Fernanda Nunes | Brasil Econômico
Economistas preveem que a indústria alimentícia será afetada pela alta dos preços da soja e do milho nos próximos meses, um risco para as metas do governo e alta da Selic
O clima está louco e os indicadores de inflação também. Tradicionalmente, nesta época do ano, os alimentos in natura — frutas, legumes e hortaliças — ficam mais caros por causa da chuva e determinam, quase sozinhos, a inflação dos alimentos e o aumento do índice total no mês. Mas, desta vez, a seca apareceu como uma variável expressiva e atípica, que influenciou, principalmente, a alta de preços de grãos. Tal comportamento dos preços, visível no Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), aponta para um risco maior, alerta o economista da USP e coordenador da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe) Raphael Coutinho: a de contaminação da cadeia dos alimentos industrializados e da agropecuária, que utilizam os grãos como insumo.
Esse é também um problema para o governo, que conta, neste ano, com menos influência do setor de alimentos sobre a inflação. Mas, ao contrário do esperado, o Banco Central tem no IGP-DI mais um dado para avaliar os próximos passos que dará em sua tentativa de controlar a inflação, avalia o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito. “A variação em 12 meses tanto do IGP-DI quanto do IPC-Br (indicador divulgado ontem pelo Banco Central, veja ao lado) avançam e tiram o espaço para a política monetária leniente, sendo mais provável uma alta de 25 pontos base na reunião de abril”, opinou o economista.
Coutinho, da Fipe, argumenta que, por se tratar de uma alta de preços de matérias-primas agrícolas, é possível aguardar altas futuras de preços, no atacado, nos segmentos intermediários e de bens finais da indústria alimentícia, que utilizam os grãos como insumo. A expectativa de Coutinho, no entanto, é que o impacto ocorra no curto prazo. Em sua opinião, os efeitos ao longo do ano ainda não estão definidos.
Os indicadores de inflação da FGV, entre eles o IGP-DI, balizam uma série de contratos, como os de aluguéis, e também funcionam como parâmetro para o Banco Central determinar a taxa básica de juros, a Selic. Em fevereiro, o que o índice demonstrou foi que os preços no atacado (1%) superaram de longe a taxa de igual mês do ano anterior (0,09%). Entre os subgrupos que compõem o Índice de Preços ao Atacado (IPA), o destaque foi o relativo aos preços agropecuários, cuja taxa passou de -1,57% para 1,72%.
Como já era esperado, houve aumento dos preços do café — que, no produtor, ficou 19,46% mais caro, após ter subido 7,45% em junho. Esse é um produto cuja colheita melhora e piora em anos alternados, o que pressiona diretamente o seu preço. Também a inflação do milho avançou, tendo passado de 2,33%, em janeiro, para 4,47%, em fevereiro. A soja, principal cultura da safra brasileira, embora continue no campo da deflação, teve, igualmente, o preço acelerado (de -8,41% para -1,84%), seguindo a tendência dos demais grãos.
Mas, para André Braz, economista da FGV, a principal influência da seca sobre os preços da soja e do milho ocorreram exatamente na passagem de janeiro para março e não deve se repetir com a mesma magnitude daqui para frente. Já para março, a expectativa é que o efeito não seja o mesmo. Ainda assim, mesmo que a taxa desacelere na passagem do mês, em 12 meses deverá continuar ganhando força, porque trará com ela índices elevados de meses anteriores.
Braz ressalta que, além da alta dos preços dos grãos, pesou sobre a inflação de fevereiro a valorização dos preços de alimentos no período de entressafra, como ocorreu, no atacado, com os ovos, que aumentaram 13,57%, após terem caído 1,64% no mês anterior; e com os bovinos (de 2,33% para 4,47%). Esse conjunto de alimentos, em período de entressafra, explica boa parte da aceleração expressiva dos bens finais no mês passado, antes mesmo da contaminação da indústria alimentícia pela alta dos preços dos grãos, esperada para ocorrer nos meses seguintes. Em fevereiro, os bens finais, no atacado, subiram 1,11%, ante 0,13% em janeiro. Os alimentos in natura ficaram 7,03% mais caros, após deflação de 2,99% no mês anterior. Não fossem eles, os preços entre os produtores de bens finais teria subido 0,44%, menos do que em janeiro (0,46%).
Para o consumidor final, o cenário é de perda de ritmo dos preços. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC), dentro do IGP-DI, passou de 0,99% em janeiro para 0,66% em fevereiro, a maior taxa para um mês de fevereiro registrada desde 2010. Por isso, a opinião do economista-chefe da corretora Gradual Investimentos, André Perfeito, é que resultado não alivia em nada o governo, que tem como tarefa puxar a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 12 meses para o centro da meta, de 4,5%.