E se a história da introdução do café no Brasil, tal como a conhecemos, estiver errada?
Quem leu o livro “História do Café” (Editora Contexto, 2008), da
historiadora Ana Luiza Martins, provavelmente ficou intrigado com esta
passagem:
“A rigor, o produto [café] já era conhecido no território [nacional],
vindo de Portugal, segundo mencionado em 1663 pelo diplomata português Duarte
Ribeiro de Macedo, lotado na corte francesa de Luís XI. Em seu ‘Discurso sobre
os gêneros de comércio que há no Maranhão’, citava 37 produtos, entre eles o
café, acrescentando que sua cultura era pequena e de baixo preço.”
Segundo Ribeiro de Macedo, já havia produção de café em solo brasileiro 54
anos antes da famosa expedição de Francisco de Mello Palheta, realizada em 1727.
O documento citado por Martins é, na verdade, de 1673. A informação contida no
Discurso sobre os gêneros… também é mencionada por Mary Del Priore no seu
“História da Gente Brasileira: Império” (LeYa, 2016) e no livro “História do
Café no Brasil”, de Antônio Carlos Moreira (Magma, 2008).
Trata-se de uma informação que poderia mudar tudo o que se sabe a respeito da
história do café no Brasil e no mundo. Mas afinal, as informações de Duarte
Ribeiro de Macedo são confiáveis?
A polêmica em torno do relato do
diplomata português é antiga. Nas primeiras décadas do século XX os
historiadores Affonso de Taunay e Luís do Amaral ficaram em lados opostos em
torno dessa questão. Amaral tentou demonstrar que ela era plausível com muitas
suposições, e poucas evidências. Foi criticado por Taunay, que se baseava num
conjunto mais robusto de documentos.
Amaral, por exemplo, chegou a usar como argumento os relatos sobre supostos
cafeeiros que seriam nativos do Brasil. Na época, algumas pessoas acreditavam
que isso era possível, mas hoje está claro que não existem espécies do gênero
Coffea nativas das Américas. Além disso, as únicas espécies de Coffea com uso
comercial são originárias da África.
Se o relato de Ribeiro de Macedo não pode ser explicado pela botânica, ainda
resta a possibilidade de que as plantas tenham sido trazidas antes da expedição
de Palheta. Os portugueses estabeleceram entrepostos comerciais por todo o
globo: na África, na Índia, no Timor Leste, no Japão, entre outros.
Eles também mantiveram relações comerciais e diplomáticas com a Etiópia desde
a Idade Média. Eles poderiam ter vislumbrado o potencial comercial do café antes
dos Holandeses e levado algumas mudas e sementes para as suas colônias.
Deve-se admitir que essa é uma hipótese charmosa, mas ela não é
apoiada pelas fontes históricas.
Já em 1856, um dos primeiros historiadores da cafeicultura brasileira,
Francisco Freire Allemão, rejeitava a possibilidade de o café ter chegado ao
Brasil antes do século XVIII. Allemão estudou as crônicas dos portugueses que
estiveram na Etiópia e na Índia antes de 1673 e não encontrou nenhuma menção ao
café.
Taunay, por sua vez, apontou que não existem documentos oficiais sobre café
no Brasil antes de 1727, o que seria muito estranho caso a cultura já estivesse
estabelecida. A própria “missão secreta” de Palheta não faria sentido se já
houvesse café brasileiro naquela época.
Por fim, a existência de lavouras de café no Brasil do século XVII vai contra
todo conhecimento existente sobre a história da expansão do grão pelo mundo.
Segundo a World Coffee Research, o cultivo comercial do café foi exclusividade
dos árabes no Iêmen até 1670. Naquele ano, um peregrino indiano chamado Baba
Budan conseguiu levar o café para a Índia.
Ele introduziu o café na região de Malabar, que então contava com a presença
dos Holandeses. E foi a partir da Índia que os Holandeses conseguiram
transplantar o cafeeiro para a Indonésia em 1696 e 169⁹¹. Se o monopólio dos
árabes só foi quebrado em 1670, e pelos Holandeses, que eram rivais dos
portugueses no comércio marítimo, é impossível que em 1673 já houvesse produção
no Brasil.
Dessa maneira, o relato do diplomata português não deve ser considerado como
evidência de café no território brasileiro.
Ribeiro de Macedo merece o crédito de ter sido um dos primeiros a acreditar
no potencial agrícola do Brasil. Em suas cartas, buscou demonstrar, com o
conhecimento da época, que as especiarias do Oriente também poderiam ser
cultivadas no país, criando riqueza para a coroa portuguesa.
Como sugere Taunay, talvez ele tenha sido o primeiro a imaginar que o café
poderia ser uma cultura rentável no Brasil. Seu relato seria, na verdade, uma
tentativa de convencer as autoridades portuguesas a trazerem a o cultivo do café
para o país.
*Texto publicado originalmente na edição de Maio de 2018 da revista Negócio
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