Postos para degustadores de bebidas estão principalmente na indústria; procura por esses profissionais deve aumentar
04 de abril de 2011 | 11h 59
Clara Massote, especial para O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO – Quem vê Ensei Neto em ação jamais imagina que, até poucos anos atrás, ele não tomava café. À frente de mais um curso avançado de avaliação sensorial, Neto ensina produtores, exportadores e baristas a apreciar a bebida. E não é tarefa fácil. “Antes de passar para o café, é preciso treinar o paladar e o olfato dos alunos, para que identifiquem e associem os diferentes tipos de gosto.”
No trabalho de Neto, gosto é fundamental. Ele é um dos milhares de brasileiros cuja profissão envolve análise sensorial – ou degustação. A maioria deles trabalha em indústrias de alimentos e bebidas ou no setor de serviços, como bares, restaurantes e cafeterias. Engenheiro químico com especialização em tecnologia de alimentos, Neto dá consultoria em marketing e qualidade de cafés especiais. “Sou um louco por café”, brinca.
Aula de análise sensorial de café: mercado busca trabalhadores qualificados
A paixão começou na vida adulta, quando o sogro o chamou para ajudar na produção dos grãos em sua fazenda no cerrado mineiro. “Foi quando experimentei um café tipo exportação e adorei, daí passei a entender mais sobre cafés especiais e sua classificação.”
O interesse de Neto pelo o café de alta qualidade o levou a integrar, em 2004, um comitê internacional de avaliação da commodity, a Specialty Coffee Association of America (SCAA). “Com a sofisticação do mercado brasileiro de café, vi que havia uma necessidade de aplicar, por aqui, a metodologia usada por essa associação.” De acordo com o consultor, produtores, indústrias, exportadores e baristas se interessam cada vez mais pelo grão. “Este mercado ainda tem muito espaço para crescer, e vai demandar cada vez mais profissionais qualificados.”
Treino
Luciano Horn também tem uma rotina ligada a sabores – embora, normalmente, eles sejam mais amargos. “O lúpulo, principal componente da cerveja, é o que dá o amargor do líquido”, conta. Mestre cervejeiro há quase 20 anos, Horn degusta, diariamente, dez amostras da bebida preferida dos brasileiros na fábrica da Ambev em São Paulo. “Já aviso que isso não dá nem uma lata por dia”, ri.
Para Horn, que também é formado em engenharia química, a degustação está mais ligada a treino do que a um dom. “Claro que algumas pessoas têm mais facilidade do que outras, mas isso não é um impeditivo para seguir na profissão. O processo educativo do paladar e do olfato é que determina o sucesso do profissional.”
O treinamento, de acordo com o mestre cervejeiro, se baseia na associação de odores e sabores. “Você vai orientando a sua análise para aquele aroma, e assim vai sofisticando esta associação. Depois, fica fácil.”
Não existe um curso específico de análise sensorial no Brasil. A maioria dos profissionais que trabalha com degustação na indústria é de engenheiros químicos, de alimentos ou industriais. Normalmente, fazem algum curso de pós graduação fora do País. Horn se especializou num respeitado centro cervejeiro: a Alemanha.
Seu cotidiano de trabalho, no entanto, não se resume a experimentar os lotes da ‘loira’. “O mestre cervejeiro tem que degustar o mosto, a água, o malte e todos os outros insumos que vão ser adicionados à receita.” Ele também experimenta a cerveja após cada etapa da fermentação, até o envase. “Somos os guardiães da qualidade”, afirma Horn, apaixonado por cerveja. “Não conheço ninguém que trabalhe com a bebida e não goste.”
De acordo com o mestre cervejeiro, o mercado de trabalho na indústria de alimentos está crescendo. “É um mercado dinâmico, que absorve muita gente. A própria Ambev está sempre com novas fábricas, ou ampliando as que já existem.” O tempo está bom para quem tem bom gosto.