Precisamos entender que na China tudo se negocia ENTREVISTA – Clodoaldo Hugueney, embaixador do Brasil na China

4 de fevereiro de 2011 | Sem comentários Mais Café Opinião

ECONOMIA & NEGÓCIOS
04/02/2011 
  
 
 
04 de fevereiro de 2011 | 0h 00
Cláudia Trevisan – O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA
Clodoaldo Hugueney, embaixador do Brasil na China


Brasil e China têm de sentar à mesa, resolver suas pendências de natureza comercial e relançar o relacionamento bilateral em novas bases, afirma o embaixador brasileiro em Pequim, Clodoaldo Hugueney. \”Os chineses têm tido muita calma nesse clima de denúncias da China no Brasil. Há um real interesse em atribuir ao Brasil um papel importante e evitar o desgaste.\”


A presidente Dilma Rousseff irá à China em abril e, ao longo do ano, ocorrerão várias trocas de visitas de ministros, o que dará impulso político para retirar o \”entulho\” que provoca ruídos na relação, avalia Hugueney. Entre os problemas, estão as queixas da indústria brasileira em relação ao câmbio e a práticas desleais dos exportadores chineses. \”O que nós precisamos entender é que este é um país onde tudo se negocia\”, disse o embaixador ao Estado.


A seguir, os principais trechos da entrevista.


O que vai mudar na relação com a China no novo governo?


No governo anterior foram construídas as bases para resolvermos os problemas e termos uma relação diferente com a China. O Plano de Ação Conjunta, que traz os objetivos para o período 2010-2014, criou os instrumentos para superar as dificuldades. Resolvido isso, podemos entrar numa nova fase, que vai produzir resultados positivos para o Brasil. Em 2011, haverá uma sucessão de visitas importantes, que vão criar o momento político para relançar a relação em novas bases. O potencial é gigantesco. O nosso comércio, de US$ 50 bilhões, é ridículo perto da dimensão das duas economias.


O que atrapalha a relação?


Há os problemas ligados à competitividade chinesa, que é estrutural, fruto de 30 anos de crescimento, de investimentos maciços em modernização da economia e em infraestrutura. A competitividade chinesa não é um problema só do Brasil, é um problema do mundo. Mas há problemas que são específicos e atingem o mercado brasileiro: práticas de dumping, de contrabando, todas as chamadas práticas desleais de comércio. Há a questão do câmbio. O câmbio aqui está se movendo lentamente, mas houve uma valorização. A apreciação real já está em 7% e vai continuar.


No Brasil, o real se valorizou muito mais.


O real se valorizou enormemente, e isso terá de ser discutido em um contexto mais global também. Mas nós teremos de ter um diálogo bilateral intenso com a China e ver o que se pode fazer. Nós temos de tomar medidas para proteger a indústria brasileira, defender o emprego no Brasil, mas as medidas de caráter defensivo não vão resolver a situação. Temos de desenvolver ações que promovam as exportações, como o governo está fazendo, abrir mercados, corrigir o custo Brasil e investir na infraestrutura. Os chineses dão enorme importância ao Brasil e querem resolver os conflitos. Eles não estão interessados em construir um superávit com o Brasil. A China reconhece a importância do Brasil para ela e para o mundo.


A China é o maior destino das exportações brasileiras e um país com o qual o Brasil tem superávit. Os chineses entendem as razões pelas quais o Brasil está insatisfeito?


Os chineses têm tido muita calma nesse clima de denúncias da China no Brasil. Há um real interesse em atribuir ao Brasil um papel importante e evitar o desgaste. Com os mecanismos do plano de ação é possível começar a limpar a mesa. Vamos tirar os obstáculos.


Há um exagero na percepção brasileira em relação à suposta ameaça chinesa?


Os setores afetados têm preocupações legítimas. Adotou-se uma medida antidumping no setor de calçados e a participação da importação de calçados no total do consumo caiu enormemente. O setor de calçados está exportando e tendo resultados positivos. Setores afetados têm uma causa e o governo deve olhar para isso. Mas há grandes ganhos também. Não se pode desprezar a China. Por que jogar fora uma relação com a qual se pode ganhar muito? Pela minha experiência de 40 anos lidando com contencioso comercial, com problemas com os Estados Unidos e com a União Europeia, sei que dá para resolver. Se fizermos isso, vamos tirar o entulho em cima da mesa, relançar a relação em novas bases e ganhar muito com ela.


O que significa \”relançar a relação\”?


O comércio cresceu espetacularmente, mas ainda é pequeno e pode passar de US$ 100 bilhões. As importações chinesas em 2010 foram de US$ 1,4 trilhão, 22% do PIB, e a maior parte é de produtos manufaturados. Há um espaço enorme no agronegócio, na área de produtos de luxo. Existe 1 milhão de milionários e uma classe média de 400 milhões. Não dá mais para dizer \”ah, o chinês não toma café\”. O chinês toma café, sim, e se colocar café de qualidade aqui com a marca do Brasil vai vender. A dimensão do mercado é gigantesca.


Os chineses estão dispostos a aceitar medidas de proteção em setores afetados pelas importações chinesas?


Eles têm aceitado. Nós reconhecemos a economia de mercado e não implementamos a medida. Eles não gostam disso, mas o fato de reclamarem e não levarem isso adiante é um reconhecimento de que o Brasil está numa situação complicada e terá de tomar alguma medida.
Integrantes do novo governo, principalmente o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, estão com discurso mais crítico em relação à China. O governo chinês manifestou alguma preocupação em relação a isso?


Não. Eles estão interessados em construir uma relação positiva com o Brasil. Em vez de fazer uma crítica exagerada, nós temos de procurar resolver as questões. Ver os problemas concretos e resolver. A crítica é importante para sensibilizar. Mas está todo mundo sensibilizado, no Brasil e aqui.


Estatais chinesas manifestaram interesse em comprar terras no Brasil. Isso vai prosperar?


Nós estamos trabalhando para lançar um boletim trimestral de investimentos chineses no Brasil e estamos levantando tudo: quem está investindo, quem está pensando em investir. Tem algumas coisas nessa área, mas não é prioridade. E algumas coisas mais recentes não estão prosperando, porque o cara vai lá e percebe que há resistência. Ele volta para cá e diz: \”Disso eles não gostam, vamos fazer outra coisa\”.


Qual é a prioridade?


Petróleo é uma delas. A Sinopec acabou de colocar US$ 7 bilhões no Brasil. Isso aí é o que as pessoas esquecem. Não é todo mundo que entra com US$ 7 bilhões no País. Há interesse chinês na área de mineração, mas é uma área que temos de olhar com certo cuidado. Mas temos que definir critérios para todo mundo, não só o chinês.


Outra questão é que os investimentos são feitos por grandes estatais, o que levanta dúvidas sobre a motivação, se é somente econômica ou também política.


O cara está investindo no Brasil para ganhar dinheiro. Essas estatais foram todas corporativizadas. Vai conversar com os dirigentes das estatais chinesas. Os caras são uns capitalistas e estão fazendo investimentos porque acham que é bom para a empresa deles, vai produzir lucro, vai reforçar a presença da empresa no plano mundial.


Os chineses querem ter portas abertas para investimentos no Brasil, mas impõem restrições para investimentos brasileiros.


A gente tem de atacar isso. Quem quer entrar tem que entrar. Se quer fazer investimento com 100% de capital brasileiro, é mais difícil, mas não é impossível. Se isso é prioritário para uma empresa brasileira, é interesse do Brasil, então fala para o chinês. Ah, não resolve? Então, quando houver um investimento importante para você no Brasil, eu também não resolvo. O que precisamos entender é que este é um país onde tudo se negocia. Nós temos de definir o que queremos e ver o que eles querem.


QUEM É


Clodoaldo Hugueney foi nomeado embaixador do Brasil em Pequim em meados de julho de 2008 pelo então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Ele substituiu Luiz Augusto de Castro Neves e acumula o cargo de embaixador brasileiro na Mongólia e na Coreia do Norte. Antes de ocupar o posto em Pequim, Hugueney foi delegado permanente do Brasil em Genebra e subsecretário geral de Assuntos Econômicos e de Comércio Exterior.
 
 

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