Janaína Botelho
historianovafriburgo@gmail.com
O século XIX foi de grandes mudanças na História do Brasil. O país sairá de sua condição de colônia e conseguirá a independência. No apagar das luzes, no fin de siècle, muda o regime político de monarquia para república, além de livrar a nação da chaga, o cancro da escravidão. Nesse século, durante o Império, uma transformação econômica trará novos rumos ao Brasil. O eixo político e econômico desvia-se do nordeste e concentra-se no sudeste. A cana-de-açúcar dos senhores de engenho perde predominância na pauta de exportação para o café, o ouro verde. Espocam pelo país revoltas e muito sagazmente a distribuição de comendas e títulos nobiliárquicos pelo Imperador D. Pedro II cria a nobreza da terra para manter a unidade nacional. Sem essa estratégia, o Brasil não teria a extensão territorial atual e seria uma colcha de retalhos de republiquetas.
A nobilitação dos proprietários rurais, plantadores de café, criou uma coesão em torno da Coroa mantendo o Brasil unido. E assim a civilização do café origina uma sucessão de barões, viscondes, condes, dando ao país uma nobreza morena e tupiniquim nos moldes no Antigo Regime da França. Casas solarengas e quintas de portões brasonados substituem a vida espartana dos antigos fazendeiros. Justas, torneios, cavalhadas à moda medieval, alfaias, brocados, damascos, sedas, louças de prata e porcelana transformam o cotidiano dessa nobreza da terra.
Cantagalo, outrora Sertões do Macacu, Sertões do Leste, gênese dos atuais municípios do norte-fluminense, gerou uma linhagem de barões originários dos grandes latifúndios da cultura do café. Nova Friburgo se beneficiou da civilização-café pela proximidade com Cantagalo e alguns de seus barões nos legaram importante patrimônio histórico, como o Barão de Duas Barras, o Barão de Rimes e o todo-poderoso Barão de Nova Friburgo.
Elias Antonio de Moraes, o 2° Barão de Duas Barras(1840-1928), era médico e herdeiro de vastos latifúndios de seu pai na respectiva localidade. Quando a escravidão foi extinta, introduziu em suas fazendas colonos italianos e japoneses. Os imigrantes Luiz e Marieta Zuanazzi Spinelli, quando chegaram ao Brasil em 1889, trabalharam como colonos do Barão de Duas Barras antes de migraram para Nova Friburgo. Posteriormente, Luiz Spinelli foi requisitado para trabalhar na construção do palacete do Barão de Duas Barras, atual Faculdade de Odontologia da UFF.
Esse é o primeiro patrimônio histórico que relacionamos, memória de um passado ufanista da nobreza fluminense. Segundo informações, o prédio está se deteriorando sem a devida manutenção por parte da instituição responsável pela preservação. Outro que nos legou uma bela residência foi o Barão de Rimes. Proprietário da fazenda Monte Verde no município de São Sebastião do Alto, o Barão de Rimes tinha uma residência “assobradada e elegante” na Rua Avenida, atual Galdino do Vale Filho. Infelizmente esse prédio já não existe mais, mas temos imagem da residência no Centro de Documentação Histórica.
O mais importante deles foi Antônio Clemente Pinto (1795-1869), o primeiro barão de Nova Friburgo. Embrenhou-se pelos Sertões de Macacu, atual Cantagalo, por volta do ano 1829, em busca das minas de ouro no rastro do famoso contrabandista Mão de Luva. Beneficiou-se recebendo sesmarias distribuídas pela Coroa Portuguesa e amealhou grande fortuna. O crescimento meteórico de seu patrimônio, possuindo mais de duas dezenas de fazendas, recebeu críticas de viajantes contemporâneos sobre a origem duvidosa de sua fortuna. Não é difícil entender como acumulou tão grandioso patrimônio, desde o momento em que o seu nome aparece como um dos maiores traficantes de escravos no tempo Império.
O plantio e a comercialização do café por parte do Barão de Nova Friburgo vieram a reboque dessa prática mercantilista, o tráfico de escravos, altamente lucrativa à época. O prédio onde hoje é a Casa de Cultura foi o solar do Barão de Nova Friburgo, a denominada “Casa Grande” do Parque São Clemente, construção essa de meados do século XIX. Outro legado foi o chalé do Country Clube, igualmente no Parque São Clemente, propriedade do Barão de Nova Friburgo, local de recepção de ilustres convidados, e nos parece ter recebido o Imperador Pedro II.
Numa grande extensão de terras que pela serra abaixo alcançava a imediações de Cachoeira de Macacu, o barão reservou um recanto para construir uma residência, em estilo chalé, propriedade conhecida como “barracão”, onde atualmente se encontra instalado o Sanatório Naval. Legou-nos os Clemente Pinto a linha férrea, pois foram proprietários da Estrada de Ferro de Cantagalo, que alavancou o desenvolvimento de Nova Friburgo unindo-a a poucas horas do bulício da Corte.
Eram igualmente de propriedade da família do barão, em Nova Friburgo, as fazendas Córrego Novo, Córrego Velho, São Lourenço, Córrego d’Antas e Ponte das Tábuas. Enumerar as propriedades dos Clemente Pinto em Cantagalo seria exaustivo até porque aqui nos limitamos ao patrimônio da família tão somente em Nova Friburgo.
O município de Nova Friburgo não possuía grandes proprietários rurais, plantadores de café, com a magnitude de Cantagalo e, por isso, não gerou uma nobreza local. Como já havia um barão de Cantagalo, Antônio Clemente Pinto escolheu o nome da colônia dos suíços para seu título nobiliárquico: Barão de Nova Friburgo.
De acordo com a relação apresentada, se percebe que Nova Friburgo atraiu os barões do café fluminense, provavelmente pelo seu clima, serviços e outros fatores, o que coloca essa cidade serrana dentro de um importante contexto histórico da civilização do café da velha província fluminense.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com
Fonte: http://www.avozdaserra.com.br/coluna/34/os-baroes-do-cafe-em-nova-friburgo-e-seu-legado-historico–