18/11/2012
Alemar B. Rena
CONSIDERAÇÕES GERAIS
Já que tantos estão falando em extinção do café Arábica, também vou tentar fazer uma análise expedita, ou melhor, uma elucubração científico/ mentecápta, a respeito do clima e o futuro dos “cafés”. Quem sabe poderá reduzir a ansiedade do não-especialista diante de tanto catastrofismo (estou seguro de que o calendário Maia não o menciona!) e, quem sabe, seja pelo menos parcialmente aprovado pelos mestres da área!
Se se consideram válidas as hipóteses do aquecimento global, antropogênico ou não, e tudo indica que não são, podemos ir-nos acostumando, pelo menos no médio prazo, ao Coffea canephora (Conilon, Robusta et alli) ou ao Arábica (C. arabica) com elevado teor de “sangue”(genes) de Canéfora.
Hoje, já temos cultivares de Arábica de excelentes bebidas obtidos do cruzamento do C. canephora com o C.arabica, mas com o “teor” sanguíneopredominante do Arábica, seguido de vários anos de paciente seleção genética, característica dos grandes cientistas, que, muitas vezes, passam desconhecidos do grande público consumidor.( Um deles deveria ter seu busto em lugar de destaque, não só em Campinas, mas também em muitos outros sítios produtores de café no Brasil e no mundo – Dr. Alcides Carvalho.)
Este tipo de mistura de genes, que teve início em Portugal, continuou aqui no Brasil, da década de setenta até hoje. O objetivo precípuo era, e ainda é, aumentar a resistência do Arábica à “ferrugem do cafeeiro”, a “temível doença que dizimaria a cafeicultura Brasileira”.
Na verdade, nada disso aconteceu, e, mais do que um desastre, a ferrugem propiciou uma mudança de paradigmas na pesquisa cafeeira, a qual resultou na cafeicultura altamente competitiva que o Brasil hoje possui. Mas, com as mudanças no clima, novos fatores adversos surgirão (i.e.. elevação da temperatura, chuvas irregulares, déficits hídricos mais acentuados e frequentes etc.), e, por isso mesmo, o foco da pesquisa já tem mudado para a caça às resistências/tolerâncias genéticas a esses novos fatores.
Mas devemos manter os pés no chão. Não será de um dia para o outro que a pesquisa genética clássica, e sua versão moderna, a biotecnologia, vão colocar no mercado novos cultivares competitivos, tanto em produtividade como em qualidade. As chances de se desenvolver cultivares competitivos nessas novas condições climáticas são de baixa probabilidade, ademais de requererem um pesquisador de elevada sensibilidade e persistência, no lugar certo, no tempo exato e com muito financiamento. Não se está dizendo que seja impossível, todavia!
É por essa razão que já escrevi aqui, e outros lugares, que o café Arábica terá, muito em breve, que subir a montanha, E alguém, muito apropriadamente, comentou: “pobre Mata Atlântica”! Mas ele não deve se preocupar muito, pois dificilmente o Código Florestal vai permitir que o Arábica seja ainda mais alpinista. Daí resta, aparentemente, apenas uma opção, que me perdoem os “arabicófilos” – cultivar o Canéfora em maior escala, que, diga-se de passagem, não tem sido mau negócio nem hoje e nem nos últimos anos.
Então digo: Feliz aquele que tem uma propriedade averbada de, digamos, 30 ha, mesmo não mecanizáveis, já implantada com 180.000 cafeeiros Arábica, a mais de 1200 m de altitude e de latitude próxima de 21 graus, de preferência com a face voltada para o atlântico! Ah sim, aí o clima será mais ameno e seguramente as chuvas serão mais frequentes (logicamente com bom controle de erosão; lembremos Teresópolis e companhia ilimitada). Seguramente não vai precisar de irrigação. Em tempos futuros será uma mina de diamantes, apesar dos robustoides!
Terras nesses lugares valerão muito, acredito. Tivesse eu 20 anos menos compraria agora uma propriedade com bela cascata, muita montanha granítica e uma bela vista, como sole ocorrer em vários pontos na serra da Mantiqueira.
Quando tudo isto? No andar da carruagem (e hoje elas são mais rápidas), já nos próximos 20 anos? Mas veja bem, isto soa à profecia, e profecia com data nem Jesus Cristo arriscou! É realmente grande dúvida e há mesmo alguns profetas que afirmam que nada disto ocorrerá; que neste tempo não se terá clima quente, mas uma mini-idade do gelo. Diga-se, na verdade, até mais danosa aos cafés, e as duas últimas ocorreram por volta dos séculos 16 e 19. Afirmam, também, que se esquiava e dançava sobre o Tâmisa congelado. Pode? Mas ocorreu.
Desejo escrever, agora, sobre algo que entendo um pouco mais – a fisiologia e a produção do café frente ao futuro mais provável – o quente e de secas erráticas. Ah, mas e a irrigação? Vocês crêem mesmo que, com a falta de água que se instalará no mundo nessas épocas, irrigar será apenas questão de desejo e dinheiro?
Admitindo-se que a temperatura venha se elevar nas próximas décadas, os cafés Arábica e Canéfora apresentarão respostas diferentes. Ambas espécies são plantas conhecidas como C3, altamente sensíveis ás altas radiações eletromagnéticas (i.e. luz), temperaturas acima de 25 Celsius, mais sensíveis aos déficits hídricos, maior exigência de alguns minerais, notadamente o nitrogênio, e muito mais.
Mas o Canéfora apresenta algumas diferenças profundas para o Arábica, dentre elas a melhor adaptação às temperaturas elevadas e às deficiências hídricas, o melhor aproveitamento de alguns minerais do solo, entre outras. Assim, o que a fisiologia clássica prevê para eles?
GÁS CARBÔNICO E AGRICULTURA: Salvador ou vilão?
Inicio esta seção com uma possível explicação para um fato quem tem agitado a Comunidade Cafeeira nos últimos dias. Na atmosfera terrestre há dois isótopos estáveis de carbono, o ¹³C com a participação de 1,108% e o ¹²C com a de 98,892%. Portanto, o ¹²CO2 é a principal forma disponível para a fotossíntese do cafeeiro e de resto para as demais plantas terrestres. Além disso, a Rubisco (ver adiante), a principal enzima de fixação fotossintética, discrimina o ¹³C. Portanto, é bem improvável qualquer importância na utilização do ¹²C na agricultura, a menos que se esteja perdendo algum detalhe técnico/científico recente. Há, realmente, que se considerar a baixíssima concentração atual do ¹²CO2 na atmosfera – que me perdoe os ecos -, inadequada mesmo para altas produtividades das plantas, como se verá mais adiante. Poder-se-ia, assim, enriquecer o ar com ¹²CO2, mas isto só é viável em ambientes fechados (i.e. casas-de-vegetação), e não nas condições de campo, até onde meu conhecimento permite ver.
No último tópico prometi que contrastaria os comportamentos ecofisiológicos do Arábica e do Canéfora. Acontece que são necessárias alguns princípios básicos de fisiologia para comparar-se os dois cafés. É, do jeito que vai a escrita, daqui a pouco vamos ter um opúsculo de fisiologia vegetal. Há que se impor barreiras, não acha? Bom…
A fotossíntese constitui-se numa série muito complexa de reações físico-químicas, determinada pela energia luminosa absorvida por moléculas de clorofilas e outros pigmentos, localizada no interior dos cloroplastos, que resulta na síntese de compostos orgânicos a partir do dióxido de carbono (CO2) e água (H2O), de acordo com a equação:
CO2 + 2 H2O –> C(H2O) + O2 + H2O
ΔG = 480 kJ/mol
Nessa equação mega-simplificada, C(H2O) representa carboidrato e o valor positivo de ΔG indica a quantidade mínima de energia livre necessária para cada mol de CO2 fixado fotossinteticamente, ou transformado em carboidrato, que só a luz pode suprir. Para os não iniciados, carboidrato pode ser glicose, frutose, sacarose, amido, e muitos outros compostos bioquímicos. Na mesma linha, um mol de gás carbônico contém aproximadamente 44 g.
Dessas reações em que energia radiante é transformada em energia das ligações covalentes dos compostos orgânicos depende toda a vida no planeta terra, exceção feita a alguns microrganismos denominados quimio-autotróficos. Enfim, mediante o processo fotossintético, alguma coisa como 2,0 x 10¹¹ toneladas de carbono atmosférico é fixada a cada ano, ou seja, mais de 6000 toneladas/segundo, e, deste total, cerca de 40% são produzidos pelo fitoplâncton marinho. Veja bem, está-se falando de carbono, e não de gás carbônico, o que renderia uma sifra ainda mais gigantesca!
Pergunta básica: Há razão para a fome no planeta terra?
De acordo com as leis da termodinâmica, o fluxo da energia em qualquer ecossistema tem mão única: entra a energia luminosa, que é dirigida aos vários processos vitais, e sai energia degradada – a calorífica -, que é dissipada para a biosfera. Portanto, enquanto o sol brilhar, os animais estarão a salvo!
Mas, a fotossíntese não é somente fonte de energia biossintética. É também fonte de matéria prima para a construção do corpo, a formação das reservas e a reprodução das plantas, e, de resto, de todos os seres vivos terrestres. Destarte, a partir do carboidrato fotossintético mais simples, o 3-fosfo-gliceraldeído (uma triose ou um carboidrato de 3 carbonos), são produzidos todos os outros compostos orgânicos do mundo viv
Portanto, cultivamos as plantas não apenas porque são belas, mas principalmente em razão da sua fotossíntese e seus derivados. Cultivar significa cuidar – o agronômico manejar -, ou seja, dar as condições para que as plantas trabalhem de forma a mais eficiente possível, o que equivale a dizer, tenham uma fisiologia próxima da ideal. E a fixação do C atmosférico pela fotossíntese é o ponto de partida.
Do ponto de vista bioquímico/fisiológico, há três grupos de fixação do C pelas plantas superiores. Eles são comumente chamados de plantas C3, plantas C4 e plantas MAC, e evoluíram adaptativamente pela pressão de fortes variações adversas ocorridas no meio ambiente, há muitos milhões de anos. Mas, ainda hoje predominam as espécies C3, especialmente entre as plantas cultivadas. Como exemplos citam-se trigo, aveia, arroz, feijão, tomate, quase todas as árvores, entre elas o cafeeiro, e centenas de milhares de outras espécies. Entre as C4 têm-se especialmente as gramíneas (poáceas) tropicais – mas não todas –, como a cana de açúcar, milho, sorgo, capim colonião etc. Mas também são encontradas entre as dicotiledôneas como as amarantáceas (e.g. o caruru de porco) e muitas outras.
As plantas MAC (com o metabolismo ácido crassuláceo, daí o nome) constituem um grupo especial que, ao contrário de todas as outras plantas, abrem os estômatos à noite e os fecha durante o dia (nas horas mais quentes), e possuem epidermes protegidas contra o calor e a evaporação, portanto, com baixa transpiração e excelente conservação de água. É como se fossem uma variação “temporal” do ciclo C4, em que há uma separação “espacial” de duas carboxilações (ver adiante). A planta MAC absorve o CO2 durante a noite, para reduzi-lo durante o dia pelo ciclo de Calvin-Benson, descrito adiante. Assim, são plantas muito bem adaptadas às condições extremas do clima, como elevadas deficiências hídricas e altas temperaturas, e com grande capacidade de sobrevivência, mas baixa produtividade primária. Típicas de regiões áridas e semi-áridas. Como exemplos citam-se as crassuláceas, bromeliáceas, cactáceas etc.
As plantas MAC representam, portanto, o “pool” ou reservatório de genes que a genética clássica e a engenharia genética têm a disposição para transformar plantas mais sensíveis às agruras do ambiente, a maioria das espécies agronômicas, em plantas mais adaptadas às condições adversas que os modelos climáticos preconizam. Se se começar agora, e já começou, poder-se-á resgatar a agricultura do futuro.
Infelizmente, não é possível prosseguir às conclusões de interesse agronômico sem falar um pouquinho de bioquímica, o que é muito difícil quando se escreve para uma maioria não iniciada e não se usam fórmulas químicas, por via de consequência. Para você, porém, poderá ser mais ou menos como ler a “Metamorfose” de F. Kafka, ou “O andar do bêbado” de L. Mlodinow. Mas não desista; pode valer à pena!
O processo fotossintético das plantas C3 (i.e. cafeeiro) pode ser didaticamente dividido em duas fases formadas por grupos de reações físico-químicas de extrema complexidade. Na primeira fase, conhecida como fase luminosa, a radiação visível é convertida em energia química por dois fotossistemas (FS I e FS II) captores de luz, localizados nas membranas internas dos cloroplastos (conhecidas como tilacóides), e que trabalham em série. Os produtos mais importantes nesta fase são o ATP (ou adenosina- 5’- trifosfatada) e o NADPH (ou fosfato da nicotina-amida reduzida), indispensáveis para a redução do CO2 a carboidratos, na fase seguinte. O oxigênio é o subproduto.
Apenas como ilustração, metaforicamente, o ATP é a moeda internacional de toda célula viva no planeta terra. O cérebro humano, por exemplo, consome cerca de 25% da energia livre obtida com a ingestão de alimentos. Ninguém sonha ou pensa, ou faz qualquer outra coisa, se o cérebro não tiver uma cota de ATP adequada!
A segunda fase da fotossíntese, conhecida como ciclo de Calvin-Benson,tem início com a etapa de carboxilação da ribulose-1,5-bisfosfato (ou RuBP), executada pela enzima ribulose 1,5-bisfosfato carboxilase/oxigenase (ou Rubisco), localizada nas regiões não-membranosas internas dos cloroplastos (conhecidas como estroma). A Rubisco é a proteína mais abundante deste planeta, podendo representar mais de 50 % das proteínas de uma folha ativa. Dessa reação são geradas duas moléculas de ácido 3-fosfoglicérico (ou 3-PGA), um composto de três C eprimeiro produto fotossintético estável das plantas C3, daí o seu nome.
Mas, a Rubisco é também uma enzima de oxigenação, neste caso promovendo a reação do O2 com a RuBP, gerando apenas uma molécula de 3-PGA e uma de ácido fosfoglicólico (2C). Este ácido é então, subsequentemente, oxidado a duas moléculas de CO2, que, no caso das plantas C3, é quase todo perdido de volta para a atmosfera. Esse processo é conhecido como fotorrespiração, ou seja, “respiração” que ocorre somente na presença de luz e nas regiões subcelulares formadas pela integração do trinômio cloroplasto/peroxissomo/mitocôndria, com passagens pelo citoplasma.
Ela é bem diferenteda respiração aeróbica dita “normal” ou, erroneamente, “respiração escura”, e que é comum a todos os seres vivos conhecidos como aeróbicos, aí incluído o ser humano, que se processa tanto à luz como na obscuridade, com a participação do citoplasma e da mitocôndria das células vivas.
A fotorrespiração, a depender da intensidade da radiação luminosa, da temperatura, das concentrações de CO2 e de O2, e do déficit hídrico, pode causar perdas de produtividade das C3 de 20% a 40%. O que importa mesmo é a relação das concentrações de CO2/O2, ao nível celular, pois esses elementos atuam competitivamente pelo sítio ativo da Rubisco. Quanto maior a relação menores as perdas.
Olha que se começa a falar bem do famigerado gás carbônico!
Mas, há bilhões de anos, com o advento da fotossíntese C3 – foi a primeira a surgir -, a atmosfera foi se enriquecendo em O2 e empobrecendo em CO2, com aumentos progressivos da fotorrespiração e do prejuízo para as plantas C3. Esta foi a grande pressão evolutiva para o surgimento das plantas C4. Desenvolveu-se, ao longo de milhões de anos, um sistema concentrador de gás carbônico, conhecido como anatomia Kranz, estrategicamente montados nalgumas células do mesófilo (células do interior das folhas) que circundam as células C3 do ciclo de Calvin-Benson, ricas numa enzima conhecida como carboxilase do ácido fosfoenol pirúvico (ou PEPcase).
A PEPcase apresenta altíssima afinidade pelo CO2, e não é influenciada pelo O2, ao contrário da Rubisco, que tem baixa afinidade. Nas células Kranz, o ácido fosfoenol pirúvico (3C) reage com o gás carbônico pela ação da PEPcase, produzindo o ácido oxaloacético(AOA), o primeiro composto estável, de 4C, daí o nomeplanta C4. Agora, o AOA se transforma em outros ácidos de 4C (ácido málico ou aspártico, dependendo da espécie), pelo uso de NADPH, que são transportados para as células próximas do mesófilo que contêm o ciclo de Calvin-Benson. Nestas células, o ácido málico sofre descarboxilação, produz mais NADPH, compensando o consumo anterior, liberando CO2, e gerando ácido pirúvico, que regressa às células especiais Kranz para regenerar o ácido fosfoenol pirúvico, com o consumo de ATP, e reiniciar o ciclo C4. Agora sim, o CO2, já no interior da folha, poderá ser reduzido a carboidratos, pela ação da Rubisco no ciclo de Calvin, como já se viu para as C3, sob a influência da luz, e com baixo risco de fotorrespiração em decorrência do aumento da relação [CO2]/[O2] no interior das células que contêm a Rubisco. E mesmo que haja alguma fotorrespiração, aquele CO2 que possa escapar da folha será recapturado pela ávida PEPcase e redirecionado à Rubisco, pela repetição do ciclo descrito aqui.
Mas, em biologia não há “almoço de graça”! As operações de transporte de ácidos orgânicos e concentração de CO2 custam mais 2 moles de ATP por mol de CO2 fixado, em adição aos 3 moles de ATP do ciclo de Calvin. Portanto, a eficiência energética da fotossíntese C4 é menor que a C3. Contudo, esse fato é em larga escala compensado pela ausência da fotorrespiração.
Mas, aqui surge o primeiro paradoxo: Em condições de baixa luminosidade, temperaturas amenas (e.g. 15 C a 25 C) e boa disponibilidade de água, ou seja, mais próximas do seu habitat natural, as plantas C3 são tanto ou mais produtivas do que as C4! E estas são as condições ideais para o cultivo do cafeeiro, uma planta C3. Daí as montanhas, as arborizações, a irrigação, os espaçamentos variados etc. na cafeicultura.
Agora vem o segundo paradoxo. Sabe-se, de longa data, que o fator do ambiente natural que mais limita a produção das plantas é o gás carbônico, e não a água, como em geral se crê (seus efeitos são indiretos). Isso é válido para os três tipos de plantas, mas especialmente para as C3 cultivadas fora do seu ambiente ideal, quando a fotossíntese é principalmente limitada pela concentração de CO2 junto ao sítio ativo da Rubisco.
Por outro lado, nas C4, a fotossíntese é mais limitada, nas condições tropicais e subtropicais, pela baixa taxa de difusão do CO2 através dos estômatos para o interior da folha. Nestes ambientes de elevada radiação solar, altas temperaturas e frequentes déficits hídricos, as C4, como se viu, desenvolveram um mecanismo bioquímico eficiente para a redução do gás carbônico, mesmo em baixíssimas concentrações; mas também tiveram que ajustar a abertura estomática para reduzir a perda de água por transpiração. Assim, a eficiência do uso da água é praticamente o dobro do das plantas C3, nas mesmas condições, mas o seu potencial produtivo fica limitado pelo CO2 interno. Principalmente para essas plantas, o aumento da concentração do gás carbônico na atmosfera, dentro de certos limites, mas por certo o dobro, aumentaria consideravelmente a produtividade primária.
Isto explica porque a irrigação suplementar aumenta tanto a produtividade de biomassa de plantas C4 como a cana de açúcar, em condições de secas extensas durante a fase de implantação e o período de grande crescimento, como tem sido demonstrado por inúmeras pesquisas. Uma possível explicação poderia ser a seguinte. A fase fotoquímica da fotossíntese da planta C4 não se satura mesmo às radiações tropicais máximas. No entanto, a temperatura das folhas diretamente expostas ao sol pode alcançar valores de 5 C a 10 C acima da temperatura do ar, especialmente se houver déficit de água no solo. Esta situação tem efeitos altamente deletérios sobre a fisiologia geral das folhas, especialmente as reações enzimáticas, com queda da taxa fotossintética, do transporte de fotoassimilados (relação fonte/dreno), foto-oxidação dos pigmentos dos cloroplastos, escaldaduras e, finalmente, redução do crescimento (menor turgescência celular) e, consequentemente, da produção de biomassa.
Mantendo-se o teor adequado de água, com a irrigação suplementar, as plantas podem dar-se “ao luxo” de abrir mais os estômatos, transpirar mais intensamente, com reduções significativas da temperatura foliar, permitir maior difusão de gás carbônico para o interior do mesófilo, apresentar maior fixação do C, distribuir melhor os fotoassimilados e, enfim, apresentar maior produtividade.
Concluindo, a produção de alimentos mais que dobraria se a concentração do CO2 atmosférico atual dobrasse de valor, desde que a temperatura não aumentasse na mesma proporção. Mas, é possível que a temperatura aumente a valores inadequados à vida, e, ademais, não se sabe exatamente o que ocorrerá ao regime pluvial da terra.
Bem, isso é outro assunto, altamente controverso, e, a despeito do que se pense, o gás carbônico continuará sendo ainda o principal fator limitante da produtividade vegetal no planeta terra por um bom tempo!