Café ganha força no Cerrado mineiro, mas reflexos da estiagem preocupam


 


 






Há quarenta anos, quem falasse que iria produzir café na região de Cerrado, no oeste de Minas Gerais, ouvia de produtores de áreas tradicionais conselhos desanimadores. Diziam que não era área para café, que tinha um solo pobre demais em nutrientes e que a cultura na região não vingaria. Além do que, as estradas não ajudavam: eram uma rede de terra e buracos.


Pois quem contrariou as previsões e investiu na área tem hoje um título único a mostrar. O café do cerrado mineiro é o único do Brasil que detém uma denominação de origem. É uma classificação concedida pelo Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) há sete meses e que os cafeicultores do Cerrado gostam de comparar às denominações de origem que países com o Itália ou França dão a seus vinhos.


Mas essa novidade por ora está sombreada por um desafio. Os produtores de café do cerrado mineiro não tiram da cabeça a preocupação com o clima e com o estrago que a falta de chuvas poderá fazer às suas mudas.


O Cerrado sofreu menos com a estiagem da virada de 2013 para 2014 que provocou sérios danos às plantações do sul de Minas, região que responde pela maior parte das exportações de café do Brasil, e na Zona da Mata, no sudeste de Minas. Mas agora, mesmo no cerrado mineiro, as previsões não são boas.


“A preocupação no momento é com a seca”, diz José Carlos Grossi um dos grandes produtores da região. “Para nós, se chover no fim de agosto será ótimo para garantir a florada de 2015 e isso pode baixar os preços, embora o comprometimento já esteja feito.”


O que se viu no Cerrado mineiro é que com menos chuva do que o normal, os ramos de café não se desenvolveram para produzir o quanto poderiam este ano e, como cresceram menos, terão uma produção inferior em 2015. A avaliação que ganha adeptos na região é de que só a safra de 2016/2017 poderá voltar à sua plenitude.


Outro produtor da região, Francisco Sérgio de Assis, completa: “Por aqui 60% das áreas plantadas são irrigadas e com a seca os reservatórios de água – os rios, represas, poços artesianos, estão muito baixos. Vamos ter problemas para irrigar a safra de 2015.” Assis, que é presidente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado acrescenta: “É essa a incógnita. A gente não sabe quanto tempo vai durar a seca e se haverá água suficiente nos reservatórios para atender às necessidades dos produtores”.


O dirigente avalia que esse ambiente de dúvida pôs os produtores do cerrado num estado de cautela. “A comercialização fica mais lenta, tanto da safra de agora como da de 2015.”


Este ano, a produção nacional de café deve ficar entre 45 milhões e 46 milhões de sacas – ante uma previsão anterior de 55 milhões a 60 milhões de sacas. A colheita vai até setembro.


No Cerrado, a previsão é de uma produção de 5,5 milhões sacas, a mesma de anos anteriores, mas inferior aos 6 milhões que haviam sido estimados, diz Sérgio Geraldo Dornelas da Silva, superintendente da Expocaccer, cooperativa dos cafeicultores do Cerrado com sede em Patrocínio especializada em exportação.





O café transformou o Cerrado de Minas. Patrocínio, cidade polo para o café da região, tinha 25 mil habitantes nos anos 70 e hoje tem 85 mil, diz Grossi, um dos pioneiros entre os cafeicultores nessas redondezas. Ele atribui o crescimento populacional quase exclusivamente ao café.


Hoje são 4.500 produtores de café na região. Muitos deles pequenos e médios. Mas é no Cerrado mineiro onde estão também alguns dos donos dos maiores cafezais do Brasil. Áreas que atingem 2 mil, 3 mil, 4 mil hectares.


O Cerrado tem características distintas de outras regiões grandes produtoras de café. Terrenos mais planos com intensivo uso de colhedeiras mecânicas, altitude média de 1.000 metros, períodos longos de seca, de 80 a 90 dias, durante a fase de colheita. Tudo isso é vantagem para o café.


O solo empobrecido acabou forçando um uso constante de defensivos, fertilizantes e de irrigação.


O café do Cerrado tem como marca a qualidade, repetem produtores. Setenta por cento do que sai da região vai para o mercado externo, segundo Sérgio da Silva, o executivo da Expocaccer.


“Esta é a região do Brasil que mais fornece café para grandes marcas como Nespresso, Starbucks, illy, Nescafé e outras”, diz ele. Outras torrefadoras do Japão, Coreia do Sul, Austrália, Canadá, EUA, Reino Unido, Suécia, Noruega são também clientes que os cafeicultores do Cerrado cativaram ao longo de anos.


Cafés finos, especiais – cuja qualidade supera em muito à do café commodity – são um caminho quase natural para os produtores da região. Um deles, Ruvaldo Delarisse, cobriu uma parede de sua casa no distrito de Chapadão de Ferro, em Patrocínio, com placas de premiações que recebeu nos últimos anos em concursos de cafés de qualidade. Ele criou a marca Delarisse Original Vulcan Coffee, uma alusão à suposta formação vulcânica do Chapadão do Ferro.


É para produtores como ele, José Carlos Grossi, entre outros, que a denominação de origem tende a produzir ganhos num prazo mais curto. Delarisse concentra sua produção em cafés especiais, que são aqueles aptos a receber o selo de denominação de origem da Região do Cerrado Mineiro.


O café especial da região chega ser vendido comum prêmio de US$ 0,40 ou US$ 0,50 acima da cotação da bolsa de Nova York. A saca chega a R$ 650, frente aos atuais R$ 390 que o mercado tem pago para os cafés convencionais.


“A denominação de origem com certeza trará uma diferença para a gente porque agrega valor ao nosso café a médio a longo prazos e cria um elo mais forte de ligação entre o café de qualidade e o cerrado”, disse ele, enquanto observava os grãos secarem no pátio.

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