A BALANÇA EM DESEQUILÍBRIO

31 de janeiro de 2006 | Sem comentários Comércio Exportação
Por: Carta Capital








COMÉRCIO
EXTERIOR Importar mais traria o câmbio a níveis realistas, sem custo
fiscal
POR MÁRCIA
PINHEIRO
O Brasil melhorou o seu posicionamento no comércio mundial. A
corrente de transações (exportações mais importações) atingiu US$ 191,5 bilhões
em 2005, um salto de 21% em relação aos US$159,3 bilhões de 2004. A bonança
econômica no mundo permitiu o forte aumento das exportações brasileiras. No ano
passado, as vendas externas somaram o recorde de US$ 118,3 bilhões -incremento
de 23% ante 2004 – e a participação brasileira nas exportações mundiais subiu
para 1,13%. É ainda pequena a inserção, mas representa um avanço ante o 0,90% de
dez anos atrás. Já as importações do País somaram US$ 75,5 bilhões, com um
aumento menor, de 18%.

Por irônico que possa soar, a pujança das vendas
externas – sem a contrapartida de um movimento importador mais forte – começa a
atrapalhar o País. A armadilha é a seguinte: com muita exportação, o forte
ingresso da moeda americana achata o dólar. Em um segundo momento, o esforço do
exportador é sabotado pelo real supervalorizado. Se as importações crescessem
também em um ritmo acelerado, haveria maior equilíbrio, pois a cotação da moeda
americana tenderia a subir. E por que o Brasil não importa mais, mesmo com o
câmbio barato? Porque não cresce ou cresce pouco, diz a sócia da MB Associados,
Te~ reza Fernandez Dias da Silva. Cresce pouco porque o juro alto inibe os
investimentos – vender para quem no mercado interno? – e também estimula
movimentos de capitais especulativos, um fator adicional para a queda do
dólar.

De outro lado, as exportações engordam as reservas internacionais
brasileiras. Carregar reservas polpudas, contudo, impõe um custo à sociedade.
Economistas de todos os calibres começam a questionar a necessidade de ter um
colchão de dólares tão grande, uma vez que o País zerou sua dívida externa
líquida. Isso porque, para evitar que a cotação da moeda americana derreta, o
Banco Central atua comprando divisas nos mercados à vista e futuro. E, toda vez
que isso acontece, é preciso que o Tesouro Nacional emita títulos da dívida
interna para enxugar o excesso de reais em circulação. Ou seja, cresce o débito
mobiliário doméstico.

O ideal, dizem analistas, seria que as importações
crescessem a um ritmo igual ou até maior que as exportações. Is
so faria todo
sentido em um país emergente que precisa de insumos e bens importados para
avançar economicamente. A índia, por exemplo, registrou um déficit comercial de
US$ 37 bilhões em 2005 e ninguém se apavorou com isso. Com reservas superiores a
US$ 131 bilhões, é normal e desejável que aquele emergente importe muito, para
modernizar o parque industrial e a infra-estrutura.

Destrinchar as
importações brasileiras resulta em um cenário não muito promissor. Levantamento
da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) mostra que os itens
cujas importações mais cresceram em 2005 foram laticínios (+55,6%) e artigos de
vestuário (+55,4%). São bens de consumo não duráveis, ou compras ditas
“oportunistas”, por causa do preço baixo do dólar. A rigor, pouco ou nada
agregam à economia do País. Ao contrário. A invasão chinesa tem feito vítimas
entre as empresas têxteis e calçadistas brasileiras.

Mas houve também um
aumento significativo das importações de máquinas e tratores (+26,6%). Neste
caso, são as indústrias com perfil predominantemente exportador que estão
investindo. Tereza Fernandez lembra que apenas a Gerdau importou US$ 600 milhões
em máquinas, no fim do ano passado, visando o mercado externo. “Só as
exportadoras importam. É o caso dos setores de siderurgia/mineração,
papel/celulose e petróleo/gás”, diz.

No mundo ideal, afirma a economista,
o Brasil deveria importar muito mais bens intermediários (matéria-prima para as
manufaturas) e bens de capital. O nó da questão novamente é a dupla taxa de
juro/câmbio. “O mundo não cresce tanto há mais de 30 anos” – explica – e o
Brasil perde uma chance de ouro. Em vez de acelerar importações e exportações,
neste ano haverá uma tendência de atender mais o mercado interno, pela
perspectiva de ligeiro aquecimento da economia.

Existe a previsão de
redução amena dos juros e de aumento dos gastos de governos, por causa das
eleições para presidente e governadores. Por isso, o mercado financeiro estima
que o superávit comercial do Brasil vá recuar para US$ 38,7 bilhões este ano –
projeção da pesquisa semanal Focus que o Banco Central faz junto a uma centena
de instituições financeiras e consultorias.

Para o presidente da
Associação Brasileira de Comércio Exterior (Abracex), Primo Roberto Segatto,
somente por meio da desoneração das importações que interessem ao Brasil, como
de máquinas e equipamentos, a indústria poderia ser mais competitiva em termos
globais. Essas compras, segundo ele, esbarram na forte cunha tributária, que
encarece o bem em até 40%. São 14% de Imposto de Importação, 12% de ICMS e 13%
de PIS e Cofins.

“O barateamento da entrada desses bens geraria emprego,
renda e conseqüente crescimento do mercado interno”, acredita. Em muito, na
visão do presidente da Abracex, a iniciativa ajudaria a compensar o peso das
taxas de juro domésticas. O círculo virtuoso seria fechado com um maior
equilíbrio da balança comercial brasileira.

Nesse raciocínio, o real
naturalmente se desvalorizaria, o que tornaria desnecessárias tantas manobras do
BC para evitar uma apreciação ainda maior da moeda brasileira. Mas essa
avaliação está longe da unanimidade. “Se é para desonerar, tem de atender também
a indústria nacional (de bens de capital), senão matamos esse setor no País”,
pondera Tereza.

Na outra ponta, a trajetória das exportações brasileiras
pode sugerir, erroneamente, que o câmbio não afetou a performance externa das
empresas brasileiras. Não é bem assim. Pela falta de vitalidade do mercado
interno, as companhias dirigiram seus esforços de venda para o exterior, mesmo
com perda de margens de lucro. Segundo a Funcex, à exceção de produtos de
siderurgia, refino de petróleo/petroquímicos e café, os setores exportadores restantes
sofreram perda de rentabilidade em 2005. O prejuízo chegou a atingir 31,9%, caso
da agropecuária (quadro A rentabilidade das exportações), segmento que penou
também por causa da aftosa e da seca que atingiu a Região Sul do País
(entrevista com Roberto Rodrigues em “O adeus do ministro”, na edição
377).

O lado inegavelmente positivo é a constatação de que, neste
governo, o País tanto diversificou a pauta de ven
das externas como
desconcentrou os destinos. Hoje, o cardápio de vendas do agronegócio, por
exemplo, dá sinais de sofisticação, ainda que o grosso seja dominado por
commodities não processadas, como soja em grão e açúcar. Os destaques, em 2005,
foram o aumento de 2.036% no valor das exportações de carne de peru
industrializada, de 125% na cerveja em malte e de 98% em queijos, para citar
alguns exemplos.

A lista dos compradores de produtos brasileiros também
está mais variada. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Comércio e
Indústria, em 2005, houve um crescimento de 55% das exportações para a Europa
Oriental, 41,4% para a África, 32% para o Mercosul, 27% para a Ásia e 16% para o
Oriente Médio. Essa desconcentração evita que o Brasil fique muito vulnerável
aos humores e às oscilações da economia de poucos parceiros comerciais.
Naturalmente, o maior importador do Brasil continua sendo os Estados Unidos, com
US$ 22,7 bilhões, mas a emergente China já desponta em terceiro lugar, com US$
6,8 bilhões.

Mesmo na América Latina, em que pesem algumas desavenças cá
e lá (principalmente da parte Brasil-Argentina), os negócios vão bem. Para o
vice-presidente de negócios do Banco Latino-Americano de Exportações (Bladex),
Rubens Amaral, apesar da “taxa de câmbio irrealista’; as companhias brasileiras
passaram a ter uma cultura de exportações mais sólida. “Uma economia estável
implica a existência de pequenas e médias empresas atuantes”, defende. Daí a
estratégia do Bladex para 2006 visar o oferecimento de soluções que agreguem
valor a produtos e serviços dessas formiguinhas.
Acontece que até louváveis
iniciativas do governo, como o Simplex (exportações com burocracia simplificada
até o limite de US$ 20 mil), acabam não tendo o vigor esperado. Pode parecer um
samba de uma nota só, mas apenas alguns poucos sobreviventes do câmbio
maltratado têm vez no Brasil de Antonio Palocci e Henrique Meirelles.

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