Ibiraci MG e Sussuarana BA ligadas pelo café

Por: Comércio da Franca

22/10/2006 15:10:04 – Foto Silva Júnior/Comércio da Franca

Laura Gomes Silva busca água em poça formada pela chuva no meio das rochas na região de Sussuarana


Patrícia Paim
Enviados especiais a Sussuarana (BA)
Silva Junior
Enviados especiais a Sussuarana (BA)


Trabalho no Comércio da Franca há seis anos e o que mais ouvi nestes anos todos da minha editora-chefe, Joelma Ospedal, foi que é preciso lutar pela pauta que acreditamos.Por mais impossível que possa parecer, precisamos abraçar a idéia com toda força para torná-la real. Foi o que fiz. A idéia era descobrir o que leva milhares de pessoas da região de Sussuarana, na Bahia, a viajarem mais de mil quilômetros todos os anos para trabalhar na colheita de café nas fazendas de Ibiraci (MG). Mas antes de continuar, preciso ser justa e dizer que a pauta não é cria minha. Foi o fotógrafo Silva Júnior quem sugeriu que acompanhássemos o retorno dos baianos para casa e descobríssemos como é a vida deles por lá.

A pauta nasceu no ano passado durante uma matéria sobre colheita de café. Acabou não dando certo. Em abril deste ano, o Silva voltou a insistir na idéia. No começo, confesso, achei a proposta meio absurda. Era longe demais. Com o tempo, de tanto ele falar me contagiou. Passei a acreditar e abracei a causa.

Comecei a me informar sobre o assunto e descobri que todos os anos a cidade de Ibiraci recebe, em média, 5 mil baianos para trabalhar na colheita do café.

Descobri ainda que os trabalhadores voltam para a Bahia entre o fim de agosto e começo de setembro. Já era maio e o que parecia simples não foi. Faltando três semanas para a viagem de retorno dos baianos fomos até Ibiraci e fizemos o primeiro contato com o “gato”, o responsável por fretar os ônibus para transportar os catadores. Explicamos a proposta e no mesmo dia acertamos a data da viagem. Voltamos eufóricos para o jornal.

Começamos a calcular os gastos com a viagem. Fiz várias ligações para a cidade para onde íamos e levantei preços de hospedagem, alimentação, táxi e as passagens de volta. Afinal, a idéia era ir no ônibus junto com os baianos. Quase tudo certo. Dali a dois dias viajaríamos.

Mas toda a euforia se transformou em decepção pouco depois. O “gato” telefonou para o jornal e disse que não nos levaria. O ônibus estava lotado. Na verdade, o motivo era outro. Para resumir, o baiano espalhou para os seus conterrâneos que nossa intenção era acabar com o trabalho deles. Disse até que faríamos uma matéria dizendo que eles tiravam os empregos dos mineiros.

Foi preciso muita paciência para tentar convencê-los do contrário. O “gato” chegou a nos ameaçar, dizendo que registraria um Boletim de Ocorrência. Não desistimos, mas tivemos que mudar os planos. De ônibus não dava para ir. Então, só na noite do dia 4 de setembro, ficou decidido que iríamos de carro.

No dia seguinte, saímos de Franca por volta das 9 horas rumo à Praça Raul Soares em Ibiraci, local da partida. Para seguir a proposta, tínhamos de encontrar um baiano para acompanhá-lo de Ibiraci até sua casa. Conversamos com um, nada. Conversamos com outro, nada. Ninguém queria se expor. Continuavam com medo.

Faltavam poucas horas para a viagem começar e eu já estava querendo voltar para casa. Foi então que o baiano Aloísio Gomes Rocha, 57, se aproximou com os dois filhos adolescentes. Disse que não teria problemas em falar. Meu entusiasmo voltou. Pé na estrada. Ônibus na frente, viatura do Comércio atrás. Na primeira parada, ainda em Franca, me aproximei para descobrir um pouco da história daqueles baianos. Houve quem me deixasse falando sozinha. Não tinha jeito. Antes de conseguir uma boa história, teríamos que conquistar os personagens.

A conquista demorou dez horas. A cada parada, conversávamos com um, com outro. Nada de entrevistas. Só bate-papo. O Silva Júnior fazia fotos e mostrava na telinha da máquina digital. Aos poucos foram se aproximando. Gidálio de Souza Pires, 50, foi o primeiro. Queria contar sua história e nos convidou para ir até seu sítio. Começávamos a fazer contatos. Ao fim da viagem, tínhamos o convite de cinco famílias para conhecer suas casas. Depois de viajar 22 horas direto, fomos para um hotelzinho na cidade de Sussuarana.

No dia 7 de setembro começamos a percorrer a região e a cada relato a empolgação crescia. Durante cinco dias visitamos doze famílias, conhecemos três cidades, conversamos com o prefeito, com professores, comerciantes e feirantes. Ao todo, foram tiradas mais de 5 mil fotos, mais de 40 pessoas foram entrevistadas em mais de 4 horas de gravação. Ah! No caminho fomos seguidos pela Polícia em Montes Claros (MG) e abordados por dois policiais em uma feira em Tanhaçu (BA) que, desconfiados da nossa presença, pediram para ver nossos documentos.

No dia 11 de setembro iniciamos nossa viagem de volta para casa. Na bagagem, a resposta para a pergunta: “O que leva tantos baianos a viajarem 1300 quilômetros todos os anos para trabalhar na colheita do café em Ibiraci?”. A resposta está nesta série de reportagens que começa a ser publicada a partir de hoje.

Já passavam das 11 horas do dia 5 de setembro. Aloísio Gomes Rocha, 57, andava de um lado para outro na Praça Raul Soares, em Ibiraci (MG). Fazia frio, mas ele de tão agoniado nem sentia. Também não conseguia parar. Conversava com um, conversava com outro e nada do tempo passar. Também pudera, Rocha chegou à praça pouco depois das 7 horas acompanhado dos filhos Maradona, 16, e Luís Carlos, 15, com um objetivo: voltar para casa depois de oito meses fora. Durante esse tempo ele capinou e colheu café nas fazendas de Ibiraci como o fez nos últimos três anos.

Aloísio fazia parte de um grupo de 46 baianos que não via a hora de entrar no ônibus e começar a viagem de volta para casa. A agonia se arrastou por mais de uma hora. Os trabalhadores precisaram esperar o pagamento pelo trabalho na colheita ser depositado em suas contas no banco. Viajar com muito dinheiro no bolso é muito arriscado. Finalmente, às 12h20, o ônibus fretado para levá-los até Sussuarana (a 400 quilômetros de Salvador) iniciava a viagem. Pela frente, 1300 quilômetros. Apesar da distância, ninguém estava desanimado. Pelo contrário. Os olhos até brilhavam de felicidade.

Na estrada, a maioria abre bem as janelas do ônibus e coloca a cabeça para fora. É hora de se despedir de Ibiraci. Dali a poucos minutos chegam a Franca. Alguns acham a cidade grande, que só conheceram pela janela, linda.

A primeira parada acontece por volta das 14 horas em um posto de gasolina para pegar mais passageiros. Apertando entre um tanquinho de lavar roupa, uma bacia e muitas caixas, sempre cabe mais uma mala. O que não couber, vai em cima mesmo. “É preciso fechar os olhos para o excesso de bagagem. Já é um povo tão sofrido, não merece deixar nada para trás”, diz o motorista Abrão Alves Medeiros, 56.

Pronto. É hora de voltar para a estrada e continuar a viagem. Pouco tempo depois avistam o Rio Grande. Alguns aproveitam para tirar fotos da Represa Jaguara. Outros só dizem adeus a São Paulo.

A volta para casa é muito animada. Rádio de pilha ligado no máximo, muitas piadas e histórias para contar. Ninguém se importa com o som alto. De tão ansiosos, muitos também não conseguem dormir.

Para o casal Ailton de Jesus, 33, e Maria Aparecida Jesus Pires, 33, a viagem é ainda mais longa. Para economizar na passagem, que custa R$ 120 por pessoa, se apertam nas duas poltronas com os filhos Charles, 10, e Lázaro, 8. “Eles ficam disputando o espaço nos meus pés para tirar um cochilo”, diz Ailton.

Quando o ônibus passa por Patrocínio de Minas já é noite. Por volta das 21h20 é hora de fazer mais uma parada em um restaurante a beira da estrada. A fila do banheiro é enorme. É preciso ter paciência. Depois mais uma fila para comprar o marmitex. Isso mesmo. Poucos comem sentados nas mesas do restaurante. A maioria gosta mesmo é de comer dentro do ônibus. Detalhe: com ele parado. Com o cheiro forte da comida, só abrindo a janela para ventilar. Os homens aproveitam para fumar e conversar. Uma rodinha aqui, outra ali e mais uma conversa que termina em muita risada.

De volta para a estrada em pouco minutos, Pirapora fica para trás. Quando o ônibus entra em Montes Claros, já passa de 1 hora da manhã. É hora também de trocar o motorista e abastecer. A viagem continua e o ônibus vai deixando para trás Janaúba, Porteirinha, Catuti, Monte Azul e todo o Estado de Minas Gerais.

Finalmente, às 5h45, o ônibus entra na Bahia. Logo se avista a cidade de Urandi e a primeira parada acontece quinze minutos depois. É hora de tomar café. Apesar de muito cedo, todos descem do ônibus com um sorriso no rosto. Estavam em casa. Aloísio Rocha não cabe dentro de si de tanta alegria. “Estamos chegando”, comemora. Pela frente mais quatro horas de viagem.

A maioria só tomou café, mas houve quem encarasse um conhaque. O sol já despontava no horizonte e a paisagem vista pela janela do ônibus agora era bem conhecida pelos baianos. A caatinga é o personagem principal dali para frente. A viagem prevista para durar 24 horas, rendeu. O asfalto de boa qualidade em grande parte do trecho faz com que a volta para casa fosse completada em 22 horas. Buraco mesmo só nas proximidades de Sussuarana, destino da maioria.

Por volta das 10h15 o ônibus entra em uma estrada de terra. A viagem chegava ao fim para a família de Osmar José de Oliveira, 54. Depois de três meses em Ibiraci, Oliveira segura a emoção quando avista sua casa. “É hora de matar a saudade”, diz, enquanto tira as malas do bagageiro.

O ônibus volta para a rodovia e os baianos vão inquietos com as cabeças para fora da janela. Em poucos minutos chegam à praça de Sussuarana, lotada de parentes e curiosos. Como a maioria mora em sítios, o transporte dali para frente é feito por caminhonetes fretadas por até R$ 25, conforme a distância.

Aloísio Rocha e os filhos estavam cansados, mas não escondiam a felicidade por estarem de volta. Juscélia, 10, que esperava pelos irmãos e pelo pai na porteira, também não se conteve e correu para abraçá-los. Mesmo emocionado ao rever a família, Aloísio garantiu: “No ano que vem a gente volta para Minas de novo”.

 

Fonte: Jornal Comércio da Franca  http://www.comerciodafranca.com.br/materia.php?id=9705

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