A terra onde Alberto Santos Dumont sonhou com o avião

[22/10/2006] Ano: 101 Número: 247

Por: Jornal A Cidade















Nicola Tornatore


foto: MATHEUS URENHA
Amanhã, dia 23 de outubro de 2006, a façanha do brasileiro Alberto Santos Dumont, o pioneiro da aviação, faz um século. Em 23 de outubro de 1906, no Campo de Bagatelle, em Paris, ele voou cerca de 60 metros, a uma altura entre dois e três metros. O feito é único – foi a primeira vez, na história da humanidade, que uma aeronave deslizou e decolou utilizando apenas seus próprios recursos.
A cidade de Dumont, na região de Ribeirão Preto, surgiu graças à família do pai da aviação e amanhã vai ser palco de um dos principais eventos da programação comemorativa pelo centenário do vôo do 14-Bis.
Filho do casal Henrique Dumont e Francisca dos Santos, e neto de imigrantes franceses por parte do pai, Alberto Santos Dumont nasceu na cidade mineira de Palmira, depois rebatizada para Santos Dumont. Seu avô François Dumont havia vindo ao Brasil em busca de pedras preciosas para o sogro, ourives. Teve três filhos no Brasil e morreu cedo. Henrique, apoiado pelo padrinho, formou-se engenheiro em Paris e ao retornar ao Brasil atuou no serviço de obras públicas de Ouro Preto. Em 1856, ano da fundação oficial de Ribeirão Preto, Henrique casou-se com Francisca dos Santos, filha de um rico comendador.
Em seguida, ele ganha o contrato para construir um trecho, na subida da serra da Mantiqueira, da Estrada de Ferro Dom Pedro II (Central do Brasil). Instala o canteiro de obras na localidade de Cabangu, perto de Palmira, hoje Santos Dumont. É lá, no sítio Cabangu, que Alberto Santos Dumont nasce, em 20 de julho de 1873. Após seis anos, terminada a construção da estrada de ferro, a família se muda para Valença, no Vale do Paraíba fluminense, onde vai administrar uma fazenda de café do sogro, o comendador Francisco de Paula Santos. Mas os cafezais pouco produzem.

A vinda para a região
No Rio de Janeiro, Henrique conhece outros dois fazendeiros do vale do Paraíba – Luiz Pereira Barreto e Martinico Prado. Eles haviam chegado de uma viagem à região da nascente vila de São Sebastião do Ribeirão Preto. Os dois, entusiastas das terras do então “oeste paulista”, convencem Henrique de que o futuro da cafeicultura estava naquela região a ser desbravada.
O pai de Santos Dumont viaja três dias a cavalo, desde o final dos trilhos da Mogiana (que então tinham por ponto final Casa Branca), e fica maravilhado com as terras do “oeste paulista”. Retorna ao Rio, desfaz a sociedade com o sogro e, em 1879, compra de José Bento Diniz Junqueira a fazenda Arindeúva, que já tinha 100.000 pés de cafés.
Nos anos seguintes, Henrique continuou comprando terras, até adquirir em 1887 a última gleba, de José Augusto Alves Junqueira – estava formada a fazenda Dumont, com 6.108 alqueires e 5,7 milhões de pés de café, a maior do mundo. Os trilhos da estrada de ferro Mogiana haviam chegado em Ribeirão Preto em fins de 1883. Para agilizar a colheita, Henrique Dumont compra da Mogiana uma estrada de ferro ligando a fazenda à estação – além dessa ligação principal, de 23 Km, fez mais 85 Km de trilhos dentro da fazenda, em quatro ramais. O transporte do café era feito por 40 vagões acoplados a cinco locomotivas importadas da Inglaterra.
Um dos filhos de Henrique, Alberto, não se interessa pela agricultura – passa horas e horas nos galpões, onde era montado o maquinário que o pai importava da Europa, e nas oficinas onde se fabricava tudo o que era preciso no trabalho agrícola.
Alberto dirigia, dentro da fazenda, as locomotivas. Empinava pipas – numa delas, de 2,5 m de altura por 1,8 m de largura, fez um gato alçar vôo. Lia muito, como os livros de Julio Verne, nos quais homens voavam em máquinas. Já sonhava com o avião.

Uma fazenda-cidade
Em 1890, a fazenda Dumont tem 5,7 milhões de café produzindo e é uma pequena cidade – cerca de 5.000 colonos moram lá. Em dezembro daquele ano Henrique inspeciona os cafezais em uma charrete quando esta, desgovernada, o lança ao chão. Henrique quebra um braço, bate a cabeça, fica parcialmente paralisado. Viaja com a família para tratamento médico em Paris. Lá, Alberto visita uma exposição e vê pela primeira vez um motor compacto a gasolina. Henrique compra para o filho um automóvel Peugeot (1° carro a entrar no país) e retornam ao Brasil.



De volta a São Paulo, Henrique emancipa Alberto, que completara 18 anos, e vende a fazenda Dumont por 12 mil contos de réis – uma cifra que hoje equivaleria a mais de 3 milhões de dólares. Em 1892 o estado de saúde de Henrique Dumont se agrava, ele tenta voltar à França, mas não consegue – morre no Rio de Janeiro, em 30 de agosto de 1892, aos 60 anos de idade.
Alberto segue para Paris, onde começa experiências com balões. Elas vão levar, em 1906, ao mítico 14-Bis, a primeira aeronave da história.



A fazenda Dumont, comprada em 1891 pela Cia. Melhoramentos, é vendida a um grupo inglês em 1894. Eles criam a Dumont Coffee Company, que continua sendo uma grande produtora de café até a crise de 1929. Em 1942 a fazenda Dumont é loteada pela Caic (Companhia de Agricultura, Imigração e Colonização, que existiu de 1928 a 1975). Vários ex-colonos compram pequenas glebas e lá surge a cidade de Dumont. E a antiga casa-grande da fazenda de Henrique Dumont ainda hoje é a sede da Prefeitura Municipal.

LUXO
Fazenda tinha ferrovia


Na origem do município de Dumont estão não apenas a fazenda de mesmo nome mas também a linha do trem. A Estrada de Ferro Dumont foi construída pela Mogiana para ser um ramal (de bitola de 60 cm) que saía da estação de Ribeirão Preto (onde hoje está a praça Francisco Schmidt, nome do segundo “rei do Café”) e chegava à fazenda de Henrique Dumont.



O tronco dessa ferrovia E.F. Dumont, também chamada de “ramal de Dumont”, tinha 23 Km. A Mogiana a vendeu, logo após a construção, para a fazenda Dumont, que passou a operá-la, inclusive com o transporte público de passageiros. Operou de 1890 até a venda da fazenda, no início da década de 40 – quando os trilhos foram imediatamente removidos e vendidos como sucata de aço. Por quase todo o leito da desaparecida Estrada de Ferro Dumont encontra-se hoje a rodovia Ribeirão Preto-Pradópolis (rodovia Mário Donegá/SP-291).

ECONOMIA
Amendoim supera cana


Em 1948, a povoação surgida nas terras loteadas da fazenda Dumont vira um distrito de Ribeirão Preto. Em 1964, obtém sua emancipação política e ganha o status de município. A instalação ocorre a 21 de março de 1965 – data oficial em que se comemora o aniversário de Dumont. A padroeira da cidade é a Imaculada Conceição.
Dumont tem mais de 250 pequenas propriedades na zona rural e 7.138 habitantes (estimativa/2005).



Apesar de localizada no principal pólo canavieiro do país, a economia não depende apenas da cana-de-açúcar. Os canaviais são o principal cultivo, mas é o amendoim que sustenta a agroindústria. As três indústrias de doces de amendoim (Doces Rio, Bálsamo e Santa Cruz) e as duas beneficiadoras (CAP e Santa Helena) respondem por 40% da arrecadação de tributos da Prefeitura local.



O prefeito Antonio Roque Bálsamo, em virtude do centenário do vôo do 14-Bis, decretou ponto facultativo amanhã, segunda-feira.



O ponto alto da programação comemorativa é o lançamento do selo dos Correios, às 10h00, no pátio em frente à sede da Prefeitura, onde, antigamente, o menino Alberto corria, empinando pipas.


 


Fonte: http://www.jornalacidade.com.br/geral/ver_news.php?pid=27&nid=45315

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