Por Fernando Duarte
Quem passeia pelas ruas de uma grande cidade do Reino Unido dificilmente deixa de notar dois tipos de abundância: a de pessoas carregando copos de café e a de letreiros e informando a disponibilidade da bebida a cada esquina. Na terra do chá das cinco, o café tem sistematicamente invadido territórios, a ponto de recentemente a rede Starbucks ter anunciado o lançamento de uma versão especial de seu latte, com maior quantidade de cafeína, depois de registrar um aumento de 60% no aumento de pedidos de doses extras de espresso nos últimos dois anos em suas lojas no Reino Unido.
A rigor, porém, os britânicos ainda têm o chá como soberano das xícaras. De acordo com as estatísticas oficiais, bebem 165 milhões de xícaras de chá por dia, um número duas vezes maior que o de café (70 milhões). Mas a diferença no placar está encolhendo graças a uma série de fatores, a começar pela diferença de hábitos de bebedores de faixas etárias diferentes. Enquanto entre britânicos de 40 a 59 anos, por exemplo, o chá vence fácil na preferência (56% x 37% foi o resultado de uma extensa pesquisa de hábitos de consumo do instituto YouGov), entre a turma mais jovem a distância cai apenas para nove pontos.
Tempos e hábitos têm sido influenciados por uma combinação de mudanças sócio-econômicas. Nos últimos 20 anos, britânicos viajaram mais do que nunca para o exterior, incluindo para países como EUA e Itália, em que o consumo de café está entre os maiores do mundo e em que o mercado de grãos, sobretudo o de produtos finos, é bem mais desenvolvido. Em casa, começaram a exigir maior qualidade e quantidade. Já o aumento da participação feminina no mercado de trabalho britânico fez com que pubs, bares e similares tivessem que se tornar locais mais amigáveis para um público mais homogêneo.
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Em termos culturais, a influência do cinema e da TV (quem não se lembra de quanto tempo os personagens de ”Friends” passavam dentro da cafeteria Central Perk?) também teve sua participação. O mesmo se pode dizer de garotos-propaganda acidentais: quando contou ter concebido o primeiro ”Harry Potter” usando uma cafeteria de Edimburgo como escritório, J.K. Rowling inspirou uma série de imitadores.
Acima de tudo, o ritmo frenético da vida cotidiana fez com que o café deixasse de ser apenas o amigo de quem participava dos setores mais braçais da economia britânica e se tornou um companheiro mais abrangente das manhãs e tardes. E o resultado é visto diariamente nas ruas: segundo um estudo da consultoria Allegra Strategies, o número de coffee shops no Reino Unido cresceu 300% desde o ano 2000 e hoje há mais de 14 mil estabelecimentos do gênero no país, um mercado avaliado em US$ 8 bilhões. Oferecem desde a xícara fumegante de cada dia a experiências do tipo gourmet. Em Londres, por exemplo, jornais e revistas anualmente escolhem o melhor café da capital – os interessados, por sinal, podem consultar listas como a da bíblia de eventos londrinos ”Time Out”.
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Diferentemente dos tempos em que o preço mais alto do café levou britânicos menos abastados a optar pelo chá, sobretudo porque as folhas podiam ser reutilizadas, o café já deixou de ser privilégio das elites, ainda que comerciais de TV de marcas solúveis tentem ”vender” uma experiência requintada – se bem que os apreciadores de uma experiência podem rumar para locais como as lojas de departamentos Selfridges, vendendo marcas premium, incluindo variedades do Brasil. O Reino Unido é também um mercado promissor para os grãos produzidos eticamente, que já abocanharam 20% das vendas.
No fundo, a proliferação de cafeterias é um retorno à tradição: no século 17, as casas de café em Londres eram um centro debates e fofocas tão poderoso que o rei Charles II baixou um decreto proibindo a venda da bebida. Os protestos foram tamanhos que o monarca precisou voltar atrás. Se fosse hoje em dia, era bem capaz de haver uma revolução republicana…