Dia Internacional do Café: O General Café está de Pijama

Por: Comunidade Manejo da Lavoura Cafeeira

Por Roberto de Abreu Sodré – Artigo publicado em O Estado de S.Paulo, de 02/02/1992


 No Dia Internacional do Café, o Coffee Break publica um artigo do advogado, Robreto Abreu Sodré, formado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, empresário e político brasileiro. Foi casado com Maria do Carmo Mellão de Abreu Sodré, falecida em 24 de janeiro de 2012, que foi presidente do Fundo de Solidariedade Social, que ela própria estimulou o marido a criar assim que assumiu o governo paulista em 1967.


Abreu Sodré foi um dos fundadores da União Democrática Nacional (UDN) em 1945 e posteriormente integrante da Arena, a partir de 1966. Foi deputado estadual e governador do estado de São Paulo de 31 de janeiro de 1967 a 15 de março de 1971, sendo eleito de maneira indireta.
 Veja o texto histórico a seguir. Qualquer semelha com fatos atuais que envolvem o café, talvez, depois de uma reflexão do setor, chegamos à conclusão que não há mera coincidência na trajetória politica cafeeira brasileira.


Coffee Break
 
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“Nas décadas de 30 e 40 havia um poderoso general que amedrontava todos os políticos da metrópole. Era o general Café. Ele sustentava nosso balanço de pagamento e, por isso, podia derrubar ministros com a maior velocidade que os aposentados dos dias de hoje. O governo que não dialogasse com os cafeicultores e comerciantes da rubiácea e não zelasse pela defesa da nossa maior riqueza ficaria sem base de sustentação.
 


Com o tempo, o general passou a ter pouca importância. Hoje, seu exército de dez milhões de trabalhadores sofre processo acelerado de redução e, mesmo assim, não comove os donos da exportação, mas somente 4,56%, o que não chega a ser desprezível num país carente de divisas. Semana passada, para exemplificar, o Brasil, depois de longas conversas, assinou com o FMI a sua tão esperada carta de intenção. Com o acordo, o Banco Central receberá, sob a condição de cumprir as metas fixadas, US$ 2bilhões em seis parcelas. Ora, nos últimos 32 meses igual quantia foi perdida como efeito do mau encaminhamento da política cafeeira.
 


Alguns argumentam que a nossa salvação é continuarmos com a política de livre comércio no mercado internacional. Outros, como eu, têm argumentos robustos pra procurar um entendimento com nossos parceiros de produção mundial e do mercado comprador. A culpa não é só das autoridades do governo que comandam a política cafeeira, mas também de nós, cafeicultores, industriais de transformação da mercadoria e exportadores. Estamos aturdidos e subdivididos diante dos dilemas que se nos apresentam. Não há unidade da classe.


Recebemos, com a extinção do Instituto Brasileiro do Café (IBC), a responsabilidade de comando por intermédio da privatização da política do café.
 Mas como estamos diante de uma commodity que exige força financeira e ação de decisão no cenário internacional, precisamos ainda do governo federal.
 O Comitê Brasileiro do Café (CBC) está recebendo o espólio do IBC sucateado. Nem mesmo o Funcafé que nos é entregue que nos é entregue para o financiamento da lavoura, no seu justo montante, como é de direito, chegou aos bancos. Quanto ao estoque deixado pela autarquia, as autoridades federais não mostram disposição de entregá-lo à nova entidade, CBC.
 Trata-se de uma reserva de 17 milhões de sacas, estando em condições de exportação só de 1 milhão a 3 milhões delas. O resto será consumido no mercado interno, esperamos que sob o controle do CBC.


Ficamos sem o IBC, o que foi bom. E, até agora, mesmo diante da queda vertiginosa dos preços – que despencaram de US$ 125 a US$ 130 a saca para US$ 55 a US$ 65, em dois anos – continuamos indecisos entre voltar ou não ao acordo. Em face da evidência desses números, alguns ainda acham que devemos chegar a Londres mudos.
 Não entendo. Argumentar com estatísticas de dez anos passados não destroi a evidência dos últimos dois anos sem acordo. Pergunto: o Brasil aumentou seu universo cafeeiro? Não. Os dados que possuo dizem que, dos 4,3 bilhões de pés, temos 55% das lavouras em condições de quase abandono, 35% em estado precário e só 10% em boas condições sanitárias e de produtividade. Exportamos no último ano mais café e recebemos menos dólares. A produção brasileira da safra 91/92, segundo se anuncia, será inferior à de 90/91. Todos os dados que encontramos são desfavoráveis.
 


Alega-se que precisamos deixar de segurar o “guarda-chuva” para nossos concorrentes produtores. Na verdade, quem está se molhando nessa guerra de pobres, somos todos nós, produtores. Os beneficiários são os poucos torradores do mundo rico. Uma reunião realizada em Brasília, há dias, decidiu que o Brasil, como maior produtor de café do mundo, vai ao encontro de grupo de trabalho da OIC, dias 4 e 7 de fevereiro, sem nenhuma posição. “Nada queremos propor, desejamos ouvir, para depois dizer se somos contra ou a favor”.
Isso significa desconhecer as regras fundamentais de uma conferência internacional. Ele deve partir de propostas que, discutidas, permitirão chegar a um documento único que traduza um acordo satisfatório para a comunidade cafeeira mundial.
 


Claro que precisa haver de todas as partes o desejo de transigência naquilo que não for fundamental. Mas ir só para ouvir e depois tomar uma posição soberana, de concordar ou rejeitar, é desconhecer os princípios básicos de um fórum de regulamentação de política internacional.
 


Não podemos deixar de discutir um novo corpo institucional e suas cláusulas econômicas. Não podemos deixar de sugerir um ordenamento de retenção do produto nos países produtores, a fim de defender o valor do café quando os preços estiverem aviltados no mercado internacional. Não podemos deixar de propor um limite de cotas de exportação de oferta global objetivando, de forma justa, a capacidade de cada nação produtora.
 
Já que não temos ainda uma política interna definida, devemos partir para a posição pró-ativa de negociação na OIC, a fim de chegarmos a um acordo que convenha ao Brasil. Para tanto precisamos ter força, vontade e clareza na discussão de nossa posição internacional, já foi melhor.
 


Basta conferir os preços para a cafeicultura, antes e agora. Se finalizarmos um acordo, estaremos obrigados, por meio do CBC, que representa todos os segmentos da cafeicultura, a nos organizar internamente com medidas que são necessárias para regular registros de embarques, leilões dos estoques governamentais e, finalmente, financiamentos.
 O nosso imobilismo não leva a nada. Se assim continuarmos, amargaremos a tristeza de assistir à quase total extinção da cafeicultura brasileira, que passará a viver das lembranças do passado, quando era comandada pelo general Café, hoje na reserva”.


Roberto de Abreu Sodré
 
Coffee Break

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