22/04/2013
Pesquisador mineiro desenvolve técnica que promete mudar a cara da viticultura brasileira e transformar o Sudeste na nova fronteira vitivinífera do país
Por Marcos de Moura e Souza | De Belo Horizonte
Uma nova técnica de poda de videiras produziu seu primeiro resultado no interior de Minas Gerais. É um vinho tinto fino chamado Primeira Estrada, feito 100% com uva syrah, que começou a ser vendido em janeiro. Está em lojas e restaurantes de Belo Horizonte, Rio e, por enquanto, no mercadão municipal, em São Paulo. Não é um produto comum. Sua história começou no início da década passada quando o pesquisador mineiro Murillo de Albuquerque Regina, um especialista em viticultura com PhD em Bordeaux, começou a maturar a ideia de que seria possível desenvolver uma técnica que alterasse o ciclo de produção da videira. O objetivo: produzir vinhos de qualidade na região Sudeste.
Quem logo se empolgou com a ideia foi Marcos Arruda Vieira, médico, amante do vinho, dono de uma fazenda em Três Corações, no sul de Minas, onde cultiva café. Ele cedeu parte de suas terras para as pesquisas. Regina, que é pesquisador da Epamig, fez da ideia um projeto científico com apoio de órgãos públicos. A Fapemig e o CNPQ já investiram desde 2003 cerca de R$ 300 mil no projeto.
Quando as pesquisas começaram, vinhos de melhor qualidade no Brasil saíam do Sul. Fora dali, havia a produção relativamente recente de produção de vinhos tropicais no Nordeste, na região de Petrolina. E só. Mas Regina, que é do sul de Minas, passou a defender a ideia de que seria possível produzir nas áreas montanhosas de sua região também, por causa da condição muito particular para uvas viníferas. Bastava uma mudança na natureza das uvas.
O resultado: o Primeira Estrada Syrah 2010
O que diz a teoria? Uvas que produzem bons vinhos precisam ser colhidas em regiões onde há dias ensolarados, noites frescas e onde o solo esteja seco. No Piemonte, em Bordeaux, na Borgonha, no Chile, as características são essas, diz o especialista. Um problema sério dos produtores gaúchos brasileiros é que costuma chover na época colheita. Na região de Petrolina, não chove, mas o fato de a temperatura se manter alta mesmo à noite é um ponto desfavorável, diz o mineiro.
Conhecedor do clima e do solo da região do sul de Minas Gerais, Regina apostou que a teoria se encaixava perfeitamente àquelas terras. O único problema é que nas videiras no Sul e no Sudeste normalmente as uvas estão prontas para a colheita entre janeiro e fevereiro, época de chuvas e, portanto, um período ruim para quem precisa de boa matéria-prima.
A saída: inverter o ciclo da produção. “Em vez de colhermos em janeiro e fevereiro, vamos colher em julho e agosto”, propôs o pesquisador. Ele esteve à frente das pesquisas que acabaram desenvolvendo uma técnica de dupla poda para as videiras mineiras. Uma poda é feita em setembro e outra em janeiro. Pode parecer banal. Mas não é, diz o especialista. Quanto, como e quando exatamente podar eram as incógnitas. O trabalho de inversão de ciclo rendeu uma tese de mestrado, duas de doutorado e papers em publicações especializadas, um deles na alemã “Vitis”, uma das principais revistas científicas da viticultura. A dupla poda é conhecida para moldar a colheita de uvas de mesa à demanda do mercado, por exemplo. Mas, para o vinho fino de mesa, é novidade.
Murillo de Albuquerque Regina, que desenvolveu a técnica para mudar o ciclo das videiras
Regina diz que é a primeira experiência do tipo no Brasil. Em outros países, grandes produtores, como Argentina, Chile, França, Itália, Austrália, África do Sul, a época de colheita não costuma coincidir com época das chuvas.
Em Minas, as mudas de Syrah foram as que logo de cara responderam melhor à técnica. E o pesquisador decidiu então brincar de fazer vinho. Ele e dois viticultores franceses, Patrick Arsicaud e Thibaud de Salettes (os três já são sócios numa empresa de produção de mudas clonadas de videiras), se uniram ao fazendeiro Marcos Arruda e criaram a Vinícola Estrada Real. Isso em 2007. A primeira produção comercial é de 2010; ao todo, 10 mil garrafas. O vinho ficou um ano em barrica de carvalho e mais um ano envelhecendo na garrafa. “Levamos 12 anos para colocar esse vinho no mercado. No ano que vem, chegam outros dois: um sauvignon blanc e um brut”, diz Regina. “Inauguramos um novo conceito que é produzir vinho fino no Sudeste brasileiro.” Usando a técnica da dupla poda, outros produtores no sul de Minas e no Estado de São Paulo estão investindo em plantio de uvas para a produção de vinhos. Segundo o pesquisador, há vários projetos de 1 hectare a 50 hectares.
Preço deverá ser seu maior obstáculo
Por Daniel Al Assal | De São Paulo
No primeiro gole há uma certa surpresa, algo diferente do que o cérebro esperava na boca. Afinal, o que esperar de um syrah das suaves colinas do sul de Minas?
O vinho tem uma cor rubi com tons bem escuros, intransponíveis e de aspecto brilhante. No nariz, nota-se a presença da madeira, mas com elegância. Os aromas estão um pouco fechados, mas se reconhece ali ameixa preta, especiarias e um leve toque de tostado.
Na boca os taninos se mostram finos, sinal de que houve esmero na produção. A textura agrada. Repetem-se na boca as frutas maduras percebidas no nariz. Talvez um haja um leve desequilíbrio do álcool que pode ser notado na boca. A persistência é apenas mediana, apesar de sua estrutura.
A sugestão é harmonizá-lo com pernil de cordeiro ou outras carnes assadas em geral, quem sabe com um molho reduzido do próprio vinho ou um molho à base de cogumelos. Se a preferência for por aves, que pelo menos sejam as de caça. Para quem gosta de bebericar descompromissadamente a sugestão é com queijos firmes como o parmeggiano ou até mesmo um manchego.
O vinho não apresenta quase nenhuma das características clássicas que se esperaria da syrah, como o aroma de azeitonas, ou salmoura, ou carne.
O preço (R$ 79,90) parece salgado para o que ele apresenta. No mercado, terá dificuldades para enfrentar, por exemplo, australianos da mesma cepa.
E, para terminar, uma última curiosidade: as uvas são de Minas, mas a vinificação e o engarrafamento se deram em São Paulo.