produção e beneficiamento e quando necessário de realizar ajustes no sistema (tecnologia, insumos, procedimentos, etc.). Para isso deve haver um planejamento integral da cadeia de produção, a partir da propriedade, passando pelo beneficiamento, armazenamento e industrialização. A rastreabilidade do produto e muito importante nesse processo.
Nos tempos globalizados de hoje, onde temos acesso a produtos e alimentos provenientes das mais diversas partes do mundo e onde o consumo e a produção de alimentos – conseqüentemente sua comercialização – cresce gradativamente, a questão da segurança alimentar é quesito principal a ser considerado por compradores, importadores, traders e redes varejistas, independentemente do método de produção utilizado, orgânico ou convencional.
Resumindo, de nada adianta para o comprador, e essencialmente para o consumidor, obter um alimento produzido por exemplo sem resíduos de agrotóxicos, porém contaminado com microrganismos patógenos originados nas diversas etapas da cadeia produtiva. Por isso a questão da segurança alimentar é um dos principais, senão principal ponto a ser considerado nas Boas Práticas Agrícolas.
No que diz respeito ao meio ambiente, as ¨Boas Práticas Agrícolas¨ consideram também a preservação da fauna e flora local e a manutenção e recuperação de áreas protegidas por lei, como corredores ecológicos, Áreas de Preservação Permanente – APP’s, áreas de Reserva Legal, etc.
A última das principais diretrizes das Boas Práticas Agrícolas, porém não menos importante, é a questão social enfocando principalmente as questões empregatícias. Por esse motivo, as ¨Boas Práticas Agrícolas¨ têm questões específicas que garantem a segurança e o bem estar social dos trabalhadores e produtores envolvidos.
As ¨Boas Práticas Agrícolas¨ devem ser adequadas as diversas realidades locais, sócio-econômicas e agro-ecológicas. Inicialmente é importante realizar um diagnóstico da situação/realidade das propriedades e identificar as práticas inadequadas no sistema atual de produção e beneficiamento comparado com as recomendadas pelas boas práticas agrícolas (não conformidade). A partir disso são elaboradas recomendações técnicas de manejo e gestão.
Algumas Boas Práticas Agrícolas Recomendadas para a Produção de Café
Manejo e conservação do solo e da água
• Plantio em curva de nível, construção de terraços e cordões;
• Uso de implementos que não invertam a camada áravel e não pulverizem o solo;
• Cultivo mínimo e plantio direto;
• Cobertura morta e viva (evitar exposição do solo);
• Adubação orgânica (esterco e compostos) e adubação verde;
• Manejo dos restos culturais, incorporando ou deixando a matéria orgânica na superfície;
• Utilização árvores como quebra vento, sombreamento e ciclagem de nutrientes (camadas mais profundas do solo);
• Máquinas e implementos agrícolas leves e médios que evitem compactação do solo; Tração animal;
• Diversificação da exploração agrícola, rotação e consorciação de culturas;
• Reflorestamentos e proteção e recuperação de nascentes;
• Propriedades distantes de fontes poluidoras de água, solo e ar;
• Uso de produtos químicos somente quando necessário e recomendados e que não sejam persistentes no ambiente;
• Uso correto e seguro de produtos químicos;
• Uso de irrigação e drenagem adequadas e eficientes com água de boa qualidade;
• Usar caixas secas e barragens de contenção para retenção de água;
Manejo da cultura
• Espécies e variedades de plantas adaptadas às condições ambientais locais;
• Espécies rústicas e variedades resistentes à pragas e doenças, e mais competitivas com as ervas;
• Sementes e mudas sadias / certificadas;
• Espaçamentos adequados que não promovam a propagação de pragas e doenças;
• Bom preparo de cova e plantio;
• Técnicas de podas que promovam o rejuvenecimento da planta;
Nutrição vegetal
• Adubação baseada em análise de solo;
• Adubação química eficiente;
• Aproveitamento de adubos orgânicos, restos de cultura (explo. palha de café, bagaço), caldas naturais/ biofertilizantes, cinzas, etc.
• Uso de calagem e fosfatos naturais;
• Adubos verdes de leguminosas, gramíneas e outras plantas;
Manejo de pragas e doenças
• Utilização de variedades adequadas à região e variedades resistentes; sementes e mudas isentas de pragas e doenças;
• Manejo da cultura, utilizando rotação, consorciação; cultivo em faixas, plantas repelentes ou companheiras; preservação de refúgios naturais (matas, capoeira, cerca viva, etc.) ;
• Manejo biológico de pragas por meio de técnicas que permitam o aumento da população de inimigos naturais ou a introdução dessa população reproduzida em laboratório (exemplo vespa de Uganda);
• Métodos físicos e mecânicos como o emprego de armadilhas luminosas, barreiras e armadilhas mecânicas, coleta manual, adesivos, etc.;
• Preferência por produtos de menor toxicidade e produtos naturais (como piretro, nicotina, rotenona, beauveria bassiana, bioestimulantes)
• Emprego de iscas convencionais em forma de armadilha;
• Uso correto e seguro de agrotóxicos e equipamentos quando recomendado;
Manejo de plantas invasoras
• Uso de práticas que coloquem as culturas à frente das invasoras; plantio na época recomendada; adubação verde, rotação e consorciação de culturas; evitar ressemeadura de invasoras após colheita da cultura;
• Uso de cobertura morta, viva e plantas de efeito alelopático (supressor de invasoras);
• Adoção de práticas mecânicas recomendadas (arações superficiais, roçadas, capinas manuais, cultivador, etc.);
• Uso de sementes comprovadamente isentas de sementes de invasoras;
• Controle biológico ou uso de produtos naturais;
• Uso correto e seguro de herbicidas e equipamentos quando recomendado;
Manejo de resíduos
• Limpeza e armazenagem adequada de equipamentos e embalagens de produtos químicos;
• Tratamento e re-ultilização de efluentes de descascadores de grãos (café, arroz, etc) e instalações de criação animal (curral, pocilga, granja, etc) por exemplo através de compostagem de resíduos orgânicos (palha, chorume, esterco, etc);
Colheita, armazenamento, transporte e comercialização
• Colheita na época exata de maturação e sob condições climáticas favoráveis;
• Lavagem e separação de grãos chochos, pedras, paus e grãos verdes
• Secagem do produto em níveis adequados de umidade;
• Limpeza e higiene absoluta dos depósitos, armazéns e veículos de transporte e uso de sacarias adequadas;
• Manutenção de condições adequadas de armazenamento, transporte e distribuição (temperatura, umidade, luz, etc.);
Bibliografia
AGRICULTURA ORGÂNICA: Conheça os principais procedimentos para uma produção sustentável, INSTITUTO AGRONÔMICO DO PARANÁ -Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento
BENEFÍCIOS DA CERTIFICAÇÃO EUREPGAP PARA A AGRICULTURA ORGÂNICA,
Cesar Campregher Cavenague, www.planetaorganico.com.br/eurepgap.htm
LAS BUENAS PRÁCTICAS AGRÍCOLAS, FAO, 2002
MANUAL BÁSICO DAS BOAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS: CONSERVAÇÃO DO SOLO E DA ÁGUA, de Freitas, Fátima Isabel Correia e Marques, José Carlos Ferreira, Secretaria Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais – Região Autónoma da Madeira, Portugal
MANUAL DE TÉCNICAS AGROECOLÓGICAS, Nuñez, Miguel Angel, 1ª edição, Serie Manuales de Educación y Capacitación Ambiental, Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente e Red de Formación Ambiental para América Latina y el Caribe, México, 2000
PEQUENOS PRODUTORES E O SEGMENTO DE CAFÉS ESPECIAIS NO BRASIL UMA ABORDAGEM PRELIMINAR, SOUZA, Maria Celia M.,SAES, Maria Sylvia M., OTANI, Malimiria N., IEA – Instituto de Economia Agrícola, São Paulo
PRODUÇÃO INTEGRADA DE CAFÉ – PIC, van Raij, Bernardo, Relatório de consultoria apresentado ao Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café – Embrapa Café, Campinas, Janeiro de 2004
Fonte: http://www.peabirus.com.br/redes/form/post?topico_id=2739 – Acessado em 03 fev 07