É difícil conviver tranquilo com o desperdício corrente de alimentos, que não é pouco.
Dados da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), por exemplo, mostram que o setor deixou pelo caminho cerca de R$ 7 bilhões em 2016, por conta de alimentos jogados fora devido à aparência, danos ou validade. A maior parte foi de frutas, legumes e verduras (FLV). Mas padaria, confeitaria, comida pronta, peixes e carnes também pesaram no desperdício. Juntas, essas categorias registraram perdas próximas a 20% do faturamento líquido do setor.
O desperdício começa nas lavouras, continua depois da porteira e faz com que 30% do que se produz no campo não chegue ao consumidor, segundo alerta a FAO Brasil, órgão da ONU para a agricultura e alimentação. Essa enormidade de alimento desperdiçado decorre, em parte, do próprio gigantismo do sistema de produção e distribuição alimentar, reflexo da acelerada urbanização que vivemos. Perde-se alimento no transporte, no manuseio de varejo, no processamento, por padrões de consumo, vencimento e deterioração.
Para reduzir o problema, em geral se busca prolongar o tempo de prateleira dos produtos perecíveis com melhorias em refrigeração, embalagem, técnicas de exposição e logística. A genética também é convocada para desenvolver cultivares mais resistentes aos desafios do complexo percurso do campo à mesa. E tem ainda o marketing, que pode ajudar nessa cruzada contra o desperdício trabalhando sobre crenças que hoje contribuem para o encalhe de produtos.
Já se viu, por pesquisa, que mais de 40% das pessoas associam produto feio a impróprio para consumo (o que não é necessariamente um fato) e mudar tal percepção, com transparência e dentro de princípios éticos, certamente contribuiria para diminuir refugos. Incentivar novas formas de consumo é outro caminho possível, aproveitando alimentos fora da cartilha convencional em sucos, sopas, saladas e outras formas de preparo. Enfim, apostar no conceito de conveniência e na educação do consumidor para driblar o rejeito de produtos.
É possível também reposicionar produtos de menor valor percebido, aumentando seu atrativo para consumo. O caso das pequeninas “maçãs da Mônica” já é um clássico. Miúdas, fora do padrão premium e azedinhas, elas não tinham grande apelo e eram aproveitadas para produção de sucos. Mas foram reconceituadas como produto para crianças, com o reforço publicitário de um personagem famoso de HQ infantil, abrindo seu espaço no mercado. Hoje, fala-se que as azedinhas representam mais de 10% do mercado nacional de maças.
No complexo sistema de produção alimentar, dificilmente uma só coisa resolve um grande problema. É um setor multidisciplinar e, muitas vezes, a solução para seus desafios não está somente ao longo da cadeia produtiva, mas também na ponta do abastecimento, na mente do consumidor. Evitar que uma enormidade de alimentos acabe no lixo parece ser um de seus desafios essenciais. Vital para a sustentabilidade do setor. E o marketing pode ajudar bastante.
*Vice-Presidente de Comunicação do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM