As 20 lições do agronegócio para a Rio+20

19/06/2012 
 
Com tecnologia, o Brasil saiu de uma produção de 33 milhões de toneladas, em 1973, para cerca de 160 milhões, em 2012
 
por redação Globo Rural


Nos anos 70 do século passado, brasileiros do Sul e Sudeste empreenderam uma longa jornada rumo ao Brasil Central. A partir de estímulos governamentais para a ocupação do interior e premidos pela escassez de terras para produzir, milhares de famílias de agricultores aceitaram o desafio de desbravar uma vasta região ainda desconhecida, a milhares de quilômetros da terra natal.


Depararam com um ecossistema peculiar: o Cerrado, de vegetação arbustiva, solos extremamente pobres em nutrientes e com forte presença de alumínio. As extensas áreas planas, porém, eram aptas à mecanização, proporcionando a rápida conversão da vegetação nativa em lavouras e pastagens.


Sem tecnologia apropriada, era difícil tornar a atividade agropecuária economicamente viável. Nesse período, o governo brasileiro criou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), instituição hoje reconhecida em todo o mundo por sua excelência em agricultura e pecuária tropicais. Foram então viabilizadas as primeiras variedades de soja, arroz, feijão, milho e algodão adaptadas às condições edafoclimáticas do Centro-Oeste, transformando o cenário agreste do Cerrado num oceano de lavouras. Beneficiados pelos aportes da ciência agronômica, os agricultores brasileiros saíram de uma produção de 33 milhões de toneladas, em 1973, para cerca de 160 milhões de toneladas, em 2012. A produtividade média evoluiu de 1.000 quilos por hectare para 10.000 quilos.


Por conta disso, 80 milhões de hectares deixaram de ser abertos. A área agrícola apenas dobrou no período – foi de 30 milhões para 60 milhões de hectares. Tecnologias como plantio direto, melhoramento genético e biotecnologia, a segunda safra e a integração lavoura-pecuária-floresta contribuíram para manter o solo produtivo e elevaram a rentabilidade.


Essas inovaçõesconvergem para um sistema de produção que mantém a propriedade produtiva o ano todo, o que resulta em benefícios para toda a sociedade. Esta edição, dedicada à Rio+20, tem o propósito de atualizar as informações sobre as técnicas que transformaram o país, em 30 anos, de importador de alimentos em um dos maiores exportadores globais – mantendo intocados 61% dos recursos naturais.


1. INTEGRAÇÃO LAVOURA PECUÁRIA FLORESTA


Ressurreição do arenito
Tecnologia pode recuperar 2 milhões de hectares de solo degradado no Paraná e abrir uma nova fronteira para o país


Norberto Staviski
O noroeste paranaense, com 107 municípios e 3,5 milhões de hectares, entre a terra roxa do norte e o Rio Paraná, é um exemplo de como não se deve retirar a cobertura florestal de uma área para praticar a agricultura. Ocupada a partir de 1940 com café e, depois, com algodão e gado, a região está assentada sobre um solo 80% arenoso, denominado Arenito Caiuá, terreno frágil ao extremo, propício a voçorocas e perda da camada fértil a qualquer chuva. Destoa do resto do Paraná, onde se pratica uma das mais produtivas agriculturas do país, e transformou-se na região mais pobre do Estado.


A boa notícia é que a mesma agricultura que, praticada de maneira descuidada, transformou terra fértil em milhões de hectares de pastos pobres, com menos de um boi por hectare e tempo de engorda de quase quatro anos, tem fórmula pronta para alterar essa paisagem quase estéril e fazer com que o Paraná volte a ter papel importante na pecuária brasileira – e, de quebra, aumente a produção de grãos. Trata-se da integração lavoura-pecuária-floresta, projeto que, de um ano para cá, teve seu ritmo acelerado graças ao trabalho de grandes cooperativas locais, como a Cocamar e a Coamo, que estão apostando boa parte de seu crescimento futuro nos ganhos obtidos por quem entra no sistema.


A solução é quase um passe de mágica: transformar propriedades decadentes e improdutivas em fazendas bem mais rentáveis do que a média. O produtor ganha duplamente: por um lado, com a introdução da soja nos campos, o pecuarista ganha com a boa produtividade do grão e, por outro, com a melhora da situação das pastagens durante o ano inteiro, consegue alojar pelo menos duas vezes mais animais por hectare em sua propriedade, além de reduzir o tempo de engorda média do noroeste para 18 meses. Para se ter uma ideia, durante os meses de inverno é possível manter duas cabeças de gado por hectare engordando em média 800 gramas ao dia, hoje algo inimaginável para o arenito. Além disso, há a renda com madeira e lenha provenientes de reflorestamento com eucalipto, principalmente, que vem crescendo nos últimos três anos, ou mesmo projetos com seringueiras, que dão sombra e conforto ao gado numa região onde é comum as temperaturas passarem dos 40 graus célsius no verão.


Quem entrou na integração na área do arenito não tem queixas. O produtor Oswaldo Zaguine, de 58 anos, com uma propriedade de 1.800 hectares no município de Perobal, está na fase final da implantação iniciada há quase dois anos e pretende fechar o ciclo de toda a sua propriedade em mais um ano, dentro de uma rotação na qual 50% dela permanece com pasto definitivo e 50% com pasto que é substituído todos os anos por soja. Ainda faltam 580 hectares de área para recuperar, mas ele comemora os resultados. “No sistema antigo, não conseguia passar de 1.320 cabeças e não tinha a renda da soja. Hoje, estou com 2 mil cabeças de gado cruzado e pretendo chegar a 4 mil em 2013.” O produtor usa também a braquiária-piatã para o pasto em que será plantada a soja com ótimos resultados. “Em 2010, com a safra normal, colhi 62 sacas de soja por hectare e, em 2011, mesmo com a seca, a colheita foi de 38 sacas.” Zaguine mantém seis funcionários na propriedade, quatro cuidando da agricultura e dois da pecuária. “Foi a primeira vez em minha vida que sobrou pasto no inverno e, neste ano, vendi 20.000 sacas de soja a R$ 58. Tudo isso já aumentou a renda da propriedade em 55%, chegando a R$ 2,5 milhões por ano. Mas, ao final, somando tudo, vai dar para dobrar isso”, diz, animado com os números e com as receitas extras.


A mesma sensação de euforia pode ser encontrada no pecuarista Antonio Cesar Pacheco Formighieri, da Fazenda Santa Felicidade, no município de Maria Helena. De tradicional família da região, ele cria gado na fazenda de 363 hectares que herdou do avô e assumiu no ano 2000. Ele tentou, no início da integração, há cinco anos, plantar soja e aveia no inverno, mas a propriedade só deu um salto respeitável quando passou a utilizar braquiárias, dentro de uma rotação de áreas que mantém 50% de pastagens intercaladas com agricultura e 50% com pastos definitivos. “Minha propriedade roda completamente a cada dois anos, está com 430 animais e vou colocar mais 200 neste ano. Parte do rebanho é de gado leiteiro, e estou há dois anos sem usar silagem no inverno”, conta. Ele colheu 60 sacas por hectare de soja em 2011, vendidas a R$ 51 cada, e 51 sacas por hectare em 2010, comercializando um total de 5.400 sacas, com um custo de produção de pouco menos de 20 sacas por hectare. “Recuperei minha terra sem custo”, diz, “e a receita cresceu 80%, chegando a R$ 1,3 milhão no ano”. Ovizinho notou a diferença e foi conversar: “Ele ofereceu a terra para que eu plante sem cobrar arrendamento, só para recuperá-la”.


Formighieri começou a plantar eucalipto nas terras mais fracas há sete anos e já tem 30 hectares ocupados, mas decidiu inovar. “Vou começar o plantio de abacatedas variedades margarida e geada nas curvas de nível. São 750 mudas que vão dar sombra no calor e, além disso, ganho com as frutas e com a madeira no final do ciclo.”


Em Cafeara, Paulo Roberto Carvalho, que há quase dez anos faz testes com a integração em 380 hectares e é um dos pioneiros na região, decidiu pedir de volta 110 hectares que havia arrendado para ver sua receita crescer mais. “Está tão evidente que esse negócio dá certo que sua difusão não era para dar tanto trabalho. Acredito que é o medo de não saber fazer, é algo psicológico, porque não é receio técnico nem econômico”, diz ele.


O presidente da Cocamar, Luiz Lourenço, concorda, mas vê a situação mudar. “No campo, o brasileiro faz muita coisa por imitação e não a partir do conhecimento de ideias ou de tecnologia. No momento em que ele vir que o vizinho tem a terra melhor, o pasto mais verde e uma renda maior, vai imitá-lo, e aí o sistema deslancha.”


Atualmente, diz Lourenço, o pecuarista da região investe R$ 50 por hectare em insumos na propriedade. “Com os ganhos da integração, terá de investir R$ 2.000. Para a Cocamar, somente esse detalhe é motivo para movimentar toda a economia desses municípios onde atuamos.” Pelo menos 80% da área de abrangência da cooperativa está dentro dos problemas do arenito e, ao longo dos anos, várias soluções – como a laranja e o bicho-da-seda – foram testadas para criar renda – sem grandes resultados. A Cocamar encampou a ideia e, se o projeto funcionar, deve quase dobrar de tamanho somente com o aumento do recebimento da produção de grãos, ela que faturou R$ 2 bilhões em 2011. A cooperativa está colocando toda a sua força de assistência técnica, com uma equipe de 90 agrônomos, para dar auxílio aos produtores. Além disso, as propriedades demonstrativas, onde a integração foi executada, subiram neste ano de 12 para 40, espalhadas por todo o arenito.


“Este é o momento certo para o programa crescer, porque, apesar de ter 15 anos de pesquisa, somente há quatro chegou-se a um modelo que traz resultados tão fortes, que impressionam o pecuarista”, resume o agrônomo Rafael Franciscatti dos Reis, que coordena a implantação do programa na Cocamar. “Hoje, estamos nas melhores condições técnicas para desenvolver o sistema em grande escala”, acrescenta. A introdução da variedade de soja transgênica de crescimento indeterminado e da braquiária-ruziziensis são os responsáveis pelo sucesso obtido. O controle do capim, rústico e de fácil adaptação, é mais fácil de ser feito do que quando é plantado com a soja convencional. Além de alimentar o gado em plena entressafra, garante palhada suficiente para o plantio direto de soja na safra de verão, já que alternativas que comprovadamente funcionam, como o azevém e a aveia, não servem para a região. Mas não é apenas isso. Segundo Franciscatti, com a degradação das pastagens e a baixa produtividade, o pecuarista tradicional não consegue manter mais o alto padrão de vida ao qual está acostumado e ficou sem uma saída que lhe permita continuar na atividade.


OS DOIS LADOS DA MOEDA


No Paraná, a integração lavoura-pecuária-floresta está se dando em duas frentes. Numa delas, o agricultor se transforma também em pecuarista: produz soja no verão e carne no inverno, fugindo principalmente dos preços baixos do trigo. Isso tem acontecido com algum sucesso nas áreas dos municípios de Ponta Grossa e Guarapuava e também em Campo Mourão, área de atuação da cooperativa Coamo, somando uma área convertida na faixa dos 400.000 hectares. O outro lado da moeda é a transformação do pecuarista em produtor de soja, tarefa que até aqui resultou na conversão de apenas 10.000 hectares. “Nos dois casos, o produtor precisa se adaptar a uma novidade, mas é muito mais fácil o agricultor entrar na pecuária do que o pecuarista aprender agricultura”, afirma o coordenador do programa no Paraná,Sérgio Alves, do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), que há mais de 15 anos pesquisa formas de integração da lavoura com a pecuária como solução para aumentar a renda do campo. “Esse é o grande entrave do sistema. Mudar a mentalidade do criador de gado. Estamos tentando uma fórmula junto ao Banco do Brasil para que os mais reticentes possam fazer parcerias com produtores de grãos e os dois toquem juntos a integração”, diz Luiz Lourenço. Outro ponto é também mudar a mentalidade da assistência técnica. “Pouca gente do setor acredita no sucesso da iniciativa, mas ela já quebrou paradigmas, como o de que o gado deixa o solo compactado para o plantio de soja. Na verdade, o gado melhora a terra e a produtividade da soja”, acrescenta Sérgio Alves.


O POTENCIAL DO ARENITO CAIUÁ


Dos 3,5 milhões de hectares de terras disponíveis para agricultura na região do Arenito Caiuá, 700.000 hectares estão ocupados com cana-de-açúcar, 90.000 com café, 200.000 com reflorestamento de eucalipto e mais 500.000 hectares com outras culturas, principalmente mandioca. Restam 2 milhões de hectares que, se convertidos, podem começar a produzir grãos, o que deve restaurar as condições econômicas de uma região sem saída visível até agora. Para financiar projetos de conversão, o programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono), do governo federal, tem dotação de recursos de R$ 3,15 bilhões, com juros subsidiados de 5,5% ao ano e entre oito e 12 anos para pagamento.


2. ECOFOGÃO
As Marias da Mata Atlântica
No Semiárido, produtoras rurais dão aula sobre economia… de lenha


Viviane Taguchi
O sol não perdoa o Semiárido. Seca a vida que brota do chão e do coração das Marias deste chão. E elas são muitas: Rita, Quitéria, José, Das Dores. Todas trabalhadoras. Acordam às 4 horas da manhã e vão para a roça. Nasceram e cresceram em lugares quase esquecidos, longínquos, mas rodeados por uma riqueza sem preço, a Mata Atlântica. É desta mata, invadida há cinco séculos, que elas tiravam o sustento da família, desmatando. “Não sabíamos que era como ferir a mata. Dependemos de lenha para cozinhar, o gás é caro. A gente cortava o que podia”, conta uma das Marias, a José da Silva, de 42 anos, 12 filhos. Esta Maria, apelidada Lia, é uma das mães do Assentamento Dom Hélder, de 375 hectares, localizado em Murici (AL), escolhidas para receber um ecofogão, utensílio criado pelo projeto Produzir e Conservar, orquestrado pela Monsanto, pela ONG Conservação Internacional (CI), pela Associação para Proteção da Mata Atlântica do Nordeste (Amane) e pelo Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan). O fogão reduz o uso doméstico de lenha em 60%, evitando o desmatamento de espécies nativas da Reserva Ecológica de Murici. Desde então, arotina das Marias está diferente nos assentamentos Dom Hélder e na agrovila Che Guevara. Não vão mais à mata cortar árvores, cozinham com galhos que caem no chão. “Antes, eu usava uma carroça de lenha por semana. Hoje, a carroça dá para mais de mês”, diz Lia. “Enão respiro mais a fumaça preta, que dava uma tosse danada. Agora, ela sai pela chaminé”, festeja. Segundo o Cepan, uma família de cinco pessoas demanda 500 quilos de lenha por ano para cozinhar nos fogões tradicionais, mas a maioria das famílias tem entre dez e 12 membros. “Os problemas de saúde devido à aspiração da fuligem são graves. Quase todas as crianças têm asma”, diz Rodrigo Severino, diretor do Cepan.


“A meta é instalar 10 mil”, diz Severino. O ecofogão é simples, feito de concreto, aço e cerâmica. Pesa 80 quilos. A tubulação de cerâmica dentro do concreto permite que se use menos lenha e a chaminé elimina a fumaça. Cada ecofogão sai por R$ 280, pouco mais que um fogão a gás. “Devido aos problemas de logística, no Semiárido um botijão de gás custa três vezes mais”, conta Fábio Pereira, técnico agropecuário da Amane. Maria Quitéria tem um fogão a gás em casa, mas quase sempre lhe falta dinheiro para o combustível. “Ou compro gás ou remédio”, diz.


3. MERENDA ESCOLAR
Comida boa vem de perto da escola
Merendas trazem frutas, peixes e doces de pequenos produtores locais


Alana Fraga
No intervalo entre uma refeição e outra no Centro Estadual de Educação Profissional Agrícola de Toledo (PR), os estudantes passaram a consumir, neste ano, kiwi, maçã, jabuticaba, abacaxi e outras frutas cultivadas por agricultores familiares das proximidades da escola. A merenda também foi incrementada com cucas, bolachas, bolos caseiros, melado, rapadura e canjica produzidos por cooperativas de pequenos produtores rurais. ”Desde o primeiro ano da escola, esse tem sido o melhor. Antes, não tinha frutas todos os dias nos intervalos nem com muita variedade”, conta o estudante do ensino médio Wagner Grade, de 17 anos.


Do outro lado do país, na Escola Estadual Senador Flávio da Costa Brino, em Manaus (AM), cupuaçu, açaí, farinha de tapioca, queijo de búfala, peixes regionais, dentre outros produtos da agricultura familiar, deixam mais rica e gostosa a alimentação dos estudantes. “A merenda era muito industrializada e não existe mais estrago de comida”, explica a diretora, Eliana Almeida.


Desde que a lei 11.947/09, que prevê que, no mínimo, 30% do total de recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), para a merenda escolar sejam destinados à compra de produtos diretamente da agricultura familiar, os benefícios não foram apenas na alimentação dos alunos. O pequeno produtor passou a ter garantia de renda com a comercialização da produção.


Neste ano, o orçamento do Pnae é de R$ 3,3 bilhões, para atender aproximadamente 43,5 milhões de estudantes no país. E pelo menos R$ 990 milhões devem “chover” nas hortas dos agricultores familiares.


4. CÓDIGO FLORESTAL
Brasil discute como produzir e preservar
Brasil é o único país a discutir harmonia entre meio ambiente e agronegócio


Luciana Franco
O novo Código Florestal brasileiro é o terceiro do país e tramitou no Congresso Nacional por 13 anos. O documento sofreu diversas modificações desde que foi apresentado pela primeira vez, dividindo ruralistas, ambientalistas e estudiosos. Com a expansão da atividade agrícola no Brasil, surgiu na década de 1990 a ideia de flexibilizar o Código Florestal de 1965. Em 2008, começaram as discussões para reformular o documento. Em 2010, ficou pronto o relatório do novo código, que teve como relator o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). As principais mudanças propostas no documento são a permissão para o cultivo em Área de Preservação Permanente (APP), a diminuição da conservação das matas ciliares nas margens dos rios, a isenção de multa e penalidade aos agricultores que desmataram até junho de 2008 e a liberação de cultivo nas encostas e topos de morros. A reformulação do Código Florestal brasileiro coloca o país em posição de destaque, por ser o único do mundo que vem discutindo leis que harmonizem conservação ambiental com a atividade agrícola.


5. CRÉDITO DE CARBONO
Campeã desde 1957 em conservação


Fazenda em Guararapes (SP), do nelorista José Luiz Niemeyer, vai neutralizar emissão de carbono de empresas americanas e alemãs
Sebastião Nascimento


Quando o assunto é a preocupação em preservar o meio ambiente, pode existir fazenda igual a ela. À frente, é difícil. Já em 1957, a Terra Boa, em Guararapes (SP), recebeu o título de campeã regional conservacionista, outorgado pelo governo do Estado de São Paulo. Depois vieram outros, respeitados também: em 2005, o ISO 14001, da Organização Internacional de Normalização, e, no ano passado, a certificação Global G3, da Associação Nacional dos Criadores e Pesquisadores.


Pertencente ao nelorista José Luiz Niemeyer dos Santos, a Terra Boa agora consolida seu projeto de sustentabilidade. Vai passar a receber pelo plantio de árvores para compensação das emissões de carbono feitas por grandes indústrias da Alemanha e dos Estados Unidos. “Foi realizada uma auditoria internacional com resultados positivos no mês passado e já neste mês teremos a emissão dos primeiros certificados de créditos de carbono do projeto CarbonFix”, informa Rangel Romão, da Atlântica Simbios, empresa que preparou o projeto.


Esse programa orienta a fixação de carbono por meio da restauração da vegetação nativa da Terra Boa. Compreende uma área de 345 hectares e está semeando ou já tem lá plantado um total de 80 espécies, como aroeiras, cedros, ipês, pitangueiras, etc., e recebe orientação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo.


Niemeyer explica que o conceito de sequestro de carbono foi consagrado pela Conferência de Kyoto, em 1997, e seu objetivo é conter e reverter o acúmulo de gás carbônico na atmosfera. Sua fazenda é uma das duas de São Paulo a fazer o inventário. Outros projetos têm conceito distinto, pois estão localizados na Floresta Amazônica.


Advogado formado pela Universidade de São Paulo (USP) que nunca exerceu o ofício, ele lembra que, há 15 anos, quando o assunto era novidade, a Terra Boa já havia registrado em cartório 360 hectares, de um total de 1.780 hectares, como reserva legal. “Para se ter ideia, já em 1957 meu pai fazia curvas de nível, hoje uma atividade considerada normal nas fazendas.”


Niemeyer se sente orgulhoso com a certificação da Associação Nacional dos Criadores e Pesquisadores, da USP, que reconhece a excelência da Terra Boa com, entre outros itens, o treinamento e o bem-estar de seus funcionários. “Aqui, quem economiza água e luz ganha prêmios”, afirma Niemeyer.


A Terra Boa está entre as top 10 da seleção de tourinhos nelore puros. Faz também recria e engorda. Intensifica o trabalho com o gado, visto que, em 200 hectares, Niemeyer planta cana. “O canavial vai crescer. É uma tendência em São Paulo”, observa.


6. RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
Solução à vista
Proposta de aproveitamento econômico das áreas degradadas pode viabilizar recuperação das APPs com lucro


Sérgio de Oliveira
A malha hidrográfica do município de Juína, no noroeste de Mato Grosso, é um emaranhado de nascentes, filetes d’água, córregos, riachos e rios de várias larguras, dos quais o Juruena é o de maior porte. Imagens de satélite mostram a situação dramática desses mananciais: excetuando-se os 60% do município (1,6 milhão de hectares) que são reservas indígenas, as áreas colonizadas (1 milhão de hectares) exibem elevado grau de degradação em torno das nascentes e cursos d’água – as chamadas Áreas de Proteção Permanente (APP). Segundo levantamento da Secretaria de Agricultura, Mineração e Meio Ambiente de Juína, 90% das APPs precisam ser recuperadas. À primeira vista, é um caso sem solução. “Mas tem”, dirá um entrevistado mais adiante.


Valdecir Nunes de Lima – e outros pequenos produtores –, que deixou Umuarama ( PR) em 1981 com pai, mãe e oito irmãos, tem dificuldade de entender que os 43 hectares que toca com três dos irmãos estão irregulares perante a lei ambiental. “Antes, a gente trabalhava livre, ia derrubando a mata e plantando café atrás. Agora, não podemos mais fazer o que a gente quer. Tivesse vindo essa lei no começo, tivesse orientação…”, reclama.


A lei (o Código Florestal então em vigor, de 1965, que passou por revisão no Congresso) existia, porém, o poder público fez dela letra morta diante do desafio de ocupar a Amazônia, sob o lema “Integrar para não entregar”. Valdecir lembra que os mais velhos diziam que ali seria os Estados Unidos no futuro. Preocupado com a pressão ambiental cada vez mais próxima de seu sítio – pela imagem do satélite ele vê até o caminho do gado em direção à aguada –, Valdecir deixou de plantar arroz na várzea à beira do córrego que cruza a propriedade; espera que a vegetação ciliar se recupere naturalmente. Mas as medidas exigidas pelo Código Florestal antes da revisão estão longe de ser obedecidas. Caso isso fosse feito, Valdecir perderia boa parte da terra utilizada na produção de café, milho, feijão e criações de galinhas, porcos e gado. Ele torce o nariz para essa possibilidade.


A recuperação de áreas degradadas de pequenas propriedades vem sendo discutida pelo diretor da Associação dos Piscicultores de Mato Grosso (Aquamat), Francisco das Chagas de Medeiros. Para ele, a solução está na formação de lagos artificiais nas APPs degradadas para a criação de peixes, por meio do barramento dos cursos d’água. As vantagens, segundo ele, são várias: recuperação do estoque de água do lençol freático, redução de enxurradas e erosão das margens desmatadas, controle de enchentes e geração de renda com a piscicultura, com utilização de espécies nativas e ração de origem vegetal – basicamente soja e milho, de grande produção no Estado.


Com a piscicultura, o produtor passa a ter, segundo Medeiros, uma renda bem superior à que obtém com o gado: a receita de 1 hectare, diz ele, equivale à de 100 hectares de pecuária de corte.


A recuperação da vegetação no local deve ser feita com espécies de valor comercial – cupuaçu, açaí, café, pupunha, guaraná, castanha-do-brasil – que irão garantir uma nova fonte de renda para o produtor. No meio das linhas do plantio, nos primeiros anos, o agricultor poderá plantar milho, feijão e outras culturas de ciclo curto que não revolvam o solo.


Uma terceira fonte poderá ser a produção hidropônica de hortaliças, aproveitando-se os efluentes gerados pelos peixes. O produtor João Batista Neto, paulista de 64 anos que chegou a Juína em 1980, intuitivamente vem fazendo boa parte do que Medeiros apregoa. Em seus 12 hectares nos arredores da cidade, ele tem 1 hectare de mata – um antigo seringal onde introduziu o açaí, palmeira que produz polpa e palmito muito apreciados na região – e está formando mais um talhão com plantas perenes de valor comercial, como castanha-do-brasil e cupuaçu. Também cultiva café e possui vacas na pequena propriedade. Seu xodó, porém, são os tanques de peixes com espécies como tambaqui e tambatinga – uma espécie de pintado da Amazônia. João Batista tira dos tanques 10.000 quilos de peixe por ano, que lhe garantem a maior parte da renda da propriedade. Ao redor da piscicultura, crescem espécies arbóreas.


É um começo, mas pode significar um grande avanço rumo à recuperação ambiental na Amazônia. As pequenas ações já mostram resultados animadores: araras, bugios, pacas e cotias, além de pássaros menores, retornam aos poucos aos antigos hábitats, atraídos pela vegetação protetora.


7. AGROENERGIA
A força que vem do campo
País é vanguarda mundial quando o assunto é fonte de energia limpa e renovável


Viviane Taguchi
A reinvenção da indústria canavieira abriu espaço para o Brasil criar uma forte indústria de energias limpas e renováveis: etanol, biodiesel e bioeletricidade gerados a partir da biomassa estão ganhando o mercado de forma acelerada. O etanol de cana-de-açúcar é um combustível bem menos nocivo ao ambiente do que a gasolina, por emitir 60% menos gás carbônico. E, como resultado de sua produção, tem-se o bagaço, transformado em bioeletricidade, o que torna 99,8% das usinas brasileiras autossuficientes em eletricidade, gerando ainda excedente para ser comercializado. O país tem 423 usinas e, em 2011, produziu 21 bilhões de litros de etanol, e a bioeletricidade representou, no mesmo período, 31% de toda a geração termelétrica do país. O biodiesel ganhou força a partir de 2005, com o lançamento do Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel (PNPB) do governo federal, que impõe regras para o desenvolvimento social, econômico e ambiental da cadeia, hoje composta por um parque industrial com capacidade para produzir 6 bilhões de litros e por mais de 100 mil famílias de pequenos agricultores, que movimentam algo em torno de R$ 1,2 bilhão. Para obter o biodiesel, usam-se soja, sebo bovino, caroço de algodão, girassol, mamona e canola. No Brasil, cada litro de óleo diesel fóssil leva 5% de biodiesel. Até 2014, essa mistura deve ser elevada a 7%.


VINHAÇA VIRA BIOELETRICIDADE
Em Vitória de Santo Antão (PE) está a primeira usina de vinhaça do mundo, capaz de transformar o subproduto da fabricação do etanol em bioenergia. A Cetrel, empresa que otimiza resíduos industriais líquidos, instalou-se junto à Companhia Alcooquímica Nacional, do Grupo JB. Salomão Sadigursky, coordenador do projeto, diz que a unidade usa 20% da capacidade de geração de energia a partir da vinhaça, algo em torno de 1.000 m³ por dia, para gerar até 0,85 MW de biogás em motogeradores. O resultado são 612 MWh de energia comercializados no mercado livre por mês. “A unidade terá capacidade para gerar 4,5 MW”, diz. A vinhaça passa por um processo de biodigestão, produzindo um gás composto de 80% de metano, mais eficiente para a indústria e menos poluidor. Com a produção nacional de etanol, em torno de 25 bilhões de litros, são gerados 300 bilhões de litros de vinhaça, suficientes para produzir 3.600 MW, ou 45% da capacidade da Hidrelétrica de Jirau.


8. FIM DAS QUEIMADAS
Adeus à poluição nas regiões canavieiras
Mecanização evitou emissão de 19,4 mi de toneladas de gases causadores do efeito estufa


Luciana Franco
O Protocolo Agroambiental da Cana-de-Açúcar, lançado em junho de 2007 pelas secretarias de Agricultura e de Meio Ambiente de São Paulo juntamente com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), foi determinante para a redução da queimada da cana e das emissões de gases de efeito estufa na principal região produtora de açúcar e álcool do Brasil. A queima da cana é uma prática antiga, que serve para tirar as folhas das lavouras e facilitar o corte para o trabalhador, mas os efeitos nocivos dessa técnica vão desde o prejuízo à saúde do cortador e da população do entorno dos canaviais, que ficam suscetíveis a problemas respiratórios, até os danos ambientais, uma vez que há concentração na atmosfera de monóxido de nitrogênio, dióxido de nitrogênio e amônia.


Uma lei estadual estabelecia o fim da queimada nas áreas com declividade de até 12% em 2021 e nas áreas com declividade superior a 12% em 2031, mas o acordo assinado entre governo e usineiros visava justamente à antecipação do fim da prática. De acordo com um balanço da Secretaria do Meio Ambiente, na safra 2011/2012, a mecanização alcançou 65% da área colhida no Estado, o que evitou a emissão de 19,4 milhões de toneladas de gases causadores do efeito estufa. O governo paulista acredita que 100% das áreas planas de cana estarão mecanizadas até 2014. Um processo que, segundo estimativas, vai desempregar até 300 mil pessoas. Em resposta a essa situação, a Unica criou o programa RenovAção, que pretende requalificar 8 mil trabalhadores retirados das lavouras


9. GENÉTICA
Produzir mais carne sem desmatar
Tecnologia e melhora genética tornam rebanhos mais produtivos


Sebastião Nascimento
Programas de melhoramento genético fincaram um marco na pecuária e delimitaram o antes e o depois de sua introdução. Trazem retornos econômicos à medida que aperfeiçoam a genética dos rebanhos, tornando-os mais produtivos. Têm ainda uma forte pegada sustentável, já que, no caso do corte, animais avaliados, permitem a engorda rápida e o boi vai mais cedo para o abate. É menos pasto, menos água e menos metano, um dos gases responsáveis pelo efeito estufa.


Responsável pelo programa de melhoramento genético da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), Carlos Henrique Cavalari explica que a tecnologia é fundamental para selecionar o gado do futuro. “Quando nasce um bezerro, já podemos ter uma expectativa de seu desempenho como pai.” Tudo começa com os técnicos da ABCZ efetuando provas zootécnicas nas fazendas entre o gado de menos idade. As informações são passadas para um banco de dados nacional da entidade, pois a variabilidade é primordial para o progresso dos programas. Essa genética avaliada e comprovada é transferida aos médios e pequenos produtores. Somente em 2011, 4 milhões de zebuínos entraram no processo de avaliação. Cavalari adianta que, em breve, a genômica (marcadores moleculares) será incorporada e dará ainda mais segurança aos programas de melhoramento genético.


10. CISTERNA
Oásis no Sertão
Conjunto de cisternas no Semiárido baiano ajuda agricultores familiares a driblar a pior estiagem dos últimos 47 anos


Alana Fraga
O verde intenso da plantação de hortaliças do agricultor familiar Paulino Moreira, de 50 anos, em meio ao terreno seco e arenoso e sob o forte sol do Sertão nordestino, remete a um cenário de oásis. A terra arde em sua propriedade em Serrinha, município com 77 mil habitantes no Semiárido baiano, região que enfrenta a pior estiagem dos últimos 47 anos e condena ao desalento quase 3 milhões de pessoas. Mas a resposta que transformou a “provação” em produção já não vem dos céus, mesmo porque há mais de seis meses não chove ali. A cisterna capaz de armazenar 52.000 litros de água, construída há um ano, é a principal razão da privilegiada situação de Moreira.


Essa é uma das 33 cisternas destinadas à produção agrícola que já foram disponibilizadas em propriedades de agricultores do município desde o ano passado pelo Programa P1+2 – Uma Terra, Duas Águas, elaborado pela Articulação do Semiárido (ASA), rede formada por organizações da sociedade civil em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Associações de Pequenos Agricultores Familiares (Apaeb) municipais e empresas privadas. O objetivo do P1+2 é disponibilizar tecnologias individuais – cisterna calçadão e barragem subterrânea – para armazenamento de água a fim de desenvolver a produção agropecuária.


É a produção de Moreira e de uma dezena de famílias que mantém ativa a feira local, reduzida a cerca de 30% do que era ofertado antes da estiagem. “Às 9 horas da manhã já está tudo vendido”, conta o produtor.


Segundo o coordenador técnico do P1+2, Silvaney Santiago, para receber o benefício, a família precisa ter uma cisterna para água de consumo do programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), também da Asa, e ter aptidão para a produção agropecuária. O custo subsidiado para a construção de cada cisterna calçadão sai em torno de R$ 7.500.


Por enquanto, o acesso à água para a produção agrícola é uma realidade distante para muitas famílias. Enquanto o programa P1MC já chegou a quase 500 mil famílias, a tecnologia para a produção tem quase 7 mil construídas no Semiárido nordestino pelo P1+2. “Hoje, a cisterna de beber já tem uma quantidade maior. Então, a de produção é que a gente vê como necessidade imediata”, destaca Santiago.


CAPRINOS
A menos de 100 quilômetros dali, em Riachão do Jacuípe, o pequeno produtor Abelmanto Carneiro, de 39 anos, garante sua produção de caprinos e ovinos com as cisternas obtidas pelo P1+2. Com elas, ele conseguiu não só desafiar a seca, como também fez bom proveito dela. Por preços bem inferiores, comprou 14 cabeças de produtores que se desfizeram dos animais por falta de alimento na seca. O novo rebanho, além das 40 cabeças que já criava, tem garantido ao produtor uma média de 7 litros de leite diariamente. “Comprei por R$ 300 cada cabra de leite, que custa R$ 1.200. Me preparei para isso”, conta.


Para ampliar o rebanho num período crítico, Carneiro estocou 1,5 tonelada de alimento para os animais durante o último inverno. A dieta das cabras – composta por palhada de milho, farelo de palma, mandacaru desidratado, capim, sorgo e sementes – vem toda da propriedade.


Embora caprinos e ovinos sejam mais adaptáveis à seca em relação aos bovinos, a maioria dos produtores da região resiste em adotar as criações. A situação começa a mudar depois do trabalho de conscientização do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do município, com auxílio da ONG Movimento de Organização Comunitária (MOC). “Mas ainda são menos de 50% dos produtores que criam. Estão começando a ver que a cultura gasta menos e se adapta melhor à seca”, afirma o presidente do sindicato, Renivaldo Miranda.


Além das cisternas conquistadas via P1+2, Carneiro conta ainda com reservatórios de água que ele mesmo construiu. A propriedade de 10 hectares tem hoje capacidade para armazenar quase 1,9 milhão de litros de água. “E eu não penso em parar por aí”, revela.


A chuva ainda não deu sinais de aparecer na região com força para reabastecer os reservatórios, mas o produtor já tem planos para a próxima estiagem. Quer aumentar a estrutura para estocar alimento animal para adquirir novas cabeças e está construindo outra para fazer o confinamento dos ovinos para abate. “Quando chove, a gente tem excesso de alimento que não consegue aproveitar”, explica.


Quase metade do município vive da produção agropecuária – 14 mil dos 33 mil habitantes. Mas ainda são apenas 20 as cisternas calçadão construídas pelo P1+2 em Riachão do Jacuípe. A ousada meta de construção de 1 milhão de cisternas para consumo deve ser atingida até 2014, segundo previsão estipulada pela presidente Dilma Rousseff, com o apoio do programa Água para Todos.


11. BANCO DE SEMENTES
A preservação das espécies
Cerca de 87 mil espécies de animais e vegetais podem ser recuperadas caso sejam extintas


Juliana Malacarne
A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen) é uma entidade governamental criada em 1974 com o propósito de preservar e desenvolver o potencial genético ligado à agropecuária brasileira. A Colbase, banco de germoplasma-semente mantido pela Cenargen, foi criada dois anos após a fundação e conserva aproximadamente 87 mil acessos de espécies animais e vegetais. As amostras ficam conservadas por dezenas de anos e em temperaturas baixíssimas, que chegam a 80 graus célsius negativos.


O banco funciona como um seguro de produtos animais e vegetais essenciais para a sobrevivência da população humana. Por exemplo, se uma grande praga destruísse todas as lavouras de feijão, soja e milho, estas espécies poderiam ser recuperadas por meio do material preservado pela Cenargen. O material genético da Colbase vem sendo utilizado em universos menores, caso da tribo indígena krahô, de Tocantins, que recuperou o cultivo de uma variedade primitiva de milho, tradicional em sua cultura, graças ao banco. Na pecuária, o banco genético mantém material de raças praticamente já extintas no Brasil.


Além disso, a Cenargen está envolvida em diversas áreas de pesquisa e descobertas recentes, como o desenvolvimento de feijões capazes de resistir às piores pragas das lavouras, biorreatores que aceleram o tempo de produção de mudas e potentes inseticidas biológicos, que, com apenas uma gota, eliminam até as larvas do mosquito da dengue, o Aedes Aegypti.


12. COURO DE PEIXE
Tem pirarucuna passarela
Couro do peixe é usado como matéria-prima para produção de bolsas e sapatos


Luciana Franco
O pirarucu, um dos maiores peixes de água doce do mundo, é um prato típico na Amazônia. Mas não é só na culinária que ele vem ganhando fama. Recentemente o couro do peixe passou a ser usado como matéria-prima para a produção de bolsas e sapatos de alta costura. A ideia partiu da engenheira florestal Rose Dias, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e uma das proprietárias da empresa Green Obsession, que resolveu criar uma marca de moda que desse valor à Amazônia. Hoje, a Green Obsession compra o couro de peixe em comunidades ribeirinhas, muitas das quais vivem exclusivamente da pesca, e também de empresas do ramo alimentício, que contam com pisciculturas próprias. O pirarucu costumava ser assado na brasa, sem que sobrasse couro. Porém, depois que passou a ser comercializado por grandes empresas, toda a pele começou a ser descartada, segundo a engenheira. O Inpa resolveu dar destinado a esse material – que representa 10% do peso do animal –, gerando mais renda para a cadeia produtiva. Atualmente, a Green Obsession produz, em média, 200 peças por ano, entre sapatos e bolsas. Os produtos são distribuídos em São Paulo e Belo Horizonte. A empresa também exporta para França, Itália, Estados Unidos e Canadá, graças a contatos realizados na Feira Internacional da Amazônia, realizada anualmente em Manaus, e também por pedidos de profissionais da moda que fazem turismo na região.


13. BOI NA AMAZÔNIA
Fazenda usa 20% e preserva 80%
Em sistema de rodízio, fazenda tem 2,5 bois por hectare, número acima da média nacional


Sebastião Nascimento
Na imensidão da Amazônia, uma lucrativa fazenda usa 20% para fazer recria e engorda de boi a pasto e os 80% restantes são mantidos com mata nativa. A Marupiara, pertencente ao pecuarista Mauro Lúcio de Castro Costa, em Tailândia (PA), tem 4.350 hectares. Fica a cerca de 100 quilômetros de Paragominas, célebre por ter saltado de um estágio de devastador brutal para exemplo de município preservacionista. Na lista negra dos desmatadores – da qual saiu em 2010 –, Paragominas reuniu ONGs, governo federal, prefeitura municipal e sindicato de agropecuaristas e firmou um pacto de desmatamento zero, além de um compromisso de regularizar as áreas desmatadas no passado. Hoje, é conhecido como “município verde”.


Ao chegar a Marupiara, é um choque. Vencida uma clareira no meio das árvores, surgem piquetes, Áreas de Preservação Permanente (APPs), reflorestamentos, as casas simples e confortáveis dos trabalhadores e o gado nelore e cruzado no pasto verde. Parece “miragem”, comparada às fazendas que avançaram sobre a reserva.


São 880 hectares formados. Em sua primeira fase, em 1997, a fazenda abrigou 600 animais. Atualmente, o rebanho é de 2 mil cabeças em sistema de rodízio, o que faz a taxa de lotação atingir 2,5 bois por hectare – a média nacional é de menos de um por hectare. Nenhum espaço é desperdiçado. Nos 14 hectares de corredores entre os piquetes, Costa planta grama-estrela para feno. Ele chega a produzir mais de 1.000 toneladas por ano, negociadas com os exportadores de boi em pé. A produção de carne é de 400 quilos por hectare ao ano, quase quatro vezes superior à média daquela região amazônica.


A água é distribuída dos poços artesianos para os bebedouros dos quatro piquetes na praça de alimentação. O acesso aos reservatórios de água e ao cocho de sal mineral facilita a engorda. O gado não tem acesso às águas protegidas pelas APPs. A Marupiara tem ilhas com plantas nativas no meio dos piquetes para o boi descansar, pés de frutas amazônicas, como o açaí, para o gado e outros bichos comerem e corredor ecológico


14. CRÉDITO VERDE
Programa estimula sustentabilidade
Proposta visa reduzir emissão de gases de efeito estufa por meio da bioenergia


Luciana Franco
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) criou, em junho de 2010, o programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC). A iniciativa nasceu com a proposta de aliar a produção de alimentos e bioenergia à redução da emissão de gases de efeito estufa. A espinha dorsal do ABC é o incentivo ao produtor que queira usar processos tecnológicos que neutralizem ou minimizem os efeitos dos gases de efeito estufa no campo.


As ações do programa ABC estão inseridas no Plano Anual Agrícola e Pecuário Brasileiro. Na safra 2011/2012, o programa disponibilizou R$ 3,1 bilhões para projetos que garantam eficiência no campo e tenham balanço positivo entre sequestro e emissão de dióxido de carbono (CO2). O ABC incentiva seis iniciativas básicas, com metas e resultados previstos até 2020. São elas: plantio direto na palha, recuperação de pastos degradados, integração lavoura-pecuária-floresta, plantio de florestas comerciais, fixação biológica de nitrogênio e tratamento de resíduos animais.


15. PRESERVAÇÃO
Para quem quer ficar bem na foto
Empresário produz meio ambiente e cria negócio inédito no país – a venda da imagem da flora e da fauna preservadas


Viviane Taguchi
Em um pedaço do Cerrado onde o Rio Amambai faz a curva para dar força ao Paranazão e onde a onça (ainda) bebe água, o empresário paulista que popularizou o pão de queijo com café espresso, Marco Mammana, plantou uma semente diferente que está dando frutos: a produção de meio ambiente. Com a preservação e a recuperação da fauna e da flora de uma área de quase 5.000 hectares localizada em Itaquiraí (MS), antes uma fazenda especializada em produção de embriões de nelore, Mammana criou um negócio inédito: a venda da imagem sustentável, o marketing do meio ambiente. Sócio da Casa do Pão de Queijo e do Grupo ItalianCoffee, Mammana explica: “Eles pagam pela prestação de serviços ambientais. Eu vendo sustentabilidade para quem precisa e não sabe por onde começar.” Eles, no caso, são 12 empresas de diferentes setores, nacionais e internacionais, que compraram a ideia.


Mammana percebeu que podia fazer isso quando saiu da pecuária, há quatro anos. “Fui procurado pelo grupo InfinityBio, do Bill Gates, que tinha uma usina aqui (em Naviraí, distante 70 quilômetros de Itaquiraí). Eles queriam comprar a fazenda porque não tinham Área de Preservação Permanente (APP). Não vendi.” A decisão acendeu a luz da estratégia e ele passou de pecuarista a produtor de ecologia. Mammana investiu R$ 10 milhões em adaptações e reflorestamento com mudas de ipê, ingá, genipapo, amendoim e frutíferas em 200 hectares, trabalho considerado difícil. Segundo o técnico florestal Fabiano Shinozaki, reflorestar 1 hectare da fazenda – agora chamada GreenFarm CO²Free – com árvores nativas da região custa R$ 5 mil anuais. “Você terá esse custo em torno de seis anos”, diz Shinozaki.


A área total, preservada e reflorestada, da GreenFarm é de 4.600 hectares. As baias das vacas foram adaptadas para os animais silvestres: felinos, antas, pacas, macacos, aves e tamanduás. Os açudes viraram abrigo para jacarés apreendidos pelo Ibama. Há quatro lagoas de multiplicação de peixes, como pacu e piauçu, e um banco de germoplasma de espécies de árvores do Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal (a propriedade está em uma área de confluência dos três biomas). E há câmeras, muitas delas. “As imagens são transmitidas pela internet, por meio dos sites das empresas investidoras”, explica o diretor executivo da GreenFarm, Marcelo Carneiro Mammana. “É possível ver como e onde aquela empresa está investindo. Ela pode mostrar isso para o mundo inteiro se quiser.”


O reality show ecológico é o que sustenta o empreendimento. Investidores pagam mensalmente por cotas que vão de 4 a 1.300 hectares e valores entre R$ 3 mil e R$ 175 mil. Esses espaços são alugados a partir de coordenadas geodésicas que podem ser vistas pelo Google Earth (imagens via satélite transmitidas pela internet) e os créditos de carbono gerados pela mata e a filtragem de água promovida nos 33 quilômetros de matas ciliares estão registrados na plataforma de negócios como Bens e Serviços Ambientais e Ecossistemas de Mato Grosso (PNBSAE/MT). A fazenda é um projeto privado, com custo mensal em torno de R$ 200 mil, mas vem sendo usada como apoio a entidades estatais como o Centro de Recuperação de Animais Silvestres (Cras). “A sede do Cras em Campo Grande está com a capacidade esgotada. Recebemos milhares de pássaros por semana, onças, jacarés, fruto da fiscalização contra o tráfico de animais”, diz o coordenador da entidade, Elcio Borges. “Em cinco meses usando a GreenFarm, conseguimos reintroduzir na natureza 203 animais. Na capital, é difícil termos solturas”, diz ele.


Por enquanto, é Mammana e os sócios que mantêm duas onças-pardas, três antas, gatos selvagens, um macaco-prego, um tamanduá-bandeira e um jaburu que jamais voltarão a viver na mata. As onças estão com parte da pelagem queimada, o macaco só tem um braço e o jaburu só uma asa. Os filhotes Nina, uma tamanduá-bandeira de cinco meses, e Tufão, uma anta, são órfãos e ainda bebem leite na mamadeira. “Estamos tentando o acasalamento das antas e dos gatos-moriscos para soltarmos os filhotes na mata, a fim de aumentar a população desses animais, que estão em extinção, e também a multiplicação de pacas, uma presa dos felinos de grande porte”, explica o veterinário da fazenda, Luiz Samartano. “As onças já estão invadindo as cidades à procura de alimentos.”


16. PLANTIO DIRETO
Evita erosão ereduz uso de adubo
Metade da área agrícola do Brasil já faz uso do plantio direto


Sérgio de Oliveira
O plantio direto – técnica de cultivo que dispensa aração e gradagem – é um poderoso aliado na conservação e melhoramento das propriedades físico-químicas do solo, além de contribuir para reter parte do carbono gerado durante o processo produtivo. Já é utilizado em cerca de 30 milhões de hectares, ou metade da área agrícola no Brasil.


Com o solo adequadamente coberto de resíduos, mesmo quando há um excedente de chuvas as águas correm lentamente e chegam ao fim do declive limpas, sem arrastar a camada superficial do solo e provocar erosão. Outro benefício é que a cobertura morta protege o terreno do aquecimento rápido e da dessecação, impedindo a formação de nuvens de poeira, fato comum durante os procedimentos convencionais de cultivo das lavouras. A palhada também protege a planta do calor excessivo e conserva a umidade do solo por mais tempo. No plantio convencional, um veranico é danoso ao fim de sete dias. No plantio direto, será prejudicial ao fim de 15, 20 dias.


Outro benefício da tecnologia é que, ao repor anualmente a camada orgânica, esta vai se decompondo e se transformando em húmus, o que reduz a necessidade de fertilizantes químicos. É um processo contínuo. O húmus se decompõe, depois vem mais matéria orgânica, humifica mais, e assim por diante, elevando o teor de húmus.


17. CONSERVAÇÃO DE NASCENTES
Produtores recebempara preservar a água
Projeto de Extrema (MG) visa à proteção dos mananciais que fornecem água para o Sistema Cantareira


Luciana Franco
A prefeitura municipal de Extrema (MG) foi pioneira no Brasil ao criar um sistema de proteção dos recursos hídricos e lançou, em 2007, o projeto Conservador das Águas, que visa à proteção dos mananciais que fornecem água para o Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de 50% da população de São Paulo. O projeto foi desenvolvido em parceria com o Programa de Conservação da Floresta Atlântica da The NatureConservancy (TNC), Sabesp e Agência Nacional de Águas (ANA) e se transformou em um exemplo que hoje inspira outros municípios brasileiros.


Para implantá-lo, a prefeitura da cidade elegeu a área de maior degradação do município, a Sub-bacia das Posses, onde estão 1.300 hectares e 109 propriedades rurais, em uma região bastante fragmentada e com menos de 10% da cobertura vegetal. O reflorestamento se deu por meio da execução de ações de proteção florestal e restauração de áreas que margeiam os cursos d’água. A prefeitura compensa financeiramente os proprietários rurais que aderem ao projeto. Além disso, parceiros da iniciativa ajudam a financiar os custos de recuperação e proteção dessas áreas, fundamentais para a conservação das águas em qualidade e quantidade. Apucarana (PR) seguiu o exemplo de Extrema e implantou, em 2009, o projeto Oásis, destinado à preservação das nascentes das bacias dos rios Pirapó, Tibagi e Ivaí. Nesse programa estão cadastradas 184 propriedades rurais, que somam 5.000 hectares e 613 nascentes preservadas.


18. BIOTECNOLOGIA
Transgênico diminui emissão de gás carbônico
Transgênicos usam menos óleo diesel e aumentam retenção de carbono no solo


Luciana Franco
Desde que foi introduzida nas principais regiões agrícolas do mundo, 16 anos atrás, a biotecnologia vem ajudando a preservar recursos naturais. Dados do relatório global sobre o uso de sementes geneticamente modificadas revelam que essa ferramenta reduz as perdas no campo e favorece o incremento da produtividade sem aumento da área agrícola. O estudo mostrou ainda que a adoção das sementes GM ajudou a diminuir a emissão de gases do efeito estufa e o uso de agroquímicos nas lavouras. Em 2009, as lavouras transgênicas reduziram as emissões de CO2 em 17,7 bilhões de quilos com o menor uso de óleo diesel e aumentaram a retenção de carbono no solo. O uso de pesticidas diminuiu em 8,7% entre 1996 e 2009. Ao utilizar as sementes GM tolerantes a herbicidas, os agricultores facilitaram ainda a implantação do sistema de plantio direto em suas áreas agrícolas, o que contribuiu para diminuir a erosão e aumentar a qualidade do solo, de acordo com a pesquisa publicada pela consultoria inglesa PG Economics. O Brasil é um grande adepto de biotecnologia e registrou, em 2011, a segunda maior área plantada de transgênicos do mundo, com 30,3 milhões de hectares entre soja, milho e algodão, um aumento de 19,3% em relação a 2010.


19. MADEIRA LEGAL
O exemplo vem do Acre
Doações de países ricos financiaram programa do estado para manejo florestal


Viviane Taguchi
Em abril, a empresária Adelaide Fátima de Oliveira parou Milão, na Itália. Ela desembarcou por lá com um contêiner de madeira certificada e vendeu tudo. “Foi só o começo”, disse Adelaide, presidente da Associação dos Manejadores Florestais do Acre. Ela foi a primeira empresária do setor madeireiro do Estado a adequar sua produção a um modelo sustentável. “Enfrentei grandes desafios e ameaças”, lembra. Hoje, é símbolo do movimento que tirou o setor da ilegalidade, com a ajuda do governo estadual. “O Acre adotou a economia florestal como identidade cultural”, explica o coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, Mario Monzoni. “O governo estadual instituiu o manejo florestal para legalizar 95% da produção de madeira.”


O que o governo fez foi usar recursos do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), financiado por doações de países ricos, para treinar, capacitar e divulgar o manejo florestal durante dois anos. “Os madeireiros que passaram para o lado do governo começaram a receber incentivos fiscais e pagamentos por serviços ambientais”, diz Monzoni. Com isso, a produção de madeira acreana dobrou de 170.000 metros cúbicos para 350.000 metros cúbicos de toras, entre 2008 e 2010, e a Floresta Estadual do Antimary, uma área de 76.800 hectares, recebeu o selo do Forest StewardshipCouncil (FSC), que comprova a sustentabilidade da atividade.


20. AGROECOLOGIA
A lição de Dona Ana
Pioneira da agroecologia no Brasil acredita que a necessidade de alimentar o mundo pode reforçar o cultivo em solo sadio


Karina Ninni
A gente tem de saber o que quer: como a terra deve ficar. O resto, como chegar até esse resultado, isso é diferente em todo lugar”, ensina a decana da agroecologia no Brasil, Ana Maria Primavesi. Em sua opinião, para lidar com o solo, é preciso gostar dele. “Se você gosta de seu filho, você sabe o que deve fazer com ele: é cuidar.” Hoje com 92 anos, Dona Ana chegou ao Brasil em 1949, acompanhada pelo marido, Arthur Primavesi, ambos já formados em agronomia pela Universidade Rural de Viena, na Áustria. Passaram por São Paulo, interior e capital, e em 1962, estabelecidos em Santa Maria (RS), começaram a lecionar na Universidade Federal (UFSM) e criaram uma pós-graduação com foco no manejo ecológico do solo.


Em 1980, viúva havia três anos e com os três filhos já casados, adquiriu um pedaço de terra em Itaí (SP), na região de Avaré. Foi para lá sozinha e começou a plantar (e, mais tarde, a criar gado). “Cheguei sem nada, só com boa vontade. Em todo lugar, naquela época, se praticava a agricultura artificial, uso de muita tecnologia… Naquela região ainda não tinha nada disso. Comecei plantando milho e trigo, depois diversifiquei”, lembra.


Há décadas ela vem defendendo que produção de alimentos e conservação do ambiente são atividades complementares, e não opostas. “Produtividade no campo funciona assim: se você tem um solo e ele está estragado, naturalmente ele não vai produzir sem todas essas parafernálias químicas. Mas, se você tem um solo vivo, ele produz sim. Então, a questão é não trabalhar em solo morto, mas sim em solo vivo”, explica. “Do modo convencional, não se consegue mais produzir como antigamente, e a população mundial está dobrando de 20 em 20 anos. Então, alguma coisa terá de ser feita. Estamos estragando a terra por toda parte. Dá para recuperar? Dá. Mas demora…”


BOAS PRÁTICAS
Na Fazenda Ecológica, Ana Primavesi conta que o mais complicado foi encontrar água. “Não tinha nenhuma fonte de água, nada. Fizemos um poço de 30 metros de profundidade para achar água para abastecer a casa. Agora, temos cinco fontes”, orgulha-se, explicando que não se trata de um passe de mágica. “A terra tem de ser permeável. Aí, as fontes acabam aparecendo. Mas, se a terra está maltratada, a água não infiltra e consequentemente não nasce. A terra tem de ser coberta por plantas para que a água do orvalho e da chuva penetre.”


Ana Primavesi viveu na propriedade em Itaí pelos últimos 32 anos. Em janeiro deste ano, a família achou por bem trazê-la definitivamente para a capital, onde passou a viver na casa da filha, Carin, no Campo Belo (confira o box). Saudosa, lembra que recebeu em sua fazenda estudantes e agricultores que a procuravam com dúvidas, problemas de produtividade ou apenas para conhecê-la.


“O solo se regenera sozinho. Usava muito a palhada da própria planta para recobrir o solo. Produzíamos o máximo com rotação de cultivo”, ensina, revelando que a prática de revolver profundamente o solo é um grande equívoco.


A lavoura ocupava entre 8 e 10 dos 96 hectares da propriedade de Dona Ana. No restante, ela criava entre 120 e 130 cabeças de gado para corte. “Dependendo da época do ano, se faltava pasto, eu tinha de usar ração para alimentá-los, mas era ração produzida lá. Milho, cana picada…”


Ela se lembra de uma viagem que fez para vender milho na região de Avaré, onde há muitos haras. “Os responsáveis disseram: nossos cavalos não comem milho, só aveia, mas deixe aí. Dali a uns meses, o sujeito me liga. O que é que tem o milho da senhora? Os cavalos só querem milho agora, não querem mais saber da aveia…”


LEGADO EM JOGO
Com a saída de Ana Primavesi da Fazenda Ecológica, em janeiro deste ano, um grupo de pessoas ligadas ao movimento orgânico no país tem se reunido para tentar ajudar a família a dar um destino para a propriedade. “Gostaríamos de poder alienar a propriedade para pessoas com a mesma visão que minha mãe tem de manejo de solo”, resume Carin Silveira, filha de Dona Ana, como a cientista ficou conhecida.


“Dona Ana ligou para a Associação de Agricultura Orgânica e disse-nos: Não quero vender para qualquer um. Então, reunimos um grupo de trabalho de 25 pessoas e estamos tentando achar uma solução. Afinal, ela foi a sócia número 1 da entidade e também nossa primeira diretora técnica”, afirma Márcio Stanziani, secretário executivo da Associação de Agricultura Orgânica (AAO).


Segundo ele, a opção que vem se desenhando é a transformação do local em uma fundação de direito privado. “O grupo está tentando encontrar um comprador, mas o ideal seria que algum grupo ou empresário adquirisse a área e a doasse para a fundação. Mais ou menos o mesmo que aconteceu com o espólio do professor Lutzenberger”, diz, referindo-se ao agrônomo e ambientalista José Antônio Lutzenberger, falecido em 2002. 

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