09/05/2013
No ano até abril, alimentação subiu 5,6% ao consumidor e apresenta deflação de 5,4% no atacado
Por Juliana Elias | De São Paulo
Principal preocupação da inflação nos últimos meses, os alimentos subiram menos em abril, mas reforçaram as preocupações dos analistas com o descolamento entre os preços no varejo e no atacado. De janeiro a abril, os alimentos subiram 5,65% no Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Indice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), os produtos agropecuários no atacado acumulam deflação de 5,42% no mesmo período.
Ainda que menor em abril, o aumento dos preços de alimentos foi acompanhado por outros reajustes de preços, como o de serviços, que contribuíram para que o IPCA, índice oficial de inflação, fechasse o mês com alta de 0,55%, acima do 0,47% de março, segundo o IBGE. No acumulado em 12 meses, o índice conseguiu de forma apertada voltar para dentro da banda da meta estipulada pelo governo, de no máximo 6,5% – fechou em 6,49%, após bater 6,59% em março.
O grupo de alimentação e bebidas teve alta de 0,96%, ante aumento de 1,14% em março, o que continua sendo um patamar alto e, mais uma vez, surpreendeu de forma negativa as expectativas, que eram de uma alta bem menor, influenciada pela safra de agrícola. A Rosenberg & Associados criou uma série onde compara a variação dos preços de alimentos no domicílio sem hortaliças acumulada em 12 meses e compara essa evolução com os preços no atacado, com um mês de defasagem (ver gráfico).
O cruzamento mostra que desde 2007, pelo menos, esta foi a única vez em que o índice dos alimentos ao consumidor subiu seguidamente mesmo com o índice do atacado em queda. Geralmente as curvas se acompanham, mesmo que com certo atraso. “O descolamento entre os preços no atacado e no varejo já acontece desde o começo do ano, sendo que essa defasagem no repasse dos preços não costuma ser maior do que um a dois meses”, diz Priscila Godoy, analista da consultoria Rosenberg & Associados.
Uma das principais possibilidades apontadas por Priscila e outros analistas é a influência do custo do frete, que passa a entrar na conta quando o alimento é levado aos centros de distribuição e às lojas. “O frete afeta muito mais o consumidor que o produtor e tem sofrido pressões de aumento, com dois reajustes do diesel neste ano e também a legislação dos caminhoneiros, que aumenta a necessidade de contratação e aumenta o custo do transporte em si”, disse Priscila.
Luís Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC, pontua ainda a diferença estrutural entre o IPA, que sofre influência muito forte de commodities, e o IPCA, em que isso não aparece de forma direta. “São commodities como o milho e a soja que estão puxando hoje a queda do IPA, mas elas não têm correspondentes diretos no IPCA”, disse Leal. Ele cita o óleo de soja, que caiu 2,87% no IPCA de abril já refletindo a queda de 4,52% da soja no atacado no mesmo mês – mas o óleo responde por apenas 0,34% de todo IPCA, enquanto a soja é cerca de 16% do IPA. “As reduções estão chegando aos consumidores, mas seu impacto é muito menor”, disse Leal.
É também o caso do milho e da cana de açúcar, que tiveram queda, respectivamente, de 11,98% e 2,49% no atacado em abril. O milho, ao lado da soja, se reflete nos preços de aves e suínos, já que é a base de sua ração: no varejo, pelo IPCA, a carne de porco está 1,41% mais barata e o frango inteiro caiu 1,92%, enquanto o açúcar refinado, acompanhando a cana, teve queda de 4,50% nas prateleiras. Todos estes produtos, no entanto, conforme pontuou Leal, têm peso muito menor no IPCA do que o de suas matérias-primas no IPA.
Algumas destas quedas no atacado, aliadas à desoneração da cesta básica, contribuiram para a queda destes preços ao consumidor. “[A desoneração] algum efeito teve. Não dá para isolar esse impacto, porque a variação do preço não depende só de redução de impostos. Outros fatores como safra e demanda têm influência”, ponderou Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de índices de preços do IBGE. As principais quedas de alimentos em abril são de itens que constam da cesta básica: açúcar refinado (-4,5%), açúcar cristal (-3,41%), óleo de soja (-2,87%), frango inteiro (-1,92%), arroz (-1,87%), carnes (-1,78%), frango em pedaços (-1,58%) e café moído (-1,37%)..
Os economistas avaliam que os alimentos vão subir menos nos próximos meses, mas outros itens vão influenciar a inflação, como transportes urbanos, puxados pela tarifa paulistana. “A alimentação irá dar um alívio no curto prazo e, em maio e junho, a inflação mensal deve desacelerar, mas os outros elementos seguem pressionando e logo ela volta a subir”, disse Flavio Serrano, economista-senior do Banco Espírito Santo.
Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria, calcula que, considerado o acumulado em 12 meses, a inflação deve voltar a estourar o teto da meta em junho, julho e agosto, além de cravar os 6,5% já em maio. “Este será um mês relativamente tranquilo, mas em junho já há reajuste do transporte público, o que deve impactar no IPCA de junho e julho, e agosto”, disse.
Outros fatores, como serviços, pressionaram a inflação de abril. Após alta bem modesta em março (0,26%), os serviços subiram 0,54% em abril. “Há um conjunto de fatores pressionando que, em determinado momento, sofreu uma pressão adicional dos alimentos, e isso acabou chamando mais a atenção. Mas os alimentos não são o ‘vilão da inflação’, eles só pioraram uma situação que já era ruim”, disse Serrano. (Colaborou Diogo Martins, do Rio)
Safra agrícola, lei do caminhoneiro e alta do diesel pressionaram custo do frete
Por Rodrigo Pedroso | De São Paulo
O preço do frete aumentou este ano e pode ser uma das causas que explica a diferença no comportamento entre os preços dos alimentos no atacado e no varejo. A supersafra de grãos e a nova lei dos caminhoneiros, que passou a disciplinar a jornada de trabalho dos motoristas e entrou em vigor em janeiro, está fazendo com que haja um aumento atípico nos preços dos fretes agrícolas neste ano, de acordo com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP).
Olhando dados do Sistema de Informações de Frete (Sifreca) da escola, referente aos preços praticados em commodities agrícolas, a economista Priscilla Biancarelli Nunes nota que foi registrado aumento de até 30% nos fretes desde o fim do ano passado. “Depende de cada produto e da sazonalidade. Mas chegou a essa diferença no momento de pico”, diz ela.
O aumento da safra de grãos e do preço do diesel, aliados à mudança no motor dos caminhões e à lei que rege os motoristas estão pressionando os custos das empresas de frete neste ano no país. De acordo com a NTC&Logística, entidade que reúne as principais transportadoras do país, o custo médio para as empresas subiu 8,21% neste ano até o fim de abril.
O cálculo ainda não inclui o gasto maior com os caminhoneiros, que cresceu em função da nova lei que entrou em vigor a partir de janeiro. De acordo com Nelto Gonçalves dos Reis, diretor técnico da NTC&Logística, apenas a lei que obriga os caminhoneiros a fazer paradas de meia hora a cada quatro horas de viagem e os impede de dirigir mais do que dez horas por dia aumentou o custo com mão de obra entre 15% e 30%, dependendo do serviço. “Haverá mais pressão neste item, porque em maio tem dissídio na categoria, que está sendo fechado em média com um aumento de 9% nos salários”, afirma.
Outro fator que levou ao encarecimento dos fretes neste ano foi a obrigatoriedade de motores Euro 5 nos caminhões, que são menos poluentes, mas aumentaram o preço dos veículos entre 10% e 15% para as empresas, segundo a NTC&Logística. Em função da nova exigência, o preço para se alugar um caminhão para frente cresceu 3%. O diesel também pressionou o transporte rodoviário. Foram dois aumentos este ano, de 5,4% e 5%.
Priscilla, da Esalq, diz que não dá para dizer que o aumento dos fretes seja a principal razão para o aumento mais forte dos alimentos no varejo. “Mas houve sim uma influência”, diz ela.
Puxado pela safra de grãos, índice do atacado tem deflação de 0,39% em abril
Por Diogo Martins | Do Rio
O Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) deve ficar próximo à estabilidade em maio, podendo ter uma ligeira variação negativa em relação a abril. A avaliação é do economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), para quem, nesse período, o indicador terá uma variação semelhante a observada em abril, mês em que o indicador caiu 0,06%, após alta de 0,31% em março. No atacado, a deflação foi de 0,39%
A estabilidade prevista por Braz deve partir tanto dos preços ao consumidor, quanto daqueles apurados na construção civil. A deflação do atacado deve continuar chegando ao varejo, permitindo que o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que subiu 0,52% em abril no IGP-DI, avance em um ritmo próximo a 0,30% em maio. Em março, o IPC subiu 0,72%. Entre março e abril, a maior contribuição para a desaceleração do IPC veio do grupo alimentação, que saiu de uma alta de 0,72% para avanço de 0,52%.
Já o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), que subiu 0,74% em abril ante alta de 0,5% no mês anterior, pode desacelerar ou ter uma taxa próxima a 0,5%. Juntos, IPC e INCC representam 40% do IGP-DI.
Englobando os outros 60% do IGP-DI, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) deve ser menos pressionado pelo minério de ferro, acompanhando a variação da commodity no mercado internacional, com menor demanda pelo produto, diz Braz. Ele prefere, contudo, não fazer qualquer projeção sobre o indicador.
Segundo o economista, as contribuições da safra recorde, que ajudaram os preços de soja e milho a recuar, devem diminuir. “A partir de maio, deveremos ter quedas menos intensas nos grãos e derivados, na matéria-prima bruta. Mas a queda desses preços ainda está se transmitindo para a cadeia produtiva, como em rações, óleo e carnes, que em algum momento chegarão com mais força ao consumidor. É com base nos preços do IPA que digo que os preços de alimentos no IPC vão desacelerar. Os IGPs devem convergir para uma taxa próxima dos IPCs”, diz Braz, ressaltando que, no acumulado em 12 meses, os IGPs devem desacelerar.
O IPA caiu 0,39% em abril, depois de alta de 0,12% no mês anterior. As principais quedas observadas em abril pela FGV no atacado foram em milho em grão (-5,2% para -11,18%), soja em grão (-4,58% para -4,52%) e aves (-2,2% para -10,41%).
Desemprego baixo com inflação não é bom, diz Prêmio Nobel
Por Chico Santos e Rafael Rosas | Do Rio
O desconforto com a inflação brasileira manifestado, por empresários nesta semana, já extrapolou as fronteiras do país. O economista americano Christopher Albert Sims, 70 anos, que dividiu o Prêmio Nobel de 2011 com o compatriota Thomas Sargent, advertiu ontem, em entrevista exclusiva ao Valor horas depois de desembarcar no Rio de Janeiro, que o crescimento e o emprego associados à inflação alta não são salutares.
“A inflação nunca pode ser uma resposta permanente para reduzir o desemprego.” A frase de Sims foi dita em meio à resposta a uma pergunta sobre como avaliava os dados macroeconômicos contraditórios do Brasil, combinando crescimento baixo, inflação alta e virtual pleno emprego.
Ele disse que o quadro que se desenha neste momento no país é “o pior tipo de situação” para aqueles encarregados de traçar as políticas econômicas, dada a dificuldade de conseguir um consenso entre os economistas. “Vai depender de quanto peso se põe no aumento da inflação.”
Segundo Sims, na década de 70 os Estados Unidos enfrentaram dilema parecido: a inflação era alta e o desemprego, baixo. A saída americana foi pelo doloroso caminho de aumentar momentaneamente o desemprego para evitar o descontrole dos preços. “Um ponto que precisamos aceitar é que controlar a inflação pode significar desemprego mais alto temporariamente.”
Outro recado dado pelo economista americano foi quanto aos instrumentos que devem ser acionados para controlar a inflação. Para Sims, embora os juros mais altos tenham influência sobre os preços, essa influência só será duradoura e saudável se vier combinada com o uma política fiscal que assegure o controle do déficit no longo prazo.
“Taxas de juros mais altas são apenas contração monetária. E sabemos que contração monetária forte o suficiente pode desacelerar a economia e reduzir a inflação, ao menos temporariamente”, afirmou Sims, acrescentando que nos Estados Unidos, antes do controle da inflação nos anos 70/80, houve episódios de aperto monetário que reduziram a inflação, mas não de forma sustentável.
“Acho que a experiência pode ser explicada, em parte, porque a situação fiscal do Estados Unidos estava em desordem”, disse. Para Sims, “a política monetária pode trazer a inflação para baixo no curto prazo, mas se não há política fiscal apoiando, não funciona permanentemente”. Na sua visão, sem o controle do déficit fiscal no longo prazo, a desconfiança acaba instalando-se. “Se os mercados começarem a duvidar, a política monetária pode criar apenas um alívio temporário na inflação.”
Esse diagnóstico não significa, porém, que o economista americano defenda a austeridade fiscal a qualquer preço. Ele rechaça, por exemplo, as políticas que vêm sendo adotadas pelos países da zona do euro em crise, como Espanha, Portugal, Itália e Grécia, sob inspiração alemã.
“Penso que houve um erro deles ao tentar cortar gastos e elevar impostos muito fortemente quando as economias já estavam em queda. A maneira mais confiável para reduzir isso é crescer”, ponderou, fazendo coro com a crescente onda de descontentamento, expressa em recentes trocas de governo, na maioria dos países europeus com o receituário posto em prática para combater a crise.
O crescimento, na visão do economista, iria tanto reduzir a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) como aumentar a arrecadação tributária. “As medidas que eles tomaram, cortando infraestrutura, educação e colocando jovens fora do mercado de trabalho não são boas para reduzir a dívida”, explicou.
Sims, que participa hoje do evento “3ª Conferência Global: Ciclo de Negócios”, promovido pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e Vale, ganhou o Nobel graças aos seus estudos para o desenvolvimento modelo econométrico para calcular relações de causa e efeito entre políticas macroeconômicas – a forma como a taxa de juros influencia a formação dos preços, por exemplo.
Professor da Universidade de Princeton, Sims é um defensor ferrenho da econometria e discorda que a matemática seja usada às vezes em excesso para explicar os fenômenos econômicos. “A matemática é uma língua. Dizer que os economistas foram muito longe no seu uso é a mesma coisa que dizer que os economistas ficaram muito empolgados com o inglês e que devem voltar a escrever em alemão, como no século XIX.”
Ele disse que o erro dos Estados Unidos na crise de 2008 foi que o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) tinha muitos dados sobre os bancos, que se mostravam saudáveis, mas não das instituições financeiras não bancárias, como as agências de crédito imobiliário, que era onde estava o problema. Dada a complexidade dos sistemas financeiros, ele só vê uma solução para não errar: “Precisamos ter mais dados e modelos mais complexos.”