08/11/2012
Moldado por fortes experiências de vida, agrônomo usa a certificação para germinar florestas sustentáveis
CRISTIANO CIPRIANO POMBO ENVIADO ESPECIAL A RIO BRANCO (AC)
“Na verdade, posso dizer que não sou o cara que tem mil ideias. Sou apenas aquele que tem capacidade para enxergar algumas oportunidades e fazê-las acontecer.”
O jeito simples como se autodefine e o sotaque caipira contrastam com a intensidade com que Luís Fernando Guedes Pinto, 41, atua como engenheiro agrônomo, empreendedor, professor e pai.
Desde a infância em Brasília, ele surpreende, seja pelo altruísmo, seja pelo propósito com que realiza suas ações.
Um retrato dessa fase, em que brincou muito na rua, foi a reação após ter tomado rasteira por trás e batido o rosto no chão, o que resultou em dente quebrado, inflamação e até cirurgia. Em vez de mágoa e briga, o caso fez com que fortalecesse a amizade com quem o derrubou.
E foram eventos fortes como esse que moldaram o engenheiro agrônomo. Dois deles não lhe saem da cabeça devido à tensão experimentada e ao risco a sua saúde.
O primeiro está ligado aos atentados do 11 de Setembro.
Casado havia três anos com a engenheira agrônoma Simone e pai do recém-nascido Eduardo, Luís estava com a família na Indonésia, onde cursava pós-graduação. Eles moravam numa comunidade muçulmana carente, o que os deixou num turbilhão de hostilidades resultantes da queda das torres gêmeas.
“Havia discriminação por vivermos entre muçulmanos e, por parecermos ocidentais, hostilidades de simpatizantes de muçulmanos. Mas lá aprendi que pobreza não é sinônimo de violência.”
PROFISSÃO EM RISCO
Após os eventos na Ásia, Luís viu ameaçada até sua profissão. Isso porque, durante trabalho social no Pontal do Paranapanema (SP), ele contraiu leishmaniose, doença crônica cutânea que chega a afetar coração e rins. “Quase morri. Ainda tenho marcas no corpo.”
Mesmo assim, a experiência no Pontal marcou Luís mais pela chance de “ajudar o próximo” do que pelo risco de voltar a contrair outra doença em locais como a mata, a caatinga ou o cerrado.
A forma abnegada como avalia cada situação revela muito do que absorveu dos pais. Também engenheiro agrônomo, o pai o ensinou a entender o “setor público”, o “trabalhar para o coletivo”. A mãe, socióloga, incutiu nele a paixão pelo contato com a natureza ao ver o pôr do sol.
Luís, a seu jeito, seguiu essas influências. Como o pai, formou-se na Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo), onde foi apelidado de Pakinha (referência a um grilo) e conheceu Simone, mãe de seus filhos.
Simone, aliás, é a maior testemunha das escolhas do marido. “Sou suspeita para falar, mas o Luís se destaca por ser muito coerente.”
Tanta insistência em “trabalhar com a natureza e o social” o fez tomar decisões que o levaram ao Imaflora, instituto de certificação de produtos e de comunidades.
Primeiro, abriu mão da segurança financeira ao recusar cargo em multinacional na qual fora aprovado em concurso acirrado. Depois, deixou o funcionalismo público de Campinas (SP) por crer que a máquina governamental o afastava de sua missão.
Mas, no Imaflora, expôs seu potencial. Tanto que até fez mudar o nome da ONG, que era Imaflor e foi rebatizada após Luís desenvolver todo o caminho para a certificação agrícola que implementou no instituto.
Para isso, foi militante, seguiu cadeias de produção, educou desde fazendeiros até comunidades inteiras, conviveu com índios e trabalhadores rurais, assimilou críticas, usou terno pela primeira vez e até sofreu ameaças.
Tudo para tornar a certificação acessível ao número máximo de pessoas -atinge mais de 80 mil trabalhadores.
Entre seus feitos, Luís se orgulha de estar na rotina da mulher e dos filhos, Eduardo, 12, e Alexandre, 9, de levá-los para brincar nas ruas de Piracicaba (SP), de exigir atenção a horários, além de surfar, tocar bateria e repassar sua expertise como professor.
“Por querer levar sustentabilidade a todo lugar que vou, sei que remo contra a maré. Mas o bom é que aprendi a não desistir nunca”, diz.
INOVAÇÃO
O Imaflora participou da criação do FSC (Conselho de Manejo Florestal) e da RAS (Rede de Agricultura Sustentável). É a única ONG que tem um fundo social de apoio à certificação de pequenos agricultores
IMPACTO SOCIAL
Conduz certificações em 140 empreendimentos de 25 Estados do Brasil e da Argentina, agregando 83 mil trabalhadores, além de liderar projetos comunitários no Pará e na Bahia, com 3.000 beneficiários diretos
SUSTENTABILIDADE
Fundada em 1995, a ONG tem 110 colaboradores (55 celetistas) e um orçamento anual (2012) de R$ 12,7 milhões. Apresenta conselho diretor ativo e fundos de reserva patrimonial e social que totalizavam R$ 3 milhões em fins de 2011
CERTIFICAÇÃO
Estimula melhorias ambientais, sociais e econômicas. Contribui para a conservação dos recursos naturais, proporciona condições justas para os trabalhadores e promove o desenvolvimento local na comunidade próxima à área, à propriedade ou à empresa certificada
DESMATAMENTO
O Brasil ainda é líder mundial de desmatamento, seguido de Indonésia e Austrália (FAO/ONU, março/2010)
40 milhões de m³ de madeira foram movimentados na Amazônia, mas apenas 9 milhões de m³ vieram de manejo florestal (Governo Federal, agosto/2006)
Imaflora atua como Robin Hood de comunidades
DO ENVIADO ESPECIAL
À parte ser responsável por 42% das florestas plantadas no Brasil e atuar em 530 projetos, o Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) se diferencia pelo jeito de atingir objetivos.
O instituto é a primeira ONG do país a trabalhar com o conceito de floresta certificada do FSC Internacional (Forest Stewardship Council) e o precursor de parâmetros para certificar produtos, como o café, e comunidades, como a Kayapó, da Terra Indígena do Baú (PA).
Sua atuação se estrutura em dois pilares. Um é a transparência nas auditorias em campo e no trabalho do conselho diretor, que ajuda a traçar rumos do instituto.
O outro está na paixão, ao agir como Robin Hood, tirando de projetos onde ganha mais para investir em comunidades carentes, e ao liderar a criação de parcerias e organizações, como a Rede de Agricultura Sustentável.