Café aumenta risco de obesidade? Por Cláudio Cordovil

 


Outra notícia, que poderia preocupar os cafeinomaníacos, foi divulgada na quarta-feira (29/5). Trata-se de estudo publicado no Journal of Agricultural and Food Chemistry que, apresentado no G1 e no site NotíciasBR, daria conta de suposta relação entre substância encontrada no café e o diabetes tipo 2 e o aumento de peso.


Reproduzimos abaixo trecho da matéria publicada no G1:


“Segundo a pesquisa do Instituto de Pesquisa Médica do Oeste da Austrália e da Universidade do Oeste da Austrália, o consumo diário de ácido clorogênico em quantidades equivalentes às encontradas em mais de seis xícaras de café por dia pode levar a um aumento no acúmulo de gordura nas células


“O ácido clorogênico vinha sendo associado à redução[grifo nosso] do risco de diabetes, de hipertensão arterial e acúmulo de gordura corporal, daí a surpresa dos cientistas. (…)


“Nela, os estudiosos submeteram camundongos obesos a uma dieta rica em gordura durante 12 semanas.


“Eles tinham sua dieta diária enriquecida com ácido clorogênico em uma quantidade equivalente à encontrada em seis xícaras de café. A expectativa era de que eles teriam menos resistência à insulina e perderiam peso.


“No entanto, os resultados sugerem o oposto – que o consumo do ácido não só cria condições para um ganho de peso, como também uma maior intolerância à glicose e um aumento da resistência à insulina.”


Avaliação


De um ponto de vista formal, o relato feito pelo G1 e reproduzido acima apresenta algumas imprecisões. Na realidade, os camundongos machos (e que não eram obesos) foram divididos em três grupos. Cada um deles recebeu um tipo diferente de dieta durante 12 semanas. Um recebeu dieta normal, outro dieta com alto teor de gorduras e o restante, dieta com alto teor de gorduras e ácido clorogênico.


No que se refere a seres humanos, seria mais apropriado dizer que o referido estudo, realizado com animais de laboratório, buscava investigar o papel do ácido clorogênico, um polifenol presente no café e em algumas frutas, no tratamento e prevenção da síndrome metabólica, uma combinação de diabetes, hipertensão e obesidade.


Outro aspecto a ser destacado é que o artigo original que deu origem à matéria no G1 não nos permite concluir que “ingerir mais de seis xícaras de café podelevar a um aumento de gordura nas células”. O que o artigo demonstra é que uma dieta com alto teor de gorduras torna os camundongos mais gordos, mas não que o ácido clorogênico (e o café, por extensão) torna você, leitor(a), mais gordo(a).


Aliás, na citação acima vemos o emprego do verbo “poder”. Nas aulas de Jornalismo costumamos aprender que “poder, tudo pode”. Eu, por exemplo, posso ficar rico amanhã, mas isto não necessariamente corresponde à verdade. O verbo “poder” é bastante empregado em reportagens científicas, que deveriam se caracterizar por certa precisão em seu relato.


Outro tópico relatado na matéria do G1 e que deveria nos fazer suspeitar da robustez do estudo em questão é o fato de os achados atuais divergirem daqueles observados em pesquisas anteriores, como afirmam os próprios autores. Como foi dito, segundo o redator do G1, “o ácido clorogênico vinha sendo associado à redução (grifo nosso) do risco de diabetes, de hipertensão arterial e do acúmulo de gordura corporal, daí a surpresa dos cientistas”.


Ora, tal resultado conflitante entre o atual estudo e os anteriores poderia sinalizar que os processos biológicos envolvidos na situação em análise ainda não são bem conhecidos. Desta forma, os resultados deste estudo não seriam muito confiáveis, exigindo a realização de estudos posteriores para se confirmar a hipótese ora apresentada: a de que o ácido clorogênico mantém uma relação positiva com o diabetes tipo 2 e o aumento de peso.


Outros detalhes também lançam dificuldades para quem quer saber até onde pode extrapolar os resultados deste estudo preliminar: Que variedade de café foi empregada no estudo? Sua infusão era forte ou fraca?


Com relação aos resultados apresentados pelo artigo e replicados de algum modo pela matéria do G1 convém restabelecer o óbvio: ratos são diferentes de homens. Normalmente ratos são empregados em fases bem preliminares de estudos. São excelentes para investigar as bases biológicas de doenças, mas péssimos para se concluir algo sobre seres humanos. Para tal, é necessário testar diretamente a substância em humanos e observar seus efeitos. Talvez, por esta razão, o redator do G1 tenha feito questão de mencionar que o mesmo estudo estava sendo agora conduzido em humanos, informação não constante do artigo original.


Em suma, os resultados do estudo que ganhou algum destaque na imprensa brasileira são pouco conclusivos e bastante preliminares, o que desaconselharia sua divulgação junto ao público em geral, sem que se mencionasse enfaticamente suas limitações.


***


Cláudio Cordovil é jornalista especializado em Ciência e Saúde, com doutorado em Comunicação e Cultura pela UFRJ e pós-doutorado em Comunicação e Informação em Saúde pela Fiocruz; autor do blog “Conhecimento Prudente

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