Maior dívida da agricultura é privada

28 de março de 2006 | Sem comentários Comércio Mercado Interno
Por: Gazeta Mercantil


São Paulo, 28 de Março de 2006 – Solução para a crise fica mais difícil porque governo não participa das negociações, nem pode avaliar o seu montante, afirma professor da USP. A agricultura brasileira vive a sua terceira crise em 20 anos e, segundo análise feita pelo professor de Economia Agrária da Faculdade de Economia e Administração (FEA-USP), Guilherme da Silva Dias, é a mais grave e mais profunda desde 1986. Para ele, as atuais dificuldades se seguem a um período de euforia, ocorrido até 2004, quando o sucesso autorizou produtores rurais a ampliarem o endividamento, sem avaliar os riscos de uma eventual queda dos preços das commodities desencadeados por uma política de câmbio valorizado e de juros altos.


Silva Dias dedicou o último fim-de-semana ao levantando de dados para avaliar o grau de comprometimento da economia agrícola. O estudo não está concluído, mas, desde já, revela peculiaridades na crise que tornam sua solução mais remota. Ao contrário das anteriores, em que as dívidas eram com bancos oficiais, agora os agricultores devem mais ao setor privado. “A crise atual já se anunciava em meados 2004, quando os preços começaram a cair. Mesmo assim, nenhuma providência foi tomada”, afirmou.


“O cenário atual é preocupante”, diz. Para Dias, poderá resultar na desarticulação do setor. O produtor rural se endividou acima da sua capacidade de pagamento em cenário adverso.


A maior dificuldade é que a maioria das dívidas foi contraída com os fornecedores de insumos e mediante garantias reais. “Fica agora difícil para o governo coordenar a negociação para o seu pagamento”.


Nas duas situações anteriores (1986 e 1994), a origem dos créditos era oficial. Na década passada, a solução se deu por meio da securitização das dívidas. Desde então, os produtores rurais passaram a investir na atividade, o que deu início a um ciclo de crescimento acelerado. “Muitos produtores decidiram comprar terras e agora terão de reduzir área de cultivo”. Dias acredita que parte dessas operações serão desfeitas ou renegociadas.


Outra dificuldade é que o setor encontra-se numa fase de saturação. Nem as exportações, nem a produtividade maior têm fôlego para compensar as perdas com o câmbio e os altos custos financeiros provenientes da taxa de juros elevada. Outro efeito dessa política econômica adversa é a baixa oferta de crédito por parte dos bancos, que se fecharam por considerar a operação de alto risco.


O nível de descapitalização do setor, segundo Dias, é o mais elevado desde meados da década passada. Isso ocorre como efeito de uma perda sem precedentes da relação de troca na agricultura. Com isso, não há capital de giro para manter a atividade sem novas dívidas. Para o professor, a perda de receita do setor agrícola está sendo violenta demais e o desfecho só pode ser a perda patrimonial.


A situação é de uma oferta de produtos agrícolas maior que a demanda, o que indica um recuo da produção, mas ainda não é possível saber qual o setor que deverá recuar mais. “Além disso, a agricultura, que vinha se sofisticando nos últimos tempos, especialmente quanto à modalidade de crédito, deverá perder seus financiadores”. Dias acredita que os bancos internacionais devem se retrair e negar crédito às grandes tradings, que, por sua vez, deixarão de oferecer crédito aos produtores.


Os agricultores têm boa dose de responsabilidade por essa crise, acredita o professor. Muitos deles podem ser qualificados como “devedores temerários”. Além de não avaliar os riscos, têm um comportamento pouco adequado. “Agem de forma voraz, sem levar em conta quem está em torno deles”. Para Dias, será interessante observar a partir de agora, qual o tratamento que receberão dos credores.

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