Risco calculado no Código Florestal

Votação do projeto é adiada para hoje no Plenário da Câmara após uma mudança nas regras de cultivo em áreas de preservação permanente. Único entrave é a reserva legal

Por: Correio Braziliense

11/05/2011 
  
Congresso
Izabelle Torres
Vinicius Sassine


A proposta do novo Código Florestal chega ao plenário da Câmara hoje com uma mudança no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) que vai abrir brecha para que o governo interfira nas regras sobre cultivo em áreas de preservação permanente (APPs) por meio de decreto presidencial. O acordo costurado em reuniões durante todo o dia de ontem prevê uma lista de exceções às regras impostas na lei que, na prática, vão permitir que o Executivo autorize o plantio de produtos estranhos ao texto original e crie novos padrões para definir os tamanhos dessas áreas. “Esse detalhe da possibilidade de permitir a edição do decreto permite chegarmos mais perto de um consenso”, resume o relator.


Aldo: “Se alguém quiser mudar o que proponho, que apresente emendas”


Apesar do acerto sobre áreas consolidadas em APPs, a proposta da nova legislação ambiental vai à votação sem acordo em relação à exigência de reserva legal em propriedades com menos de quatro módulos fiscais. A questão deve ser decidida no voto. O tema é tão controverso que até lideranças envolvidas nas negociações desafinaram o discurso. Para o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), a posição da Casa Civil continuava sendo a de dispensar a reserva apenas para a agricultura familiar e cooperativas agrícolas. Já o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), afirmou que o governo concordou com a proposta do relator de isentar de recomposição da reserva legal todas as propriedades de até quatro módulos. O que muda, segundo o presidente, é a definição de reserva nas grandes propriedades. A exclusão de quatro módulos desse cálculo, como quer Aldo, não seria mais permitida.


Quanto à brecha negociada ontem para permitir que o governo edite novas regras para as APPs, o novo texto vai deixar que casos de interesse público e social definam novas autorizações para o cultivo de produtos. O ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, chamou até a oposição para conversar sobre o novo texto. Apesar de oficialmente o líder do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), ter dito que não era simpático à ideia, ninguém deve apresentar resistências para não atrapalhar mais uma vez a votação. “A gente quer ler o texto do relator para saber como vai tratar essa brecha. Em princípio, dar esse poder ao governo não nos agrada. Mas tudo vai depender da forma como será redigido”, diz o líder.


Longa negociação
O texto que será votado hoje envolveu longas negociações e grandes divergências ontem, quando comandantes do governo não pouparam tempo e esforço em dezenas de conversas e reuniões sobre o assunto. Entre lanches, cafezinhos e almoços de ministros com políticos, houve pouca disposição de ambos os lados cederem, mesmo com a retórica sobre a necessidade de consenso. Apesar dos impasses, a matéria entrou na pauta de hoje porque governistas e oposicionistas concordaram em votar o Código Florestal antes da Medida Provisória nº 521/2010, que facilita as licitações para as obras da Copa. Como a MP interessa — e muito — ao governo, impor sua votação somente depois da nova legislação ambiental ter sido apreciada é uma forma de forçar o Executivo a não criar entraves.


A preocupação com as resistências governistas tem razão de ser. Apesar de ter conseguido apoio para abertura das brechas nas APPs, o bom humor de Aldo Rebelo ao longo de todo o dia na Câmara demonstrava a desvantagem do governo na queda de braço com o relator. Amparado pela expressiva bancada ruralista, Aldo se recusou a alterar significativamente o relatório que vai à votação.


Às 18h, o deputado chegou ao seu gabinete para esperar um retorno da Casa Civil sobre os possíveis recuos do governo. Ele disse que havia “100%” de condições de votação e que pretendia concluir o relatório ainda na noite de ontem, o que permitiria a apreciação em plenário. Quinze minutos depois, quatro deputados que lideram a bancada ruralista apareceram: Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Paulo Piau (PMDB-MG), Homero Pereira (PR-MT) e Valdir Colatto (PMDB-SC). Permaneceram por quase meia hora. Logo depois, o relator desistiu de redigir as mudanças imediatamente e foi para a reunião de líderes de mãos vazias. “Estamos negociando. Mas há coisas em que é impossível fazer acordos. Se alguém quiser mudar o que proponho, que apresente emendas. Qualquer um pode fazer isso”, disse o relator.


Manifestação
Um protesto de ambientalistas, na entrada do Salão Verde, movimentou ainda mais o dia em que seria votado o novo Código Florestal. Cerca de 30 pessoas — a maioria jovens ligados ao Greenpeace — portavam adesivos e protestavam com a frase: “Desliguem a motosserra”. Uma encenação foi feita no local: uma jovem com uma motosserra desenhada num papelão fingia serrar outra menina, que portava uma faixa com a inscrição “Código Florestal”. Não houve tumulto, apenas vaias por parte dos ruralistas — de terno e gravata — que estavam dentro do Salão Verde, na entrada do plenário.


MP critica as mudanças
O Ministério Público Federal (MPF) divulgou ontem um parecer técnico em que critica o substitutivo do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) que altera o Código Florestal. De acordo com o MPF, a proposta reduz a proteção ambiental, em benefício do setor agrícola, e anistia aqueles que degradaram o meio ambiente. A medida, segundo o MP, representa um “retrocesso na proteção ambiental”. “Não é porque uma lei não é cumprida, que se deva alterá-la. Essa lógica é perversa e, no presente caso, só traz prejuízos à proteção ambiental”, destaca o MPF. O órgão critica, ainda, a possibilidade de os produtores continuarem plantando em áreas protegidas até que a União e os estados elaborem o que o MPF chama de “improvável” Plano de Recuperação Ambiental.


Mais perto de um acordo
Governo e relator do novo Código Florestal fizeram as últimas costuras do texto que vai hoje à votação em plenário. Confira:


APPs


O que Aldo propôs
O último relatório do deputado permite que terrenos consolidados pela agricultura em áreas de preservação permanente (APPs) continuem cultivados, sem necessidade de recuperação do terreno perdido. Há interpretações dúbias sobre a extensão dessa permissão, inclusive às margens de grandes rios.


O que vai à votação
O relatório de Aldo vai especificar quais culturas serão permitidas em APPs às margens de rios, encostas e topos de morro, como café, maçã e uva, por exemplo. E permitir que o governo, por meio de decreto, permita novas culturas e defina os tamanhos das áreas plantadas em APPs.


Reserva legal


O que Aldo propôs
Propriedades com menos de quatro módulos fiscais ficam dispensadas de recompor a reserva legal. As propriedades maiores podem descontar os quatro módulos do cálculo.


O que vai à votação
O governo está dividido e não há consenso neste ponto. Deve prevalecer a proposta de Aldo na votação em plenário. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) sugeriu a dispensa apenas para cooperativas agrícolas e agricultura familiar. A Casa Civil também não teria concordado com Aldo. O presidente da Câmara, Marco Maia, diz que a dispensa será para todas as propriedades de até quatro módulos.



Produtores atentos à votação
Larissa Leite


Agricultores do Distrito Federal que produzem soja, milho, feijão, trigo e hortaliças não querem ter a área de plantio diminuída nem recompor as reservas legais das propriedades. Atentos às discussões relativas à votação do novo Código Florestal, muitos deles se alinham às propostas da bancada ruralista e afinam o discurso de perder o mínimo possível com a nova legislação. “É preciso preservar o meio ambiente, mas também é preciso alimentar a população. Para preservar o meio ambiente, seria mais eficaz reduzir o lixo produzido no meio urbano do que a produção na área rural”, defende o agricultor, engenheiro agrônomo e sócio da Cooperativa Agropecuária da Região do DF (Coopa-DF), Claudio Malinski.


Cooperativa reúne 102 associados, que cultivam em 60 mil hectares no PAD/DF. Independentemente do posicionamento dos produtores em torno das mudanças do Código Florestal, uma particularidade une as terras do DF e torna a aplicação da norma, no mínimo, polêmica. As propriedades pertencem à Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) e cabe à empresa definir as áreas de preservação permanente (APPs) e a reserva legal dos terrenos — terreno de mata nativa que deve ser protegido na propriedade.


“A maioria das propriedades locais não tem os 20% de reserva legal. Isso aconteceu porque, quando a maioria dos agricultores veio para o Distrito Federal, o código já existia, mas ninguém se importava com a reserva legal. Nós recebíamos até crédito bancário para desmatar porque o importante era produzir”, afirma Malinski. Agora, muitos produtores têm cultivos consolidados em áreas não permitidas e esperam por uma definição, principalmente da legislação nacional.
 
 

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