O ex-delegado da Polícia Federal, Mário Ikeda, relata que seu avô veio no Kasato Maru, na primeira leva de imigrantes japoneses que veio ao Brasil. Mas quem ele considera o verdadeiro herói da imigração é Ryu Mizuno. “Ele foi de navio até o Chile e atravessou a Cordilheira dos Andes, foi para a Argentina e veio para o Brasil. Isso em 1906!”, relata Ikeda. O livro “Ryu Mizuno, Saga Japonesa em terras brasileiras”, de Tereza Hatue de Rezende, também relata bem essa história pré-imigração. O texto a seguir é baseado em informações extraídas desse livro e de alguns relatos de Mário Ikeda.
Mizuno embarcou para o Brasil a bordo do navio Green Farg, onde conhece Teijiro Suzuki, que estava indo para o Chile. Mizuno convence Suzuki a acompanhá-lo até o Brasil e os dois atravessam os Andes e chegam à Argentina. Ikeda diz que para atravessar os Andes Mizuno teria sido encorajado por um chileno que disse: “Vocês são japoneses. E japoneses são corajosos. Por que vocês não atravessam a Cordilheira dos Andes andando numa mula?”. Mizuno e Suzuki toparam o desafio. O livro conta que Mizuno resolveu vir ao Brasil depois de ler um relatório sobre a situação cafeeira no Brasil escrita pelo Ministro Suguimura, que estava no Brasil no auge da guerra do Japão contra a Rússia. Na época ele trabalhava na administração de uma fábrica de enlatados que não ia muito bem e resolveu enfrentar o desafio de explorar uma nova terra.
O trajeto – A partida foi de Valparaíso. Atravessaram o Aconcágua, chegam a Guarajá Vieira, na Argentina e de lá seguem para Mendoza. No caminho arrancavam galhos e folhas e os queimavam para aquecê-los. Na Argentina uma multidão os esperava para saudar os heróis que atravessaram os Andes a pé. De lá tomaram um trem e foram para Buenos Aires. Quando resolveu trocar seus dólares por pesos Mizuno percebeu que não estava mais com a carteira e solicitou auxílio à Embaixada do Japão, que o atendeu prontamente.
Em março de 1906 desembarcam no porto do Rio de Janeiro. Ao encontrar com o Ministro Suguimura, em Petrópolis, este fornece todo o auxílio para que Mizuno e Suzuki lograssem êxito na tarefa de trazer emigrantes japoneses ao Brasil. Os dois partem para São Paulo em companhia do intérprete do Ministério, Miura. Lá entram em contato com Bento Bueno, diretor-presidente da Sociedade Imigratória de São Paulo, com o Governador Jorge Tibiriçá, e com o Secretário da Agricultura, Carlos Botelho. Lá eles constataram que o empreendimento não seria possível devido à falta de normas relativas à imigração japonesa, ou seja, era necessária uma promulgação de uma nova lei imigratória. Ao retornar para Petrópolis para comunicar sua decisão de voltar para o Japão e abrir caminho para a emigração japonesa, soube que o Ministro Suguimura teve um derrame e sete dias depois veio a falecer.
Superadas todas as dificuldades iniciais, Ryu Mizuno consegue que tanto o Brasil como o Japão alterassem a regulamentação em relação à lei de emigração e imigração e em 1907 a Companhia Imperial de Emigração e a Secretaria de Agricultura de São Paulo assinam contrato para o envio de 3 mil imigrantes, ao longo de três anos. Finalmente, no dia 28 de abril, o navio Kasato Maru parte de Kobe levando os primeiros imigrantes japoneses ao Brasil. A bordo estavam 158 famílias num total de 781 pessoas. Porém, no dia 6 de maio o foguista do navio, chamado Kataoka, tenta invadir os aposentos das mulheres e foi impedido pelos vigias e advertido por Mizuno. Nada de grave aconteceu naquele momento, mas posteriormente, no dia 15 de junho, o mesmo foguista tenta matar Ryu Mizuno com uma faca, mas quem é atingido foi o seu chefe, Seizo Yokoyama, que morre pouco tempo depois de desembarcar em Santos.
Chegada ao Brasil – O desembarque foi feito no dia 18 de junho de 1908, bem no período em que ocorriam as festas juninas, motivo pelo qual os japoneses chegaram a imaginar que os fogos de artifício eram em homenagem a eles. De fato a chegada dos japoneses ao Brasil causou admiração nos brasileiros. Primeiro porque se esperava que os japoneses chegassem em trajes típicos japoneses, porém o que se viu foi um verdadeiro desfile de pessoas alinhadas com ternos italianos, talvez influenciados pela ocidentalização que o imperador Meiji promoveu naquela época. Segundo Ikeda, os jornais santistas também registraram na época que logo depois do desembarque dos japoneses as pessoas foram verificar as condições do navio e ficaram surpresas com o asseio em todos os lugares em que os japoneses ficaram: desde a cozinha e alojamentos até os banheiros.
Mizuno ainda transferiu o local de trabalho de algumas pessoas que não ficaram satisfeitas com as condições encontradas em determinadas situações. Segundo Ikeda, esse primeiro contingente de trabalhadores, após rápida passagem pela Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, foi distribuído em várias propriedades paulistanas. Mas os problemas de não cumprimento de contrato começaram a aparecer. Na Fazenda Dumont, que na época era considerada a maior plantação de café de SP, de propriedade de Henrique Dumont, pai de Santos Dumont, 52 famílias retornaram à Hospedaria dos Imigrantes e, por meio do departamento Estadual do Trabalho, foram transferidas para outros empregos, em outras localidades. Esses problemas colocaram em risco o embarque da segunda leva de imigrantes. Dos 772 japoneses distribuídos pelas fazendas, 430 se retiraram após 6 meses de trabalho e, 13 meses depois, apenas 191 permaneceram no local em que foram deixados.
Com isso, o governo do Estado de São Paulo tentou cancelar o contrato de 1907; no entanto, as Companhias de Emigração comprometeram-se a fazer uma melhor seleção dos trabalhadores e a aceitar uma série de novas cláusulas contratuais para evitar greves, fugas e retiradas antes do prazo estipulado. Mizuno enfrentou todas essas dificuldades e ainda conseguiu embarcar vários outros grupos de imigrantes. Anos mais tarde recebeu seu reconhecimento tanto do governo brasileiro como do governo japonês. Infelizmente, numa de suas viagens, Mizuno deixou sua família no Brasil e embarcou para o Japão para tentar trazer mais imigrantes. Porém, a Segunda Guerra Mundial eclode e sua família fica dividida. Mizuno perde quase todo o seu patrimônio. Ele ainda consegue retornar ao país e morre aos 91 anos em São Paulo, ao lado da família. Seu desejo de ser enterrado na terra que ajudou a desbravar foi atendido.