por José Maria da Silveira
A moderna biotecnologia tem importância crucial para o aumento da produtividade agrícola e, principalmente, abre a possibilidade de melhoramento genético da qualidade e variedade de espécies, tal como exigido pela indústria processadora e pela tendência de segmentação da indústria de alimentos.
Estima-se que o mercado potencial de biotecnologia mundial, nos próximos 10 anos, fique na faixa de US$ 500 a 800 bilhões e que US$320 a 420 bilhões estejam diretamente relacionados ao setor agroindustrial. Mercados como de medicina botânica e de cosméticos também envolvem a biotecnologia vegetal, e estão estimados por Kate & Laird (1999) como em torno de US$ 25 a 40 bilhões.
As oportunidades tecnológicas abertas pela biotecnologia vão desde a aceleração do processo de obtenção de novas variedades até a criação de meios para a melhor exploração da biodiversidade. Por exemplo, através das ferramentas da análise genômica podem-se identificar novos princípios ativos ou plantas com níveis mais elevados de determinadas proteínas de uso na indústria de alimentos, cosméticos e farmacêutica. As “novas sementes” podem receber três tipos básicos de inovação:
a) Aquelas que introduzem características desejáveis à indústria de sementes, por meio do uso de marcadores e de técnicas de reprodução rápida de material genético e que, com isto, permitem diversificar ainda mais a agricultura. Ressalte-se que a agricultura diversificada é a base para a diversificação agroindustrial;
b) As inovações de interesse direto das grandes empresas da química fina, como as variedades de soja tolerantes a herbicidas de uso genérico ou que incorporem genes de resistência a pragas (usando genes de bactérias produtoras de bioinseticidas);
c) As inovações que alteram a qualidade do produto agrícola, principalmente pelo enriquecimento proteico (aumento do teor de aminoácidos essenciais) e que demanda da indústria de alimentos uma adequação aos padrões alimentares e hábitos alimentícios da população.
Assim, a biotecnologia tanto cria meios para que obtenha uma importante variedade rica em um ácido graxo, como também viabiliza os meios para se obter o ácido lúrico, utilizado na fabricação de sorvetes. Cria oportunidades para a geração de variedades “tropicalizadas” de trigo com boas características para a fabricação de massas ou com maior teor protéico. A biotecnologia permite o desenvolvimento de kits-diagnóstico para a identificação de doenças e para a escolha do melhor método de propagação de mudas para torná-las imunes a doenças, dois aspectos cruciais para a competitividade brasileira no setor de sucos. Em outras palavras, é um instrumento fundamental para agregar valor na agroindústria e fomentar a agricultura de precisão economicamente viável.
Deve-se observar que as oportunidades abertas pelas ferramentas genéricas da biotecnologia e suas aplicações na biotecnologia vegetal não estão limitadas ao desenvolvimento dos segmentos do setor alimentar voltados para os estratos mais elevados de renda. Ao contrário, desde 1982 que o tema de enriquecimento de alimentos vem gerando ações por parte dos pesquisadores de Organizações públicas de pesquisa no Brasil. Assim, pesquisa-se um arroz mais rico em proteína e como contornar o fato de que suas características de mercado não são adequadas (a coloração é amarela) e atender a programas sociais de melhoria nutricional. Essas pesquisas, quase de forma simultânea, fornecem elementos para que a agroindústria processadora – que é a base da exportação do setor no Brasil – mantenha ou ganhe novos patamares de produtividade.
Com um padrão um pouco diferente do internacional – em que as aplicações biotecnológicas no campo farmacêutico superam em muito as voltadas para a agroindústria e indústria de alimentos – no Brasil uma parte significativa das atividades em biotecnologia refere-se a insumos para a agricultura (inoculantes, bioinseticidas, novas sementes), para a agroindústria e similares (papel e celulose, produção de enzimas para uso na indústria de alimentos) e, mesmo, para aumentar o grau de conhecimento sobre as características das variedades cultivadas no país, visando melhor eficiência no combate a doenças e aumento de produtividade.
Um exemplo notável das possibilidades abertas pela biotecnologia é dado pela obtenção de plantas transgênicas com impactos favoráveis sobre o ambiente, via a introdução de certos precursores na batata que inibem o crescimento de populações de insetos sem que estas sejam aniquiladas. Desta forma, ocorre um controle de pragas que pode ser combinado a técnicas de manejo seletivo com equilíbrio ecológico e conseqüente redução do impacto ambiental, em relação àquele causado pelo uso de produtos químicos.
Estudos recentes (Biominas, 2001; Silveira, Fonseca e Dal Poz, 2001; no site www. mct. gov.br) mostram que a biotecnologia no Brasil, ainda que permaneça fortemente dependente das atividades realizadas nas universidades e em certas instituições públicas de pesquisa, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) – com algumas interfaces com instituições de pesquisa na área da saúde, como a Fundação Osvaldo Cruz, vem gerando oportunidades de mercado, pelo surgimento de novas empresas de biotecnologia.
Hoje, no Brasil, mais de 300 empresas são consideradas especializadas em biotecnologia. Estão localizadas em Pólos e Incumbadoras próximas a centros de pesquisa, no Rio de Janeiro (UFRJ); Minas Gerais (Fundação Biominas); São Paulo (próximos a USP, IAC-APTA, Unicamp e UFSCAR), Brasília (EMBRAPA e UNB) e Rio Grande do Sul (URGS e Ulbra). Apenas alguns segmentos de grandes empresas, como papel e celulose, utilizam a biotecnologia no melhoramento e na produção de mudas. Configura-se, pois, um quadro de grande desenvolvimento potencial, limitado por problemas institucionais – as indefinições no desenho do sistema de patentes, com a aprovação recente da nova Lei de Patentes-, pelo atraso na regulamentação de leis relacionadas à biosegurança – com texto de Lei também recentemente aprovado – e pelos efeitos da crise atual da economia, que perdura.
Cerca de 25% das empresas identificadas pela Fundação Biominas, atuando em biotecnologia em 2001, estavam diretamente voltadas ao agronegócio, contra 24% diretamente voltadas para saúde humana. O interessante é que começa a crescer o número de empresas que prestam serviços tecnológicos a empresas de biotecnologia do setor de agronegócios, o que revela um efeito multiplicador ao longo da cadeia até as empresas de biotecnologia.
Portanto, avanços significativos estão sendo feitos, parte deles com apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia e suas agências (FINEP e CNPQ, principalmente), na criação de fundos setoriais – biotecnologia compõe uma área importante – amparados em formas criativas de arrecadação de recursos, como o Fundo Verde Amarelo.
Um ponto de contato com a cena internacional é que a biotecnologia no Brasil procura estabelecer redes de pesquisa que englobem empresas e centros de pesquisa de diferentes naturezas, que estimulam a regularidade nas associações e favorecem formas variadas de cooperação. Desde 1997 – como projeto Citrus/Rede ONSA/FAPESP, o Brasil tem se mostrado cada vez mais competitivo no campo dos Projetos Genoma, usando formas associativas e de rede. Um exemplo foi o Projeto Sucest, também chamado Genoma Express, que foi completado antes do prazo e motivou a criação da 1a. empresa de capital de risco do país, associada ao Fundo de Capital de Risco Votorantim, a Allelyx.
Ao mesmo tempo que ações em rede começam a ser empreendidas, a pesquisa biotecnológica iniciada na década de 70 e 80 apresenta resultados e, com eles, a polêmica das sementes transgênicas, inicialmente de soja e de milho e mais recentemente de algodão. O Brasil montou uma Comissão Técnica Nacional de Biosssegurança (CTNBio), cujo papel básico é estabelecer diretrizes para pesquisa, experimentação e liberação no ambiente de cultivares transgênicos. Seu parecer sobre a soja transgênica foi favorável, mas várias questões relacionadas ao comportamento do consumidor (notadamente o da União Européia) realimentam o debate, principalmente sobre a conveniência (e a dificuldade prática) de rotulagem nos produtos obtidos com cultivares transgênicos e nos possíveis impactos negativos que a liberação de transgênicos poderia ter nos mercados considerados avessos ao produto (países da UE e Japão, grandes importadores de soja).
Um resultado sensível da chegada ao mercado dos cultivares transgênicos e da adesão às exigências impostas pela TRIPS (OMC) pela legislação de direitos de propriedade intelectual no campo das obtenções vegetais foi a forte concentração na indústria de sementes, cujas empresas passaram progressivamente à condição de divisão das líderes agroquímicas mundiais: Monsanto, Singenta, Dow e Dupont. Com isto ocorreu uma alteração do padrão concorrencial e aumentou a importância da EMBRAPA como organização pública capaz de dar sustentação a empresas locais, que são de grande importância neste mercado.
Finalmente, há uma questão pendente, que se refere à adesão do Brasil à Convenção de Diversidade Biológica, que trata do reconhecimento dos direitos de “povos da floresta” sobre os resultados da exploração da rica biodiversidade brasileira. Tal tema continua em discussão, uma vez que o Brasil, distante da orientação de alguns países desenvolvidos sobre o tema – os EUA a frente – reconheceu esse direito, mas ainda não regulamentou as formas efetivas com que ele poderia ser exercido (Domian, 2002).