SAMUEL SILVA 13/04/2014 – 09:29
Ideia nascida em Itália de pagar um café ao cliente que vem a seguir tem ganho adeptos. Em Guimarães, a Igreja promove-a. Há cafés em todo o país a adoptar o conceito e a estender a oferta a pão ou sopa.
“Há muita gente a aderir?” A resposta do funcionário da pastelaria Clarinha, em Guimarães, é desarmante: pega na caixa de cartão e coloca sobre a balança. “1,210 kg” marcam os dígitos verdes do dispositivo eletrónico: “Se tirar os 200 gramas da caixa já temos mais de um quilo” de moedas.
É naquela caixa que os clientes têm deixado o seu contributo para a iniciativa “café suspenso” lançada nesta cidade pela Igreja Católica. A ideia nascida em Itália, e que se tem globalizado nos últimos anos, ganha cada vez mais adeptos um pouco por todo o país.
O princípio do café suspenso é simples: quando alguém vai tomar um café pode entregar o dinheiro de dois, deixando a bebida paga para que quando uma pessoa necessitada for ao mesmo estabelecimento possa bebê-la de forma gratuita. Esse café fica “suspenso” à espera de quem o peça. Em Guimarães, “não está a ser feito literalmente, mas é o mesmo espírito”, justifica o padre José Silvino, capelão da igreja de S. Pedro do Toural, na maior praça da cidade.
Com dúvidas quanto à forma como operacionalizar a ideia, Silvino optou por uma solução dupla. Se os donos ou funcionários do café conhecerem alguém que “está a pedir um café, mas está a precisar de um galão ou de um pão”, oferece-lhe o pedido. Nos restantes casos – que têm sido a maioria – os estabelecimentos comerciais aderentes têm caixas onde os clientes podem deixar o valor do café suspenso, o arredondamento da conta ou o troco. Esse dinheiro reverte depois para o fundo “Partilhar com esperança” da Diocese de Braga, que é gerido pela Cáritas, que se encarrega de fazer chegar os donativos a famílias com carências identificadas.
A ideia que José Silvino tem posto em prática não é sua. O padre vimaranense seguiu a sugestão da mensagem de Quaresma do Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga. O representante máximo da Igreja Católica na região chamou-lhe “caridade preventiva”. No texto o conceito original era também alargado: “Porque não falar também de um ‘pão suspenso’, ‘refeições suspensas’, ‘medicamentos suspensos’ ou ‘roupas suspensas’?”, questionava o arcebispo, convidando os padres e instituições católicas a desenvolverem a ideia nas suas paróquias.
“Mediante este gesto de caridade, ao alcance de todos nós, creio que estaremos a combater de um modo directo a denominada pobreza envergonhada, que já afecta muita gente da classe média”, sublinha o arcebispo. Para o padre de Guimarães, o que mais o marcou na mensagem “foi a ideia de que o jejum da Quaresma não é tanto uma questão de renúncia, quase como um castigo que fazemos a nós próprios, mas de partilha”. E foi a essa mensagem que apelou junto dos proprietários das pastelarias mais próximas da igreja do Toural, e também nos bares do hospital da cidade (onde é capelão).
Apesar de a iniciativa terminar na próxima semana, com a Páscoa, José Silvino promete repetir a ideia nos próximos anos. “Para o ano quero um Toural suspenso”, brinca o padre, ilustrando a intenção de alargar a ideia a, pelo menos, todos os cafés e restaurantes nas imediações da principal praça de Guimarães.
O conceito terá nascido no Sul de Itália, na cidade de Nápoles, há cem anos e tinha força sobretudo na época do Natal. Mas o “caffè sospeso” foi desaparecendo na fase de crescimento económico após a II Guerra Mundial. A recessão dos últimos anos fê-lo recuperar força e globalizar-se, chegando a vários países da Europa, Estados Unidos e América do Sul. Em Portugal começou a dar os primeiros sinais no ano passado. A padaria Pabiru, na Lousã, foi uma das primeiras a aderir à ideia. Pouco tempo depois, a pastelaria Mordido, em Odivelas, também apresentava o seu café suspenso.
“Ouvimos falar através de um cliente e adaptamos o conceito ao nosso café”, conta Pedro Mordido, proprietário deste estabelecimento comercial, que até criou uma ementa especial de “suspensos” que além de café a preço mais reduzido tem bens essenciais como pão, fruta ou sopa. Os clientes deixam, em média, 20 contributos por semana e “sempre que alguém pede, há dinheiro de lado para pagar o que consumirem”.
O exemplo da pastelaria Mordido levou um grupo de pessoas que tinha tido conhecimento da iniciativa a lançar uma petição online em que é defendido que este devia tornar-se um projecto de âmbito nacional. “Sem gastos excessivos ou mudanças na sua rotina, um simples gesto solidário pode melhorar o dia de um desconhecido e fazê-lo a si, dador, sentir que participa num projeto coletivo de afetos”, sublinhavam os primeiros subscritores de uma ideia que tem tido pouca adesão online (192 subscritores de momento).