17/12/2006 05:12:48 –
Desastre econômico
Perda pode chegar a 11% do Produto Interno Bruto em médio e longo prazos
Ricardo Allan
Da equipe do Correio
O aquecimento global terá profundas conseqüências econômicas no Brasil, principalmente na agricultura. Se as piores projeções de elevação da temperatura na Terra estiverem corretas, a produção de grãos poderá cair até 43% nas próximas décadas. Como o agronegócio é responsável por pouco mais de um quarto da geração de riquezas no país, o prejuízo pode consumir 11% do Produto Interno Bruto (PIB) em médio e longo prazo. Na visão de economistas, os danos à oferta interna de alimentos, às exportações e ao controle de preços serão enormes. Mas o governo ainda não despertou para o problema.
“No atual estágio do aquecimento global, esses prejuízos já são inevitáveis. Reverter os níveis de concentração de gases na atmosfera aos de 1950, por exemplo, demoraria pelo menos 100 anos de amplos esforços. O Brasil tem que se preparar para a queda na produção de grãos, pois ela com certeza ocorrerá”, garante Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro de Pesquisas Meteorológicas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Universidade de Campinas. Pinto está coordenando um complexo estudo para avaliar os efeitos do aquecimento nas diversas culturas exploradas no país e na pecuária. (ver arte).
Os pesquisadores já avaliaram a redução na produção dos cinco principais grãos plantados no país (arroz, feijão, soja, milho e café), aplicando à safra as últimas projeções do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU). As estimativas do relatório do IPCC, feito em 2001, eram de que a temperatura média do planeta subiria entre 1,4° e 5,8° ao longo do século. O calor mais intenso prejudica a produtividade agrícola e reduz a área agricultável.
O café, produto em que o país é campeão mundial de produção e exportação, seria a cultura mais afetada, pois se adapta muito mal ao calor. Nas estimativas do Cepagri, a produção brasileira deve cair entre 23% e 92%, dependendo do nível de aquecimento. A soja, em que o Brasil é o primeiro exportador e segundo produtor, será o segundo item mais afetado, com retração na produção variando de 10% a 64%. Avaliando apenas esses dois itens, os efeitos na balança comercial não seriam desprezíveis. De janeiro a novembro, o país exportou US$ 8,8 bilhões em soja e US$ 3 bilhões em café.
A situação deve ser até pior do que a investigada pelo Cepagri, pois o novo relatório do IPCC aponta uma piora nas projeções. O novo consenso entre os cientistas, que será publicado em março, é de que a temperatura média no planeta vai subir entre 2° e 6°.
Áreas de cultivo ficarão menores
O Centro de Pesquisas Meteorológicas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) também está avaliando o que acontecerá com as áreas com potencial climático para a agricultura. Hoje, 66% da terra agricultável de Goiás, Minas Gerais, Paraná e São Paulo têm um clima propício para a plantação de café. Esse montante deve cair para 50,1% se a temperatura subir 1°, para 27,7% se aumentar 3° e para apenas 5,4% no caso de 5,8°. O mesmo exercício foi feito com as terras do Mato Grosso, Paraná e São Paulo em que se planta soja — hoje, elas são 100% aptas à cultura. Nos três cenários de temperatura avaliados, os percentuais cairão para 92%, 83% e 32%.
“O aquecimento global pode demandar um deslocamento brutal das culturas no território brasileiro. A saída seria colocar muito dinheiro em pesquisa genética para desenvolver plantas mais resistentes ao calor, o que pode reduzir as perdas na produção de grãos”, afirma Pinto. Ainda de forma inicial, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem feito ensaios de melhoramento genético nos grãos com esse objetivo específico. No passado, já adaptou com sucesso a soja ao solo do Centro-Oeste. Outros itens agrícolas, como as frutas cítricas e a cana-de-açúcar, também terão o ciclo de produção afetado, principalmente na época do florescimento.
Os prejuízos para a agricultura surgirão também dos chamados eventos climáticos extremos, como furacões, tempestades tropicais e secas. Considerado há pouco tempo território livre de tormentas mais graves, o Brasil foi surpreendido em 2004 pelo Catarina, um furacão que atingiu fortemente o estado de Santa Catarina. Outros poderão vir, afetando regiões agrícolas do Sul do país, que já sofreram com uma seca sem precedentes há dois anos. A estiagem exagerada provocou um baque na produção agrícola, catapultando os preços dos produtos. O choque de oferta fez o Banco Central aumentar os juros para conter a inflação, reduzindo o crescimento econômico.
O aquecimento também prejudicará o campo em outro importante fator: a pecuária. Os cientistas sabem que, assim como atrapalham a fotossíntese das plantas, temperaturas acima de 34° afetam também a produção de leite, carne e ovos. A de leite chega a cair pela metade em momentos de ondas de calor, a morte de bovinos e suínos aumenta, da mesma forma que os abortos das crias. O calor em excesso provoca até excrescências da natureza, como a postura de ovos sem casca: o cálcio que a formaria é desviado pelo organismo das aves para sua própria proteção.
O número
O impacto
5,4%
será a queda na área agricultável para o café, em Goiás, Paraná, Minas Gerais e São Paulo, se a temperatura subir 5,8º
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