Envelhecimento no campo

São Paulo, 29 de abril de 2014

Xico Graziano

Nas comemorações do Dia do Trabalho, que ocorrem es
ta semana, sempre se costuma reclamar,
com razão, do desemprego. Na economia agrária, poré
m, esse problema desapareceu da agenda. Ao
contrário de antes, quando sobrava gente na roça e
não havia faina para todos, atualmente o campo se
esvaziou. Procura-se trabalhador.

“Apagão de mão de obra” foi destaque da Bienal da A
gricultura, encontro recentemente
promovido, em Cuiabá, pela Federação da Agricultura
e Pecuária de Mato Grosso (Famato).

Especialmente no Centro-Oeste, nas fronteiras de ex
pansão da agricultura nacional, depara-se com forte
escassez de pessoal. Segundo Alexandre Mendonça de
Barros, consultor presente no evento, o grande
desafio hoje é “encontrar, qualificar e reter o pro
fissional” na fazenda. Nada fácil.

Nas novas regiões agropecuárias do Brasil central i
mpera o mundo da moderna tecnologia. E a
oferta de trabalho local não mostra tarimba capaz d
e operar os sistemas tecnológicos, mecanizados e
computadorizados que funcionam na linha de produção
rural. A “agricultura de precisão”, conectada aos
satélites de posicionamento global (GPS), avança ma
ximizando a produtividade e minimizando o uso de
insumos. Maravilha tecnológica da lavoura nacional,
o plantio direto, que permite realizar duas ou trê
s
safras sucessivas na mesma área, ou ainda a integra
ção entre a lavoura e a pecuária – sai a soja entra
a
boiada – são sistemas que exigem elevada qualificaç
ão profissional. Tudo mudou desde quando a enxada
carpia o mato do milharal e as galinhas caipiras bo
tavam ovos no ninho do curral.

Onde ocorreu a ocupação agrícola tradicional, como
nas zonas cafeeiras de Minas Gerais e São
Paulo, próximas das montanhas da Mantiqueira, o gar
galo anda apertando na hora da colheita. No
passado, sobrava gente para a apanha do café; hoje,
é cada vez mais difícil encontrar pessoas disposta
s a
subir os morros, derriçar os grãos, varrer o chão,
ensacar o produto. Fora a qualidade. O que se fala,
por
aí afora, é que sumiram os trabalhadores dedicados,
e os que se recrutam agora fazem meros bicos, sem
gosto pelo serviço. Desejam ocupações mais “nobres”
do que sofrer debaixo do sol escaldante. A
escassez e a baixa qualificação da mão de obra afet
am igualmente a colheita manual na citricultura. Pi
or,
volta e meia se descamba para o litígio na Justiça.
Em vários setores de produção no campo, a outrora
alegria da colheita se transformou no desgosto da e
ncrenca trabalhista.

Nesse contexto, a mecanização da colheita continua
se impondo. Há meio século as primeiras
colheitadeiras, mais simples, começaram a chegar às
lavouras de milho e de arroz. Depois, mais
elaboradas, avançaram para o feijão e o algodão. O
progresso tecnológico nunca cessou. Complexas e
eficientes máquinas dominaram também fases jamais i
maginadas escaparem do processo manual, por
serem difíceis, tais como o arranquio de batatas ou
de amendoim. O último degrau da sofisticação da
colheita chegou aos cafezais. Poucos conseguem imag
inar como uma supercolheitadeira consegue, com
seus múltiplos bastões, qual dedos vibratórios, der
rubar os grãos de café por dentro da planta,
derrubando-os automaticamente sem quebrar a galhari
a. Simplesmente sensacional.

Há tempos os economistas agrários discutem sobre es
te dilema histórico: a falta de trabalhadores
estimulou a mecanização da colheita ou foi a introd
ução da colheita mecânica que expulsou os operários
rurais? A difícil resposta, semelhante ao enigma do
ovo e da galinha – quem veio primeiro? -, pouco
importa aqui. Fundamental é mostrar que, na realida
de da agricultura brasileira atual, existe falta de
mão
de obra generalizada, nas tarefas simples ou qualif
icadas, lacuna que em alguns lugares já está causan
do
a desistência da produção rural. Nem se encontram m
ais facilmente trabalhadores permanentes dispostos
a residir nas propriedades rurais. Desamparadas, cr
esce nelas o roubo vulgar.
Soma-se a esse cenário socioeconômico um terrível f
enômeno demográfico: o envelhecimento
dos agricultores. Não apenas os operários progressi
vamente se distanciam do campo, em busca das
oportunidades e do modo de vida oferecidos na cidad
e grande, como poucos filhos permanecem ao lado
dos pais, suportando sua trajetória, atavicamente a
paixonados pelo ambiente agrícola. Os jovens saem

para estudar e buscam fazer brilhar sua carreira lo
nge da poeira do estradão. Nada segura a força de
atração dos aglomerados urbanos.

Não é exclusivo do Brasil. Na Europa, o envelhecime
nto dos produtores rurais vem sendo
analisado há muito tempo. No relatório (2013) do Pa
rlamento Europeu para a aprovação da atual Política
Agrícola Comum (PAC), lamenta-se que apenas 7% dos
agricultores europeus apresentam menos de 40
anos e que daqui a cerca de 10 anos 4,5 milhões de
produtores rurais irão se aposentar. Esse drama
agrário atrapalha a inovação, empaca a produtividad
e, reduz a ousadia. A notória perda de
competitividade agrícola foi compensada com fartos
subsídios, que seguram a renda familiar e
confortam os agricultores, mas, ao mesmo tempo, os
acomoda.
Nos EUA também se discute, nestes dias, a alteração
nos vistos de entrada para trabalhadores
estrangeiros, incluindo o programa H2-A, destinado
aos assalariados temporários na agricultura. A
Califórnia, especialmente, ressente-se da falta de
mão de obra rural. Segundo a Western Growers
Association, 80 mil acres de frutas e vegetais deix
aram de ser cultivados no Estado em decorrência da
falta de braços nas lavouras.

Como atrair gente para o trabalho na agricultura? C
omo estimular os jovens a permanecerem no
campo? As respostas indicarão o Brasil que será con
struído no futuro.

Xico Graziano é agrônomo, foi secretário de Agricul
tura e secretário do Meio Ambiente do Estado
de São Paulo.

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