Valor Econômico
20/02/15
A maranhense Edilene Araújo foi cabeleireira antes de se tornar soldadora naval. Foram sete anos entre as poltronas e os espelhos de um salão na cidade de Rio Grande (RS), a 330 quilômetros de Porto Alegre, antes do curso de soldagem que a colocou nos quadros do estaleiro Rio Grande, em 2012. Desempregada há seis meses – data que coincide com o momento em que a controladora do estaleiro em que trabalhava apareceu na lista de empresas investigadas pela Operação Lava-Jato -, ela não se arrepende da mudança na carreira. Como metalúrgica, ganhava melhor e não precisava lidar com “química” o dia inteiro.
“Continuo mandando currículo, mas é difícil”, afirma. O sindicato local calcula que, como ela, outras 17 mil pessoas perderam o emprego no setor naval entre novembro e janeiro, só nas cidades de Rio Grande e São José do Norte – onde fica o estaleiro EBR, administrado pela Toyo Setal, também citada na operação da Polícia Federal.
Com demissões na Bahia, Pernambuco e Rio, o setor naval – que multiplicou o volume de trabalhadores de 2 mil para mais de 80 mil entre 2004 e 2012 – já conta mais de 20 mil baixas desde a denúncia do esquema de pagamento de propina na estatal, segundo contas de sindicatos de trabalhadores. Parte desses cortes é cíclico, já que a maioria dos contratos no setor é temporária.
O que preocupa os sindicatos é a perspectiva de redução significativa de novos projetos diante da desaceleração dos investimentos. No lugar de novas contratações, a expectativa das entidades que representam metalúrgicos e trabalhadores da construção civil é que os cortes continuem.
No curto prazo, o principal problema são os pagamentos em atraso da Sete Brasil com cinco estaleiros contratados para produzir 29 navios-sonda: Rio Grande, em Rio Grande (RS); BrasFels, em Angra dos Reis (RJ); Jurong, em Aracruz (ES); Enseada Paraguaçu, em Maragojipe (BA), e Atlântico Sul (EAS), em Ipojuca (PE).
Em crise financeira, a Sete Brasil – criada para gerenciar a construção das sondas que seriam alugadas à Petrobras e usadas para explorar o pré-sal, perfurando novos poços – depende de empréstimos previstos com o BNDES para resolver problemas de caixa. A assinatura dos contratos está travada desde que o primeiro diretor de operações da empresa de sondas, Pedro Barusco, afirmou ter recebido propina de empreiteiras quando era gerente de serviços da Petrobras.
A Sete Brasil informou ao Valor que está “o tempo todo em negociação com os estaleiros” e que “trabalha para concluir a contratação de linhas de crédito de longo prazo, em especial, com o BNDES (aprovado em 2013)”. A empresa diz também que ” segue atuando para a obtenção de novas linhas de financiamento de curto prazo”.
No médio prazo, a lista de 23 grupos impedidos temporariamente de participar de licitações da estatal preocupa, já que muitas delas são também acionistas dos maiores estaleiros do país. Algumas empresas e especialistas ainda têm dúvidas sobre se o bloqueio vale também para as subsidiárias, entre elas os estaleiros.
A Petrobras, por sua vez, ainda não esclareceu o assunto, mas convocou apenas empresas estrangeiras a participar da concorrência aberta em janeiro para recontratar os serviços de construção dos módulos de compressão de gás inicialmente à cargo da Iesa Óleo e Gás.
O Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro (Sindimetal-Rio) teme perder metade dos quase 7 mil funcionários do Enseada Inhaúma – controlado por Odebrecht, OAS, UTC e pela japonesa Kawasaki – depois de setembro, quando deve ser concluída a montagem da plataforma P-74.
“Como as outras três encomendas [P-75, P-76 e P-77] foram transferidas para a China, depois disso não temos mais nenhum pedido”, diz Alex Santos, presidente da entidade. Ele critica a “paralisia” dos investimentos no setor desde a deflagração da Lava-Jato e alerta para o impacto da inércia sobre os quase 30 mil empregos que os estaleiros mantêm só no Rio.
O homônimo baiano do estaleiro, que pertence ao mesmo consórcio, tinha pouco mais de 5 mil funcionários até o fim do ano passado – cerca de 3,3 mil trabalhavam na construção da infraestrutura, com entrega prevista para dezembro de 2015, e o restante montava dois dos seis navios-sonda encomendados pela Sete Brasil.
Segundo Bebeto Galvão, deputado federal pelo PSB e presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada do Estado da Bahia (Sintepav), a Sete Brasil tem atrasado pagamentos desde outubro, um total de US$ 210 milhões.
O consórcio Enseada confirma 3,5 mil cortes entre novembro e janeiro, sendo 1.081 no Enseada e 2.428 no Consórcio Construtor Bahia (CEP), responsável pela estrutura, que já estaria 80% concluída. Segundo o diretor de pessoas e organização, Ricardo Lyra, parte das demissões foi “preventiva” – uma maneira de readequar o planejamento da obra ao “atual cenário do país, com impacto direto na indústria naval brasileira”.
Para destravar os investimentos no setor, Galvão, do Sintepav-BA, defende a liberação para a Sete Brasil dos recursos do BNDES e de empréstimos-ponte negociados com a Caixa e com o Banco do Brasil.
Em Niterói (RJ), o estaleiro UTC demitiu até o começo de fevereiro 650 dos 800 funcionários. Os cortes teriam sido reflexo, segundo o sindicato de metalúrgicos local, da conclusão de dois módulos da plataforma P-56, entregues no começo do mês. Os 150 empregos remanescentes, segundo Edson Rocha, dirigente da entidade, estariam em risco caso a empresa, que também figura na lista de grupos bloqueados de novas licitações da Petrobras, não consiga fechar novos contratos até março.
A UTC declarou apenas que “à medida que os trabalhos referentes à encomenda de quatro cascos são entregues e os contratos são encerrados, também o contrato de mão de obra chega ao fim”.
O grupo Keppel Singmarine Brasil, dona do estaleiro Brasfels, em Angra dos Reis (RJ), colocou todos os 700 funcionários de seu estaleiro em Itajaí (SC) – que não presta serviços diretamente para a Petrobras – em férias coletivas até o fim do mês. Procurada, a empresa disse que não se manifestaria sobre o assunto. Para Oscar João da Cunha, presidente do sindicato de metalúrgicos local, a empresa de Cingapura estaria esperando os desdobramentos do escândalo na estatal para decidir o que vai fazer com os investimentos no Brasil.
Em Pernambuco, o estaleiro Atlântico Sul registra cerca de 300 demissões desde o início do ano e conta com pouco mais de 4 mil funcionários. A situação é pior na cadeia de fornecedores do setor metalúrgico. Em 2014, as indústrias de equipamentos ligadas ao setor naval fecharam 1.995 vagas, 36% do total de funcionários.
No Estado, a situação mais difícil, segundo Alexandre Valença, do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico, é a das pequenas e médias empresas que forneciam para as chamadas “epcistas” – companhias que prestam serviços de engenharia, suprimentos e construção para o consórcio do estaleiro .
Procurada, a Petrobras não respondeu às questões enviadas pela reportagem sobre o prazo de vigência da lista de empresas bloqueadas, sobre a possibilidade de flexibilização da política de conteúdo nacional e sobre os riscos de perda de empregos e investimentos no setor naval.