Segurança Alimentar
* João Sereno Lammel
Em seu aguardado e mais recente relatório, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê para este ano um crescimento global de 3,5%, índice ligeiramente acima dos 3,2% alcançados no ano passado.
Com economias mais robustas e equilibradas, os países em desenvolvimento serão os responsáveis, em grande parte, por garantir esse resultado, com estimativa de crescimento em torno de 5,3%. O temor maior continuará sendo a chamada zona do Euro, com dificuldade para virar o jogo depois de uma crise sem precendentes.
Diante do cenário sombrio, explica-se o fato de a palavra “crise” ocupar o centro das discussões sobre os desafios globais entre líderes políticos, empresários e acadêmicos de mundo. Explica, mas não se justifica. A lamentar é o fato de, ao analisarem temas candentes, sem dúvida, como a crise econômica, estar ausente das discussões uma de suas principais consequências. Ou seja, é preciso recolocar na pauta de prioridades um capítulo crucial para o ser humano e as aspirações de um futuro melhor: a desnutrição e fome no mundo.
De acordo com a FAO, órgão das Nações Unidas para a agricultura e alimentação, o drama atinge cerca de 870 milhões de pessoas, ou seja, 12,5% da população mundial. “A desnutrição infantil leva à morte, por ano, mais de 2,5 milhões de crianças”, alertou, recentemente, Hélder Muteia, representante da entidade no Brasil, durante o Fórum Inovação, Agricultura e Alimentos, realizado em São Paulo pela FAO e entidades do agronegócio.
O assunto, embora possa parecer distante para a maioria de nós, na verdade está bastante próximo da nossa realidade. A pobreza extrema no Brasil regrediu nos últimos anos, mas ainda atinge 8% da população – cerca de 15 milhões de brasileiros. Em setembro de 2000, na véspera da virada do milênio, os 191 países-membros da ONU declararam os Objetivos do Milênio, com oito metas para o desenvolvimento. Reduzir a fome à metade foi eleita como a primeira das metas. Observa-se, contudo, a tímida repercussão internacional deste tema, ausente nas discussões em Davos, e a postura pusilânime de todos nós frente a este flagelo humano.
É equivocada a ideia de que existe fome devido ao desperdício de alimentos. Estudo recente da Institution of Mechanical Engineers, da Inglaterra, admitiu a existência do descarte de alimentos mesmo em bom estado, mas também criticou outros dois fatores: os prazos de validade determinados por órgãos regulatórios, que avalia como exagerados, e a falta de infraestrutura de transportes e armazenamento.
Somem-se a isso as intempéries climáticas que frequentemente frustram as colheitas: nesta semana, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, USDA, reduziu a previsão da safra mundial de soja 2011/2012, de 257 para 251 milhões de toneladas – quebra de 5,5 milhões de toneladas -, devido à estiagem nos principais países produtores, Estados Unidos, Brasil e Argentina.
A lei da demanda versus preços também é implacável no caso de produtos in natura: um exemplo tem sido a queda nas vendas quando a ANVISA, do Ministério da Saúde, divulga de forma alarmista os índices de resíduos em frutas e hortaliças. “Além de recebermos até 50% menos pelo que conseguimos vender, grande parte da produção sobra e acaba indo para o lixo”, afirma Mariliza Soranz, horticultora e secretária de Agricultura do município de Jarinu (SP).
Por fim, outro fator a ser considerado é a baixa produtividade das culturas em países pobres e em desenvolvimento, em consequência da ainda reduzida adoção de tecnologias como sementes de qualidade, mecanização, fertilizantes, defensivos agrícolas e armazenagem adequada.
Nesse ponto, vale destacar o exemplo brasileiro. O País dispõe, hoje, segundo estudo da consultoria Andrade & Canellas, de aproximadamente 200 milhões de hectares livres para o cultivo – a maior área entre os grandes países agrícolas -, sem precisar avançar um palmo sobre biomas como o Cerrado e a Amazônia.
As tecnologias incorporadas nas três últimas décadas resultaram em expressivos ganhos de produtividade, ocupando menor área (poupança de 74 milhões de hectares). Ou seja, o Brasil alcançou lugar estratégico na segurança alimentar mundial.
Portanto, se a maioria dos líderes mundiais tem passado ao largo de tema tão importante como a fome, cabe às lideranças brasileiras – governo, especialistas, empresas e a sociedade civil organizada -, assumirem a relevância e o protagonismo do País e recolocarem, na pauta de debates, esta agenda decisiva para o futuro da humanidade.
* JOÃO SERENO LAMMEL, engenheiro agrônomo, é presidente da Associação Nacional de Defesa Vegetal, Andef.