Estresse hídrico causa problemas no pegamento da florada do cafeeiro Por Paulo Mazzafera e José Donizete Alves

Ainda sobre a herança de um estresse hídrico prolongado na cultura do café: problemas no pegamento da florada – Por Paulo Mazzafera e José Donizete Alves

12 de novembro de 2021 | Sem comentários Tecnologias
Este ano, apesar de todas as dificuldades relacionadas ao clima, tivemos uma boa florada e bastante uniforme, levando em consideração a seca que antecedeu as chuvas que induziram a abertura das flores. Entretanto, a velha máxima de que “flor não é fruto” infelizmente está se confirmando. O que tem sido notado é um baixo vingamento da florada, o que resultou em um número de chumbinhos muito abaixo do esperado. Uma vez que o  próximo ano é de bienalidade alta, o que se esperava é que os ramos estivessem com  as rosetas carregadas de frutos. O que chama a atenção é que cafeeiros muito e pouco enfolhados, irrigados ou não, e lavouras que vieram de safra zero, estão com as rosetas minguadas. Outra constatação de campo é que, até o momento, os ramos não apresentam gemas reprodutivas aparentes,  o que nos leva a sugerir que o processo de florescimento do cafeeiro já terminou e não teremos mais nenhuma florada significativa.
A conclusão óbvia é que houve problemas no florescimento e a questão que surge é: sendo o florescimento do cafeeiro um evento com fases bem definidas e contínuas (indução das gemas reprodutivas, pré-florada e florada),  por que a floração veio mas o fruto não se formou? Qual foi a cota de influência da seca, da geada e das altas e baixas temperaturas no processo? 
Antes, porém, temos que fazer uma reflexão sobre a sequência dos eventos fisiológicos e climáticos que antecederam a florada e o pegamento dos frutos neste ano (Figura 1), para posicionar qual evento climático pode ter influenciado o sucesso da florada.
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Nessa figura indicamos que o crescimento dos ramos na primavera-verão do ano agrícola 2020/2021, diminuiu seu crescimento no outono-inverno de 2021. Coincidindo com o início da paralização do crescimento vegetativo, as gemas presentes em cada nó sofreram indução e passaram ao estado reprodutivo, possivelmente entre março a maio (indicado por “indução” na figura). Assim, como as geadas vieram depois, podemos descartar o  frio no final do mês de julho como o evento que inibiu a indução floral. 
A sinalização ambiental que faz com que o cafeeiro altere seu programa de desenvolvimento, induzindo as gemas ao estado reprodutivo é dependente da boa hidratação dos tecidos meristemáticos localizados na região do nó, bem como de uma reserva de carboidratos como como fonte de energia para que o processo aconteça. Considerando que na época da indução floral, as lavouras estavam desidratadas e com baixa reserva de amido por conta da prolongada seca que teve início neste ano no mês de março, é grande a chance que esta seca intensa que continuou até o início de outubro desse ano, associada à altas temperaturas, possam ter afetado a indução e a diferenciação das gemas florais e serem a causa da ausência de gemas reprodutivas ou botões florais nos ramos produtivos do café.
Tem sido sugerido o envolvimento dos hormônios na indução floral, atuando possivelmente como sinalizadores do processo. Ainda que sejam escassos os estudos com este assunto no cafeeiro, em outras plantas eles são comuns e o nível de conhecimento é alto. E é complexo. Resumidamente, o que se sabe é que o processo de indução e diferenciação de gemas florais está sob controle qualitativo e quantitativo de vários hormônios e, o mais importante, da proporção entre eles. Ácido abscísico (ABA), auxina (AUX), citocinina (CIT) e giberelina (GA) são os hormônio e as relações de proporção que regulam esse processo são  ABA/GA, ABA/AUX, CIT/GA e CIT/AUX. Apesar da falta de informação em café, podemos dizer que a seca induziu um balanço hormonal desfavorável à indução floral.
Uma segunda situação que afeta a produção e que tem sido vista na maioria das regiões cafeeiras, relaciona-se a problemas no vingamento da florada. Em nossa ótica, houve um efeito direto, principalmente da seca e altas temperaturas, no desenvolvimento da flor e no grão de pólen. Além disso, para que haja o estabelecimento dos frutos há uma série de fatores diretamente ligados a hidratação dos tecidos. 
O desenvolvimento do ovário na flor de café, que é aquela parte arredondada logo abaixo das pétalas (e por isso é chamado de ovário ínfero), é muito sensível à falta de recursos energéticos, em outras palavras, açúcares. Assim, a seca prolongada pode ter diminuído o fornecimento de energia para a formação dessa estrutura causando o seu abortamento, mesmo que o florescimento tenha ocorrido. Cabe dizer aqui que às vezes, achamos que o pegamento ocorreu, pois há uma certa expansão do ovário. Isto acontece por força da entrada de água, mas não necessariamente ocorreu a fertilização, e com o tempo aquilo que pensamos ser os chumbinhos,  caem.
Outro possível efeito da seca e das altas temperaturas é no grão de pólen. Pode haver redução do número de grãos de pólen, da sua viabilidade, da germinação e do crescimento do tubo polínico em direção ao ovário. A principal fonte de energia do pólen é o amido e na sua falta, a germinação e o crescimento do tubo polínico serão afetados, diminuindo a fertilização dos óvulos no interior do ovário da flor. Após todos esses eventos é que irá começar a multiplicação celular, havendo o crescimento do ovário e da semente e embrião. Além disso, alto teor de ácido abscísico (ABA), o principal hormônio relacionado com o estresse hídrico e alta temperatura, aumenta a esterilidade do pólen e  o aborto do ovário. 
Destaque também deve ser dado para a interação entre ABA, etileno e auxina. Os níveis de ABA nos tecidos afetam diretamente os níveis de auxina e de etileno, fazendo com que esses  dois últimos hormônios permaneçam em equilíbrio na pré e pós-florada. Auxina e etileno estão envolvidos na formação das partes masculina e feminina da flor. Eles promovem o desenvolvimento do ovário e dos óvulos, e atuam na promoção do crescimento do tubo polínico. Logo, um aumento no ABA, em resposta ao estresse da seca e calor, pode certamente ter influenciado no pegamento das flores.
Finalizando, o efeito de um estresse prolongado como foi a seca desse ano, mexeu profundamente com a fisiologia do cafeeiro, não só afetando a disponibilidade de energia fornecida pelos açúcares para o bom desenvolvimento das peças florais mas também causando um desbalanço hormonal, que se prolongou até o  vingamento das flores o que traz logicamente, apreensão pelo eminente prejuízo ao  produtor na safra 2022.

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