Folha de S. Paulo
29/11/14
Depoimentos colhidos pela Polícia Federal e pela Procuradoria de Mato Grosso envolvem o ministro da Agricultura, Neri Geller (PMDB), no suposto esquema de venda ilegal de terras da União destinadas à reforma agrária no Estado.
Como Geller possui foro privilegiado, os autos foram encaminhados ao STF (Supremo Tribunal Federal). A corte ficará responsável por uma eventual investigação sobre as suspeitas de participação dele no esquema.
A Operação Terra Prometida, deflagrada nesta quinta-feira (27), prendeu 40 pessoas suspeitas de participação no esquema. Dois irmãos do ministro, os produtores rurais Odair e Milton Geller, se apresentaram à PF ontem e estão detidos no centro de custódia de Cuiabá.
Os depoimentos que citam o ministro constam de decisão da Justiça Federal assinada pelo juiz Fábio Henrique Rodrigues de Moraes Fiorenza, à qual a Folha teve acesso.
Nela, o juiz diz que, segundo as investigações, “o chamado Grupo Geller seria comandado” por Neri Geller, que chegou a ter lotes fraudados. De acordo com a operação, o grupo da família do ministro possui mais de 15 lotes. Além dos irmãos, há vários outros parentes do ministro citados nas investigações.
Num dos depoimentos, uma funcionária dos Geller diz que o peemedebista, “na condição de ministro da Agricultura, tem se empenhado tanto em pressionar o superintendente do Incra através do presidente do Incra de Brasília”.
Noutro trecho da decisão, um dos depoentes contou que o “grupo de bandidos”, além de tomar os lotes, ficava com 70% do crédito que o governo mandava para os assentados. “Se nós não aceitássemos essas condições, éramos expulsos do lote e obrigados a assinarmos a desistência do lote.”
No mesmo depoimento, dado em 8 de agosto de 2014, ele aponta quem seriam os “laranjas” do ministro, alguns deles parentes de Geller, e diz que maioria deles nem sabe onde ficam os lotes.
Noutro trecho, uma testemunha que não se identificou disse que a “organização criminosa tem braços políticos (…) que fizeram doações para campanhas eleitorais”, dentre elas, a de Geller, reeleito deputado federal em 2010.
O SUPOSTO ESQUEMA
O grupo formado por empresários e fazendeiros, entre eles os irmãos Odair e Milton Geller, se apossava das áreas públicas, segundo as investigações. Usando de expedientes como documentos falsos, vistorias simuladas e força física, a quadrilha tomava as terras de pequenos produtores.
Empresas multinacionais e do agronegócio também se beneficiaram do esquema fraudulento, ocupando parte desses terrenos. Os prejuízos causados aos sofres públicos podem atingir R$ 1 bilhão, segundo a polícia.
Horas após a PF iniciar as diligências, o ministro da Agricultura afirmou por meio de nota oficial que não estava envolvido na operação. Afirmou ainda que não acreditava na participação de seus parentes, mas que lamentava o episódio.
Nesta sexta, a Polícia Federal também enviou nota à imprensa destacando que o ministro não foi investigado no processo que corre na Justiça Federal e resultou na prisão de seus irmãos.
A citação ao nome de Geller e o envio do material ao STF, no entanto, pode precipitar sua saída da Esplanada. A substituição dele já era tratada como questão de tempo no Palácio do Planalto. A senadora e colunista da Folha Kátia Abreu (TO), também do PMDB, é a favorita para assumir a cadeira.
Antes mesmo da prisão de seus irmãos, o ministro vinha expondo a correligionários o desejo de continuar no cargo durante o segundo mandato de Dilma Rousseff. Na semana passada, procurou integrantes do alto escalão peemedebista, inclusive o vice-presidente Michel Temer, para tentar construir a permanência.
O governo ainda não bateu martelo sobre a data da saída. No Palácio do Planalto, entretanto, a queda imediata de Geller é tratada como uma das possibilidades.
O ministro não figura entre os quadros mais representativos do PMDB. Tem bom trânsito com uma parte significativa da bancada da Câmara, embora mão seja unanimidade entre os deputados do partido.
OUTRO LADO
A Folha tentou entrou em contato com o ministro no início da noite. Uma assessora, porém, afirmou que ela estava participando de uma audiência e não poderia atender o telefone.
A assessoria de imprensa do ministério informou apenas que Geller não foi notificado oficialmente e, por isso, não iria se pronunciar sobre as citações ao nome dele durante a investigação da Polícia Federal.
A defesa dos irmãos do ministro alegou que seus clientes são inocentes.
A reportagem tentou ainda falar com o Incra sobre as investigações, mas não conseguiu até o fechamento desta edição.
Quadrilha usava laranjas, aponta Polícia Federal
As investigações da Polícia Federal apontam que a quadrilha alvo da Operação Terra Prometida atuava para conseguir, de forma fraudulenta, títulos de cerca de mil terras destinadas à reforma agrária.
A polícia afirmou que fazendeiros e empresários pressionavam e ameaçavam os assentados a vender os lotes por preços muito abaixo do mercado. Em muitos casos, os ocupantes eram retirados das terras à força.
Depois da desocupação, os documentos eram falsificados e “regularizados” com ajuda de funcionários do Incra de Mato Grosso. A quadrilha também usava laranjas, que se tornavam beneficiários dessas terras.
Segundo a Polícia Federal, em um dos 15 lotes que indiretamente pertenciam aos irmãos do ministro Neri Geller (Agricultura), Odair e Milton Geller, o laranja identificado como proprietário nunca havia morado no local.
De acordo com cálculos da investigação, cada um dos lotes envolvidos no esquema é avaliado em cerca de R$ 100 mil.
A operação foi realizada em municípios de quatro Estados: Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A PF expediu 227 mandados: 52 de prisão preventiva, 146 de busca e apreensão e 29 medidas proibitivas. Até a conclusão desta edição, 40 mandados de prisão haviam sido executados.