Valor Online – 10/01/2014
Já imaginou tomar um café coado há vários dias ou meses? Soa estranho, mas pode se tornar realidade. O biólogo búlgaro, radicado no Brasil desde 1989, Vladimir Tzonev, desenvolveu um café longa vida que dura cerca de seis meses após a preparação. Ele já entrou com pedido de patente do produto no país.
Tzonev, que vive em Campinas e há 30 anos atua em pesquisas de novos produtos alimentícios e farmacêuticos, desenvolveu um processo que permite ao café coado durar cerca de seis meses em uma embalagem, que pode ser de material plástico, por exemplo. Depois que a embalagem é aberta, o café ainda dura aproximadamente sete dias. O produto tem sabor semelhante ao do café feito na hora – como pôde verificar a reportagem.
Um estudo preliminar mostrou também, segundo o pesquisador naturalizado brasileiro, que o café longa vida mantém os componentes químicos, uma vez que o sabor, o aroma e os efeitos sensoriais da bebida são preservados.
Vladimir Tzonev formou-se na Universidade Estatal de Kharkv, na Ucrânia, e fez mestrado na área de fisiologia humana no Instituto de Fisiologia de Atividade Nervosa Superior da Academia de Ciências da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em Moscou. Chegou ao Brasil em 1989 a convite da antiga Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (Codetec), ligada à Unicamp, para desenvolver projetos de biotecnologia. Depois de breves passagens por empresas, dedicou-se às pesquisas e atualmente tem uma empresa ligada à área agrícola.
Ele não dá detalhes sobre sua invenção, mas afirma que nenhum componente químico da infusão de café foi alterado. O processo consiste apenas em submeter o pó de café a uma ação mecânica específica – no caso um tipo de pressão especial – antes de o produto ser coado, explica ele. O pó de café também pode receber um tratamento com carboidratos, proporcionando uma variedade maior de sabores à bebida.
De acordo com o biólogo, a pesquisa para chegar ao café longa vida começou há cerca de 11 anos, mas não foi um trabalho contínuo. E o resultado saiu de forma inesperada, conta, quando ele já tinha quase desistido de trabalhar com o produto.
Tzonev garante que sua pesquisa é original e que não foi inspirada em nenhum outro estudo. No processo, foi usada uma mesma marca de café torrado e moído, em um blend com grãos predominantemente arábicas e uma menor proporção de robusta.
O pedido de patente do café longa vida foi depositado em 3 de dezembro do ano passado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), informa Tzonev. Segundo o biólogo, uma grande companhia de café se mostrou interessada em comprar a patente (cujo pedido ainda está sob análise do INPI), mas ele não quis fechar negócio.
Ele afirma não ter interesse em comercializar o produto de forma independente e negocia com a Agência de Inovação da Unicamp um auxílio na identificação das empresas interessadas em fabricar o café longa vida. Segundo o biólogo, a empresa que se interessar pela invenção poderá, em poucos meses, adaptar a técnica usada para fazer o café longa vida em escala industrial.
Tzonev também vê potencial para exportação do café longa vida após um registro internacional da patente. “Talvez um produto com essas características possa ser colocado onde o café [brasileiro] ainda não chegou”, afirma.
Embora hoje o consumo de café evolua para o preparo feito por máquinas automáticas e semiautomáticas, ainda há espaço para o café coado, acredita o pesquisador. Segundo ele, algumas décadas atrás grandes empresas internacionais de alimentos e embalagens tentaram conservar o café para ser vendido como longa vida, mas não obtiveram sucesso.
Atualmente, existem bebidas prontas à base de café para se consumir geladas. O pesquisador do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), Eduardo Vicente, explica que nesse caso os produtos, dependendo do tipo de embalagem, devem ser esterilizados (submetidos a altas temperaturas) para que tenham longa duração.
A descoberta do método que faz a bebida longa vida é a “reinvenção” do café, valoriza Tzonev. O produto pode ser consumido à temperatura ambiente ou ser aquecido (sem ferver), criando novos nichos de mercado, como o consumo em escritórios, na praia, na pescaria, elenca o biólogo. O café longa vida seria ainda uma possibilidade de aumentar o consumo do grão, acrescenta, pela comodidade do acesso a um produto pronto. O próprio Tzonev diz que praticamente triplicou seu consumo diário de café após a invenção.