O Levante da catação Por Celso Vegro e Eduardo Heron

Curiosamente, o Levante voltou ao momento histórico atual, em razão de se assemelhar ao território reivindicado pelo Estado Islâmico para a constituição de seu pretenso califado.

15 de fevereiro de 2016 | Sem comentários Artigos Técnicos Tecnologias
Por: Por Celso Vegro e Eduardo Heron

Por Celso Luis Rodrigues Vegro, pesquisador do IEA e Eduardo Heron dos Santos, diretor técnico do Cecafé


Taunay na “Pequena História do Café no Brasil”
1, registra que o primeiro embarque de café, realizado em 1616, pela Companhia das Índias Orientais com destino à Holanda, proveio da região denominada à época de Levante, ou Grande Síria, território que englobava o atual País mais a Jordânia, Israel e a Palestina. Curiosamente, o Levante voltou ao momento histórico atual, em razão de se assemelhar ao território reivindicado pelo Estado Islâmico para a constituição de seu pretenso califado.

Se por um lado a conexão entre o Levante e o comércio de café possa ser historicamente estabelecido, a deficiência do levante (amento), no caso estatístico, da safra de café brasileira, por outro, teima em perdurar. Por dois anos consecutivos, 2014 e 2015, o Brasil embarcou rumo ao exterior quantidades recordes de café que, quando acrescentadas ao consumo interno (estimativa de entidade privada provavelmente alavancada2) e a estimativa pública dos estoques de passagem (também bastante imprecisa) produz inconsistência abissal frente a estimativa de produção. 

O cadastro de estabelecimentos rurais, empregado no processo de amostragem estatística para a elaboração de estimativa da produção, provém do Censo Agropecuário de 2006. Após dez anos essa base defasou, amplificando desvios em qualquer tentativa metodologicamente consistente de constituição de amostra representativa dessa população3. Lamentavelmente, com o derretimento fiscal do Estado, a esperança de que um novo recenseamento seja brevemente conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é praticamente nula.

Para além dessa deficiência de dados estatísticos, outro aspecto que poderia oferecer ajustamento mais preciso para a safra brasileira de café seria a contabilização da chamada catação. Com o avanço tecnológico/agronômico dos últimos 25 anos, lavouras em segunda metade da fase de formação (18 a 30 meses após o plantio) exibem catações em quantidades que, por vezes, superam a média de lavouras em fase de produção, especialmente quando irrigadas. Tal constatação é mais efetiva para o conilon do que para o arábica, tendo em vista o salto de produtividade obtido a partir dos sistemas de produção com emprego das variedades clonais.

Esforço em calcular subjetivamente a quantidade oriunda da catação foi conduzido a partir dos dados finais da previsão de safra 2015/2016 da Conab4. Pelo relatório apresentado, havia no País 324.205 ha de lavouras em formação, repartidos entre 287.109 de arábica e 37.096 de conilon.

Considerando como primeiro critério5 que 40% dessa área encontra-se na etapa mais adiantada da formação, ou seja, entre 18 a 30 meses do plantio, pode-se extrair área provável ocupada por lavouras nesse perfil. Ademais, como segundo critério, pode-se imputar, tanto para arábica quanto para conilon, percentuais para o manejo agronômico da irrigação. Adotados esses critérios, obteve-se que a área em formação das lavouras entre 18 a 30 meses cultivadas sob sequeiro somaria área de 98.721 ha sendo outros 30.960 ha cultivados sob irrigação (Tabela 1)





Para o caso do conilon entendeu-se apropriado segmentar essa lavoura em dois grupos. O primeiro, mais tecnologicamente avançado, estabelecido no norte capixaba e sul da Bahia e o segundo, relativamente menos evoluído, em Rondônia. Ademais, adotou-se menor cobertura para a irrigação para o cinturão rondoniense em razão do clima tipicamente amazônico com grande incidência de precipitações bem distribuídas ao longo do ano.

De posse das estimativas de área e de manejo, partiu-se para a simulação de produção a partir de dois cenários para a produtividade: A (pessimista) e B (otimista), mantendo o critério de manejo agronômico de condução sob sequeiro ou irrigado (Tabela 2).





Pelas estimativas obtidas a catação das lavouras entre 18 a 30 meses em arábica sequeiro podem oscilar entre 976 mil e 1,95 milhão de sacas de café beneficiado apenas para a safra 2015/2016. Para a mesma variedade, porém sob manejo irrigado, a catação alcançaria entre 517 e 689 mil sacas. Totalizando a catação obtida em arábica e conilon sob o manejo de sequeiro e irrigado, seriam acrescentados à produção 2,07 milhões sacas no cenário pessimista (A). Por sua vez, no cenário otimista (B), a catação de lavouras em sequeiro e irrigadas poderia render até 3,49 milhões de sacas (Tabela 3).





Provavelmente, a produção real oriunda da catação em 2015/2016 deva se situar entre os dois números estimados. A previsão efetuada concentrou-se na última safra apenas, que casualmente foi a que maior área em formação exibiu na atual década. Portanto, para as safras passadas o intervalo entre os cenários deve posicionar-se em patamares inferiores ao obtido nessa simulação.

O avanço tecnológico observado no manejo agronômico das lavouras de café exige que se reveja o modo como se constroem as estimativas de produção. Desprezar a quantidade colhida oriunda da catação obtida em lavouras em fase adiantada de formação, aparentemente, consiste em falha que pode ser corrigida a partir da agregação de mais uma pergunta na enquete aos cafeicultores ou, alternativamente, passar-se a considerar lavouras comerciais todas aquelas com mais de 18 meses de plantio agregando à produção comercial aquela oriunda da catação.

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1 TAUNAY, Affonso de E. Pequena História do Café no Brasil (1727-1940). Instituto Brasileiro do Café, 1943. 480p.
2 Ao menos a estimativa de consumo nas propriedades produtoras de café avaliada, pela entidade que a produz, em um milhão de sacas, pode conter entre 600 a 800 mil sacas de sobrestimativa, conforme já se averiguou a partir de recenseamento realizado para o caso paulista.
3 A Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais em parceria com a Universidade Federal de Lavras (Ufla) iniciou, em 2015, projeto de georreferenciamento da cafeicultura estadual. Convêm salientar que o ajuste da área que será obtido pela técnica carece ainda de visitas de campo para mensuração da produtividade. Detalhes em:http://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agricultura/Cafe/noticia/2015/06/mg-investira-r-5-mi-em-georreferenciamento-de-parque-cafeeiro.html > Acesso em 04/01/2016. 
4 Relatório disponível em:http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos/15_12_17_09_02_47_boletim_cafe_dezembro_2015_2.pdf> Acesso em 04/01/2016. 
5 Todo critério é arbitrário, portanto, passível de contestação a partir de perspectivas alternativas. Como enfatizado, trata-se de esforço subjetivo com intuito de aprimoramento da estatística de produção.
6 O objetivo em estratificar a elaboração da estimativa, orientou-se no sentido de produzir aproximações mais reais, embora a subjetividade do método permaneça como principal limitação.


Celso Luis Rodrigues Vegro
Eng. Agr., M.S., Pesquisador Científico do IEA
celvegro@iea.sp.gov.br 

Eduardo Heron dos Santos
Cientista da Computação, Diretor Técnico do Cecafé
eduardo@cecafe.com.br

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