Fernando Lopes De São Paulo
Aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Lula em dezembro de 2003, a Lei 10.831, que estabelece parâmetros para o mercado brasileiro de orgânicos, deverá ser regulamentada este ano. Segundo a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Agricultura Orgânica – vinculada ao Ministério da Agricultura e composta por representantes de órgãos públicos, produtores, empresas e organizações não-governamentais -, o decreto que regulará a lei entrará em consulta pública em fevereiro, por um prazo de 60 dias. Depois disso, as regras entrarão em vigor, e os agentes do mercado, de agricultores a companhias certificadoras, terão dois anos para regularizar suas atuações. Se tudo correr como o governo espera, em 2008 estará tudo certo para que a produção e as vendas disparem. Fontes ligadas a produtores, empresas, certificadoras e varejo, porém, querem ver para crer. Para esses elos da cadeia, a lei veio tarde e sua regulamentação está muito atrasada, apesar de ainda haver divergências. De qualquer forma, todos afirmam que, sem regras claras, o mercado seguirá incipiente. Estima-se que a produção de orgânicos movimente US$ 40 bilhões por ano no mundo, e que o Brasil represente apenas uma pequena fração disso. Não há dados consolidados e consensuais sobre a área no país, mas cálculos de fontes ligadas a ela sinalizam para uma movimentação entre US$ 150 milhões e US$ 300 milhões, incluindo mercado interno e exportações. Segundo a câmara setorial, a produção brasileira de orgânicos vem crescendo, envolve 12.801 produtores e ocupa 6,588 milhões de hectares. Como comparação, a área total plantada com grãos convencionais e transgênicos chegou a cerca de 47 milhões de hectares nesta safra 2005/06, segundo a Conab. No entanto, ainda conforme a câmara, mais de 5 milhões de hectares de orgânicos são ocupados pelo extrativismo sustentável de cultivos como castanha-do-Pará e palmito. O restante serve à produção de hortaliças, frutas, açúcar, café, soja e guaraná, principalmente. Segundo produtores e empresas, não há consenso sobre a inclusão do extrativismo sustentável na estatística, por este apresentar um perfil totalmente distinto das demais culturas citadas. Mesmo sem o extrativismo, para muitos a área plantada de orgânicos está inflada. “Sem o extrativismo, a área cultivada alcança, em um cálculo otimista, 500 mil hectares”, diz Alexandre Harkaly, vice-presidente executivo do Instituto Biodinâmico (IBD), empresa brasileira sem fins lucrativos que iniciou seus trabalhos de certificação em 1990. No Brasil há duas dezenas de certificadoras com presença significativa, e o IBD é uma das maiores. “Sem a regulamentação, o Brasil continuará patinando, como acontece há cinco anos. Nos EUA e na União Européia, quando as regras foram definidas as áreas plantadas dispararam. Na Europa, cresceu dez vezes de 1992 a 2002”. Para ele, as exportações de orgânicos – sobretudo açúcar, café e soja – somam de US$ 100 milhões a US$ 110 milhões por ano, e o mercado total movimenta até US$ 150 milhões. Com uma carteira de clientes composta por cerca de 500 indústrias, 50 das quais de grande porte, a Native, braço do grupo paulista Balbo (dono da Usina São Francisco) responde por quase 40% das exportações mundiais de açúcar orgânico, segundo seu diretor comercial, Leontino Balbo Jr., e deverá embarcar 35 mil toneladas do produto em 2006, a um preço que varia de US$ 450 a US$ 500 por tonelada. Apesar de avançar progressivamente desde que foi criada, em 1997, a empresa também acusa atraso na definição das regras para os orgânicos. Conforme Balbo Jr., há regulamentações em outros países que poderiam ser adaptadas à realidade brasileira, e as certificadoras com as quais a Native trabalha “até superam as exigências que serão determinadas”, diz ele. Entre os pontos em discussão para a regulamentação da lei, o executivo critica a “certificação participativa”, uma espécie de “auto-certificação” proposta para agricultores familiares que não têm como arcar com os custos de uma certificação. Para ele, a medida esbarra na falta de critérios unificados e pode motivar fraudes. Mesmo com as incertezas, a empresa se prepara para potencializar as vendas no país para clientes de maior poder aquisitivo, em ações corpo-a-corpo nos supermercados. Hoje, a Native exporta 90% do que produz (açúcar, café e suco de laranja). Em virtude dos custos de produção mais elevados, os orgânicos chegam a custar nas gôndolas o dobro do preço de seu par convencional. Pão de Açúcar e Carrefour, as maiores redes varejistas do país, acompanham as discussões sobre a regulamentação da lei mas também já elevaram a aposta nesse mercado. Em 2005, investiram em áreas especiais para a categoria em suas lojas e garantem que a demanda é crescente. “Ainda temos dificuldades em ampliar a oferta porque faltam regras. O mercado tem de ser organizar”, afirma Leonardo Miyao, diretor de Frutas, Verduras e Legumes (FLV) da Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), dona das bandeiras Pão de Açúcar, Extra e CompreBem. Ele é favorável à criação de “fichas técnicas” para os orgânicos, de princípios de padronização – combatidos pelos produtores – e de um selo para os produtos, previsto na lei. Hoje, nas lojas da rede em São Paulo, os consumidores têm à disposição cerca de 100 itens orgânicos, incluindo açúcar, café, suco, folhagens e frutas. “A regulamentação da lei vai moralizar esse mercado. Hoje, não há limite. Já vi biscoito sendo vendido como orgânico apenas porque tinha açúcar orgânico em sua formulação. E o resto?”, questiona André Bussab, da Tradeland, empresa que exporta mel orgânico da marca Bee Brazil. Em 2005, afirma ele, os embarques brasileiros de mel (85% orgânico), renderam US$ 21,5 milhões. |