11/04/2012 – Toda a discussão sobre modificações no Código Florestal Brasileiro tem gerado mais calor que luz. A discussão tem sido, por vezes, parcial e superficial, sem refletir a realidade e a necessidade de nosso país e de nosso planeta. Afinal, qual o objetivo de um Código Florestal? Proteger o quê e para quem? Proteger de quem? Entendo que se procura preservar a água, o clima e, consequentemente, as espécies existentes e a biodiversidade. No entanto, o estabelecimento arbitrário de larguras para a mata ciliar e frações de propriedades agrícolas como previsto podem realmente ajudar na realização destes objetivos?
É extremamente simplista dizer que problemas pontuais da agricultura poderiam ser acomodados, assim como não se pode dizer que os produtores de arroz e uva do Rio Grande do Sul, os produtores de maçã de Santa Catarina, os produtores de leite e café de Minas Gerais, entre outros, se constituem numa minoria cujos interesses seriam atendidos pela mudança no atual Código Florestal. Por outro lado, levantar a bandeira da impunidade para justificar a manutenção do atual código é, no mínimo, irresponsável, uma vez que a legislação brasileira permitiu e mesmo incentivou o desmatamento nestas áreas.
Ora, de um lado temos que o próprio aquecimento atmosférico levará a perdas de 20% ou mais na produtividade agrícola brasileira, dependendo da espécie, com aumento do risco e custos, além do deslocamento da produção para o Sul do País. Assim, dizer que é possível aumentar a produção brasileira de alimentos sem grandes esforços e sem aumento da área cultivada não passa de falácia. O aquecimento global não afetará apenas a agricultura. Afetará todas as espécies à medida que será modificada, além da temperatura, a distribuição de chuvas. Diante disso, como é possível discutir o código florestal sem incluir medidas de mitigação do efeito estufa? A modificação do manejo do solo para sistemas em semeadura direta pode contribuir sobremaneira nesse sentido, uma vez que pode sequestrar mais de uma tonelada de carbono por ano em um hectare. No Brasil isso passa de 50 milhões de toneladas de carbono por ano. Não é desprezível. A simples recomposição de uma mata, ciliar ou não, poderia fazer tanto? Isso tudo sem diminuir a área de produção de alimentos e sem expulsar pequenos agricultores de seu trabalho.
Para a adequada conservação de áreas e espécies é necessário o levantamento de áreas representativas, tendo em conta sua vocação e capacidade de suporte, através de um zoneamento agro-ecológico. E então sim, preservá-las. Do ponto de vista de preservação das espécies, a existência de parques contínuos e corredores ecológicos é muito mais efetiva que fragmentos florestais deixados sem uso, muitas vezes em áreas sem água disponível. Os parques podem ser mantidos pela sociedade ou serem auto-financiados, como ocorre em outros países. Assim, a conta não cairia em apenas uma parcela da sociedade, como no caso, absurdo, do atual Código Florestal. As reservas florestais, no momento, não levam em conta a vocação da terra. Existe no Brasil zoneamento agro-ecológico para quase todas as espécies, levando em conta a capacidade de uso da terra, um parâmetro técnico, objetivo, que, no entanto, não vem sendo considerado nas discussões do novo Código.
Por exemplo, as matas ciliares, margeando os cursos d’água, vêm sendo exaustivamente discutidas. Qual sua largura? Os valores existentes são completamente arbitrários, assim como os que vêm sendo propostos. Independentemente de seu tamanho, a mata ciliar terá sua eficiência na proteção da água muito afetada pela atividade praticada em seu entorno, seja urbana, seja agrícola. No caso da agricultura, simplesmente não se leva em conta a atividade executada no entorno da mata ciliar. Por exemplo, a extensão da mata ciliar poderia ser condicionada não à largura do curso d’água, mas sim ao tipo de conservação do solo que se pratica no entorno. Essa sugestão pode acomodar os objetivos de preservação e produção de alimentos, fibras e energia. Porque não vem sendo discutida?
*Professor Titular, Faculdade de Ciências Agronômicas, UNESP, Botucatu, membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável – CCAS.