24/09/2014
A revolta da (falta de) água
Protagonistas de quebra-quebra com direito a ovada em vereador, moradores de Itu improvisam até piscina para conseguir tomar banho
LUCAS SAMPAIO ENVIADO ESPECIAL A ITU (SP)
“Quem atirou os ovos e os tomates foram as donas de casa mesmo”, diz o historiador Fábio Lepinsk, 30, sobre o protesto contra a falta de água que acabou em quebra-quebra em Itu (a 102 km de SP) na segunda-feira (22).
No ato na Câmara Municipal da cidade, em racionamento há oito meses, manifestantes jogaram pedras e outros objetos nos vereadores. O presidente da Casa, Marco Aurélio Bastos (PSD), levou uma “ovada” no rosto.
“Minha avó tem bronquite e osteoporose e tem de acordar de madrugada para conseguir pegar água”, diz Lepinski, que participou do ato. “O povo não aguenta mais.”
O protesto era o assunto da cidade nesta terça (23). A controvérsia era apenas o estrago na Câmara. “Achei ótimo. Só não concordei com a depredação”, diz Arlete Martin, 54, dona de uma loja.
Uma nova manifestação deve ocorrer hoje (24/9) ou quinta em frente à prefeitura.
PISCINA DE 10 MIL LITROS
No racionamento em vigor, a cada dois dias os moradores recebem 10 horas de água.
Mas nem essa regularidade existe, diz Eduardo Castro, 41, dono de um café. “O que causa indignação é a expectativa pela água. Se eles disserem que vai vir água uma vez por semana e entregarem, você se prepara”, afirma.
O fornecimento cabe à Águas de Itu. Assim como a Sabesp, empresa ligada ao governo Geraldo Alckmin (PSDB), a concessionária culpa a estiagem no Estado pela falta de abastecimento.
Diante da situação, a população vem tomando medidas extremas –e criativas.
Após ficar 17 dias “na seca”, Roberto Nunes Jr., 43, comprou uma piscina de 10 mil litros, duas caixas de água, duas bombas e um caminhão-pipa cheio.
O conjunto, que custou R$ 2.000, funciona como um reservatório doméstico: a água do caminhão é guardada na piscina, bombeada para as caixas e usada em atividades como banho e limpeza.
Ao ver a piscina de Nunes Jr., o garçom Roberto Joel, 46, perguntou quanto custava chamar um caminhão-pipa. “Paguei R$ 800 por uma caixa de 5.000 litros, mas ainda não consegui enchê-la porque não vem água. Está uma pouca vergonha isso”, diz.
VIGIA
A dona de casa Elaine Rocha, 42, que mora com mais sete, está há 22 dias sem uma gota na torneira. “Fico de madrugada de vigia e coloco o despertador de hora em hora para ver se veio água”, diz.
Ela precisou pegar água da chuva na calha do telhado para dar banho na mãe doente, de 78 anos. “Não fui ao protesto porque não posso deixar minha mãe sozinha”, diz.
Segundo a PM, cerca de 2.000 pessoas participaram da manifestação, marcada pelo Facebook.
A Tropa de Choque jogou bombas de gás lacrimogêneo, e sete pessoas foram detidas por dano ao patrimônio, mas liberadas por falta de provas.