Tatiana Bautzer, de Revista EXAME
São Paulo – O presidente mundial da Nestlé, Paul Bulcke, considera que a economia brasileira está passando por problemas temporários, que não afetam decisões de investimento de longo prazo.
Bulcke lançou hoje a pedra fundamental da primeira fábrica de cápsulas de café fora da Europa, na cidade mineira de Montes Claros, que demandará investimentos de 200 milhões de reais.
Numa entrevista concedida a EXAME na sede da companhia, na zona sul de São Paulo, Bulcke disse esperar mudanças na política econômica brasileira que incentivem a competitividade industrial. A seguir, os principais trechos da entrevista.
EXAME – Vocês estão fazendo um novo investimento num momento em que a economia brasileira está praticamente parada. O PIB no país deve crescer cerca de 0,1% este ano e menos de 1% no ano que vem. Isso não preocupa a companhia?
Paul Bulcke – Estamos há quase 100 anos no país. Há muitos países com bons e maus momentos. Quando uma empresa se compromete com um país, é algo profundo e de longo prazo.
Por isso estamos começando a construir a primeira fábrica de cápsulas fora da Europa da marca Nescafé Dolce Gusto. Essa é uma marca que vai muito bem no Brasil.
A situação econômica mais difícil, a meu ver, é temporária, e uma empresa como a nossa tem que superar isso, não deixar de investir e esperar que tudo fique perfeito. Porque nunca existem as condições totalmente ideais.
O que temos que fazer é criar valor para a companhia. Temos confiança no país e na nossa relação com o consumidor brasileiro.
EXAME – Quais são os segmentos que a Nestlé considera mais promissores no mercado brasileiro?
Bulcke – Esta área de bebidas em cápsulas, de café, cresce muito. Esse conceito do café em cápsulas é novo, e vai muito bem, mas também está começando.
O Brasil é o primeiro produtor de café do mundo, mas o consumo ainda é baixo per capita, vemos uma oportunidade de expansão deste consumo, e o investimento nesta fábrica se insere nesta perspectiva.
Mas também temos linhas que crescem muito, como as de fórmulas infantis, laticínios, a área culinária. Temos marcas que vão muito bem aqui, como Garoto, Kit Kat, Nesfit, os refrigerados, cereais.
EXAME- O baixo crescimento da economia brasileira afeta pouco a Nestlé?
Bulcke – Claro que não estamos isolados, sempre temos que ficar atentos e acompanhar o comportamento do poder aquisitivo do consumidor.
Fizemos isso há dez anos no Nordeste, desenhando um portfólio diferente para uma população com poder aquisitivo e preferências específicas.
Não somos uma empresa estrangeira, nos sentimos brasileiros e temos produtos e marcas brasileiras, como o Leite Moça, o Nescau, por exemplo.
EXAME – Vocês estão voltando às aquisições no Brasil? Depois de muito tempo depois da briga judicial pela compra da Garoto, a empresa voltou a avaliar ativos como a empresa de lácteos da BRF e acaba de anunciar que a sua controlada farmacêutica Galderma está comprando uma fabricante brasileira de dermocosméticos, a Moderm.
Bulcke – Estamos sempre olhando oportunidades de aquisição, mas temos uma base grande no país também para crescer organicamente. Temos boas marcas e presença importante em muitas categorias.
Quando há uma oportunidade, temos alguns critérios. Só compramos se a empresa se adequa à nossa estratégia, ser um bom negócio – não compramos problemas. E, em terceiro lugar, tem que estar de acordo com nossos princípios.
EXAME – O que o senhor espera da nova política econômica do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff?
Bulcke – Não vou dizer nada novo. O Brasil tem um problema de infraestrutura claríssimo, temos que investir nisso. São investimentos de longo prazo, mas precisam começar hoje.
A complexidade da legislação do país é muito grande, excessiva. Precisamos de vontade política de fazer o que todos sabemos que é necessário. Mas as mudanças provocam frustração e dor, é preciso fazer sacrifícios.
É necessário que haja vontade política, acima dos conflitos de curto prazo entre os partidos. Espero que a política faça o seu trabalho.
Estamos vendo iniciativas importantes anunciadas pelo novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Esperamos que elas não fiquem apenas nas palavras.