Na avaliação do escritório Bueno, Mesquita e Advogados, no entanto, precisa haver mecanismos para garantir que recursos cheguem ao campo
O agronegócio brasileiro está prestes a se aproximar ainda mais do ecossistema de financiamento do mercado de capitais. Foi aprovado em dezembro pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.191/20, que institui o fundo de investimento para o setor agropecuário (Fiagro). O novo veículo deve canalizar recursos de investidores — brasileiros e estrangeiros — para as atividades do agronegócio, num modelo semelhante ao que fomenta a construção civil e o mercado imobiliário por meio dos fundos de investimento imobiliários (FIIs).
De autoria do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), o PL precisa agora de aprovação no Senado e sanção presidencial.
Conforme estabelece o texto aprovado na Câmara, o Fiagro pode ser estruturado como fundo fechado ou aberto, com prazo determinado ou indeterminado. Podem fazer parte da carteira imóveis rurais, ativos financeiros do agronegócio — como cédulas do produto rural (CPRs) e certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs) —, participações em empresas atuantes no setor e cotas de outros fundos cuja carteira tenha pelo menos 50% investidos em ativos ligados ao agronegócio. O Fiagro ficará sob a fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Na avaliação de Francisco de Godoy Bueno, sócio fundador do escritório Bueno, Mesquita e Advogados, banca especializada em agronegócio, a estrutura de financiamento por meio de fundos vai permitir que investidores de menor porte acessem esse importante setor da economia brasileira — responsável por no mínimo 30% da geração da riqueza do País e robusto mesmo em tempos de crises agudas. “Além disso, o Fiagro pode funcionar como um canal alternativo para que investidores estrangeiros possam participar de empreendimento agrícolas sem fazer a aquisição direta de terras ou de participações societárias de empresas agropecuárias”, destaca o advogado, lembrando que a aquisição de propriedades rurais por investidores de outros países é bastante restrita no Brasil, sendo essas limitações também aplicadas às empresas brasileiras que possuem estrangeiros entre seus controladores.
Benefícios fiscais
A exemplo do que ocorre com os FIIs, o projeto aprovado estabelece benefícios fiscais que tendem a atrair o interesse dos investidores. Se mantida a redação atual, serão isentos de imposto de renda (IR) e de imposto sobre operações financeiras (IOF) os rendimentos e os ganhos de capital dos Fiagro. Haverá, no entanto, cobrança de 20% sobre os ganhos de capital nos casos de distribuição de dividendos aos cotistas e de resgate de cotas.
Da maneira como foi aprovado pela Câmara, o PL do Fiagro permite que produtores rurais acessem esses fundos oferecendo seus próprios imóveis rurais como pagamento. Esse mecanismo deve favorecer a capitalização de muitos integrantes da cadeia do agronegócio brasileiro, inclusive grupos familiares, permitindo novas estratégias de planejamento patrimonial e sucessório.
No entendimento de Francisco de Godoy Bueno, a grande vantagem do Fiagro é oferecer ao setor um canal direto de contato com o mercado de capitais com base no empreendimento como um todo. Mas há riscos na redação aprovada pelos deputados, pondera. Bueno observa que a redação atual estabelece uma amplitude muito grande de ativos que podem fazer parte das carteiras. Caso não sejam tomados os devidos cuidados na estruturação do Fiagro, a razão de existência desse veículo de investimento pode acabar desvirtuada. “Ao ser muito abrangente, o texto pode permitir que os recursos dos investidores não cheguem de fato à ponta da cadeia, representada pelos produtores rurais, e fique apenas com as empresas mais sofisticadas, como a agroindústria e as empresas de insumos, serviços ou comercialização”, afirma.
O advogado se preocupa com a possibilidade de acontecer com o Fiagro o mesmo que ocorreu com os CRAs. A liberdade para a formação dos lastros (papéis que estão na base das operações) dos CRAs em alguns casos permitiu que empresas que participam do agronegócio de forma indireta captassem recursos aproveitando as vantagens desses títulos. “É importante que existam mecanismos que garantam que, de fato, os recursos captados por meio do Fiagro cheguem ao campo e não sejam capturados com intermediários”, completa.