Projeto Oásis premia financeiramente proprietários que protegem áreas de nascentes; iniciativa pode contribuir no abastecimento de água em Minas Gerais
O drama da crise hídrica em Minas Gerais ainda está na memória de todos que a viveram ou acompanharam as notícias. Apesar de ter sido amenizada, ainda existe o risco de uma nova seca causada pelo mau uso dos recursos naturais pelo homem. Ao mesmo tempo, entidades como a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza encontram soluções como o Oásis, iniciativa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que recompensa financeiramente proprietários particulares dispostos a conservar áreas naturais em suas terras.
No estado de Minas Gerais, o Oásis Serra da Moeda Brumadinho conta com a parceria do Ministério Público Estadual e da Amda – Associação Mineira de Defesa do Ambiente e já mostra resultados positivos. Boa parte dos mananciais que abastecem a capital mineira e sua região metropolitana está localizada em território brumadinhense. Conservar essas fontes hídricas, assim como as áreas naturais relacionadas a elas, é fundamental para garantir a qualidade da água que é consumida pela população.
Além disso, a região da Serra da Moeda está situada em uma área prioritária para conservação da natureza. Segundo o Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica (PROBIO), do Ministério do Meio Ambiente, a região é classificada como área de prioridade extremamente alta para conservação, pois tem grande quantidade de fragmentos florestais contínuos, que formam a Área de Proteção Ambiental Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte/MG (APA Sul).
“O PSA estabelece uma relação de ganha-ganha: por um lado, a sociedade é beneficiada pelo fornecimento dos serviços ambientais que provêm a água, o ar, o alimento e toda a estrutura necessária à sua sobrevivência; na outra ponta, aqueles que protegem as áreas naturais que fornecem esses serviços são reconhecidos pelo seu esforço”, afirma Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.
A crise hídrica no estado de Minas Gerais, embora amenizada, ainda não foi totalmente solucionada. Em abril de 2015, o Governo do Estado divulgou alerta para risco real de desabastecimento de água para Belo Horizonte e Região Metropolitana. Os principais reservatórios que abastecem a região apresentavam riscos acima de 70% de atendimento inadequado, até o final da estação seca, em setembro. Assim, a luz vermelha volta a acender no verão, período em que o consumo de água tende a aumentar.
Mas o que ocasiona toda essa seca? Além do uso sem medida dos consumidores e de empresas, o que acontece nas nascentes dos rios que fornecem água potável e qual a sua relação até chegar (ou não) às torneiras de nossas casas?
Construções irregulares, uso econômico da terra sem práticas adequadas como saneamento básico e supressão da vegetação nativa nas áreas de preservação permanente, por exemplo, geram a contaminação e o arraste de sedimentos para o leito dos rios, o que, no caso dos mananciais de abastecimento público, aumenta significativamente os custos para tratamento e distribuição.
Estes são apenas alguns exemplos das práticas que comprometem seriamente a quantidade e qualidade da água que abastece milhões de pessoas na Região Metropolitana de Minas Gerais. E é exatamente isso que a iniciativa desenvolvida pelas ONGs e o Ministério Público do estado busca solucionar.
O Oásis é uma iniciativa pioneira de PSA no Brasil, lançada em 2006 pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. O objetivo é contribuir com os esforços públicos para conservação de áreas relevantes, a fim de valorizar os ambientes naturais por meio da premiação financeira. São beneficiados os proprietários que se comprometem com a conservação das áreas naturais e a adoção de práticas conservacionistas de uso do solo em suas áreas de produção. Estas são práticas denominadas serviço ambiental, pois garantem e melhoram a capacidade que a natureza tem de fornecer a infraestrutura necessária para o estabelecimento das sociedades humanas. Alguns exemplos são a regulação dos fluxos hidrológicos, a purificação do ar e a formação dos solos férteis que sustentam a agricultura. O Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) é um instrumento econômico que prevê recompensar quem protege estes serviços ambientais.
A metodologia Oásis pode ser aplicada em qualquer região do Brasil, pois é adaptável às características socioeconômicas e ambientais de diferentes localidades. A Fundação Grupo Boticário a disponibiliza gratuitamente para as entidades que firmam termo de compromisso com a instituição, o que inclui um manual de implementação e um sistema informatizado on-line para auxiliar toda a gestão do projeto. A instituição atua como parceira técnica e orienta o processo de implantação. Cabe aos executores buscar fontes financiadoras para viabilizar o projeto e proprietários de terras dispostos a fazer parte do projeto.
Muito mais que doze?
Segundo a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), hoje existem 12 propriedades que atuam de acordo com as recomendações do programa por serviços ambientais. “Mas esse número poderia ser bem maior”, constata Francisco Mourão, biólogo e conselheiro da Associação.
O alerta de Mourão se deve à existência de diversos projetos que poderiam contribuir para reforçar o PSA em todo o estado. “Uma lei de 2000 que criou o Programa Estadual de Conservação de Recursos Hídricos estabeleceu que, no mínimo, 0,5% da receita bruta das empresas utilizam-se da água em seus negócios devem ser alocados em programas de conservação das bacias produtoras.
Na esfera municipal, em Brumadinho, há ainda, um projeto de lei elaborado em parceria com a Fundação Grupo Boticário para que parte dos royalties provenientes da atividade mineradora seja transferida para o programa por serviços ambientais. Mas, segundo Mourão, essas iniciativas estão paralisadas. “Precisamos pressionar o governo e as autoridades locais para que entendam que precisamos agir rápido antes que a situação se agrave ainda mais. Temos a solução, mas precisamos que nos apoiem”, finaliza.
Protegendo nascentes, preservando a vida
“É um projeto muito bacana. Há cerca de dois anos, as meninas da Fundação vieram aqui e explicaram que minha propriedade tinha muito potencial e que eu poderia ser recompensado por ajudar a preservar as áreas de reserva com nascentes”, lembra Geraldo Egg Campos, administrador de um haras turístico na região de Brumadinho, com 18 hectares de terra, sendo 4 deles de área natural. As “meninas” em questão são as analistas da Fundação Grupo Boticário e da Amda que percorrem diversas propriedades na incansável bravata em proteção às águas de Brumadinho, município de grande importância por agregar mananciais responsáveis pelo abastecimento da maior parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Desde então, o administrador passou a cercar a área e plantar mudas para restaurar a vegetação nativa. ”Por isso pararam de desmatar uma área aqui próxima e já conseguimos ver que a vazão da água tem aumentado”, conta Geraldo. E completa: “agora estou sempre de olho e se noto algo irregular, já aviso. Com o PSA, o cenário do meu haras mudou, para melhor, claro”.
“Devido à importância da região em que está Brumadinho para o abastecimento do estado, imagine o efeito que uma adesão numa escala maior teria, se estendendo por outros municípios. No entanto, precisamos que governo e sociedade entendam e se mobilizem para preservar as áreas de mananciais do estado”, alerta Guilherme Karam, coordenador de estratégias de conservação da Fundação Grupo Boticário.
Uma década de boas práticas
Criado em 2006, o Oásis já beneficiou 434 propriedades, protegendo em torno de 3.500 hectares de áreas naturais nativas em 4 estados brasileiros.
Sobre a Fundação Grupo Boticário: a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza é uma organização sem fins lucrativos cuja missão é promover e realizar ações de conservação da natureza. Criada em 1990 por iniciativa do fundador de O Boticário, Miguel Krigsner, a atuação da Fundação Grupo Boticário é nacional e suas ações incluem proteção de áreas naturais, apoio a projetos de outras instituições e disseminação de conhecimento. Desde a sua criação, a Fundação Grupo Boticário já apoiou 1.493 projetos de 493 instituições em todo o Brasil. A instituição mantém duas reservas naturais, a Reserva Natural Salto Morato, na Mata Atlântica; e a Reserva Natural Serra do Tombador, no Cerrado, os dois biomas mais ameaçados do país. Outra iniciativa é um projeto pioneiro de pagamento por serviços ambientais em regiões de manancial, o Oásis. Na internet: www.fundacaogrupoboticario.org.br, www.twitter.com/fund_boticario e www.facebook.com/fundacaogrupoboticario.