Com as exigências, o governo espera melhorar a confiabilidade na produção e conquistar o mercado externo
26/01/2011
Com as exigências, o governo espera melhorar a confiabilidade na produção e conquistar o mercado externo
Eles não se misturam aos demais produtos nas gôndolas dos supermercados e também não cabem no orçamento de grande parte da população do País. A lista é longa e inclui frutas, verduras, legumes laticínios, geleias, mel e carnes, que fazem parte da mesa de um seleto grupo de consumidores e também de produtores da chamada agricultura orgânica ou biológica. É uma forma diferenciada de produzir alimentos, passando ao largo de pesticidas, sementes transgênicas, incentivando a agricultura sustentável.
A cartilha da produção dos orgânicos leva em consideração a ética e a responsabilidade social nas relação produção-trabalho, não admitindo trabalho infantil, incentivando os pequenos produtores, bem como as relações de gênero. Muito disseminada no mundo, principalmente na Europa, a produção de orgânicos propõe uma nova aliança do homem com a terra, surgindo como a \”revolução verde\” do século XXI.
No Brasil, aos poucos a agricultura orgânica ou biológica ganha mais adeptos. De olho no mercado internacional e para melhorar a qualidade dos produtos orgânicos comercializados, o Ministério da Agricultura fecha o cerco em torno dessa cadeia produtiva. Assim, produtores, distribuidores e varejistas ganharam prazo até o fim deste ano para se adaptarem à nova legislação dos orgânicos, conforme determinação do Ministério da Agricultura.
Cada um vai fiscalizar o outro, ou seja, varejistas terão que exigir dos fornecedores o cumprimento de pelo menos uma das três formas de garantia de qualidade dos alimentos orgânicos comercializados.
Conforme o Ministério da Agricultura, a legislação brasileira estabelece três instrumentos para garantir a qualidade dos alimentos: a certificação, os sistemas participativos de garantia e o controle social para a venda direta sem certificação. Neste último grupo estão incluídos os agricultores familiares que vendem por conta própria em feiras agroecológicas, por exemplo.
Eles poderão conseguir autorização para fazer feiras e entregas em domicílio se cadastrando no site do Ministério (http://www.agricultura.gov.br). Cada um dos segmentos deve cuidar da fiscalização, sobrando responsabilidade até mesmo para os consumidores.
O Ministério da Agricultura esclarece que o agricultor que seguir as novas regras ganha o selo do Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica. O consumidor vai poder conferir o selo e levar para casa esses alimentos tendo a segurança de que foram realmente fiscalizados e aprovados.
Outra vantagem: \”a nova regulamentação, com um cadastro nacional de produtores orgânicos, trará dados oficiais que poderão facilitar a aplicação de políticas públicas específicas\”. Ainda de acordo com informações do Ministério da Agricultura, a primeira avaliação aponta que cerca de 1,5 mil produtores de orgânicos no País estão de acordo com essas novas regras, contra mais de 3,5 mil que estão em processo de cadastramento.
Os interessados em solicitar a regularização podem acessar informações sobre legislação, cartilhas educativas, formulários para cadastros e credenciamento no site do Ministério e nas suas representações estaduais.
No Ceará, a Associação para o Desenvolvimento da Agropecuária Orgânica (Adao) está em processo de re-certificação junto ao Instituto de Biodinâmica (IBD) para se adaptar às novas regras. Bráulio de Sá Magalhães, diretor da Adao, admite que \”todos os produtores estão procurando se adaptar para conseguir o certificado\” e continuar no mercado dos orgânicos.
Ele explica que há quatro anos estão sendo discutidas instruções e normas para regularizar esta fatia de mercado. O primeiro prazo foi janeiro de deste ano. Até agora, \”não recebemos notícia de prorrogação\”.
A certificação será exigida para todos os integrantes da cadeia produtiva, incluindo os pequenos e os produtores organizados em associações, informa, considerando ainda pequeno o número de produtores certificados junto ao Ministério da Agricultura.
A Adao está no mercado desde 1987, vendendo diretamente para consumidores associados. No entanto, existem outras associações de produtores orgânicos no Estado que, certamente, terão de se adaptar às novas regras, que inclui produtores, varejistas e até transportadores.
Exigências
Não basta dizer que o produto não usa agrotóxico para ser considerado orgânico. Para o Ministério da Agricultura é necessário que sejam respeitados outros preceitos. O manejo da terra é um deles. Outro é não utilizar mão-de-obra infantil e tampouco a queimada, como adverte Diana Soares, gerente do Portal do Orgânico, lembrando que existe toda uma cadeia a ser cumprida.
\”A gente trabalha com orgânico há muito tempo, por isso o que o governo está exigindo já estamos praticando\”, responde despreocupada. Cita que, entre as exigências, o selo de identificação do produto que deve estar claro, assim como o transporte exclusivo para os produtos orgânicos. Há dez anos no ramo, embora a loja só funcione há dois, Diana Soares diz que segue as normas do governo.
Além da venda a varejo de produtos orgânicos que inclui na lista verdura, fruta, ovo, queijo e frango, dentre outros produtos, funciona como distribuidora para outros varejistas. \”Trabalhamos com produtores que se adequam às exigências e fazemos as embalagens\”, revela. Os produtos são oriundos da Serra da Ibiapaba, Guaraciaba do Norte e Croatá.
Consumidores
Diana Soares constata que, há cerca de dois anos, percebe uma maior conscientização das pessoas quanto ao uso dos orgânicos. \”Mas existe um público fiel que consome esses produtos há mais tempo e compra toda semana\”, revela, esclarecendo que orgânico vai além de não usar veneno na produção. \”O tratamento é desde o plantio até à colheita\”, diz. Além de ser fornecedor, o Portal conta também com um restaurante onde as pessoas podem degustar pratos preparados com os produtos oferecidos na loja, diariamente, das 11 às 14h30.
Protagonista
Hábito alimentar
O psicólogo clínico Sidcleiton Jucá, mesmo fora de casa e que custe mais caro, faz questão de conservar hábitos alimentares saudáveis, reconhecendo que é preciso praticar esportes e manter os exames em dia.
Sidcleiton Jucá
A assistente social Irenice Campos, que confessa sua paixão antiga por produtos naturais, há três anos optou pelos produtos orgânicos. \”São mais caros, mas é um investimento na saúde\”, destaca.
Irenice Campos
GENTILÂNDIA
Feiras são espaços diferenciados
A nova legislação dos orgânicos proposta pelo governo põe em xeque um dos preceitos básicos da agricultura agroecológica: a relação de confiança baseada na palavra e no \”face a face\” entre consumidor e produtor.
A Feira Agroecológica da Gentilândia, realizada a cada 15 dias, no Benfica, é um exemplo dessa relação, como reconhece Geovana Correia Nunes, do grupo Consumidores Responsáveis (http://consumidoresresponsaveis.blogspot.com), que reúne cerca de 12 integrantes.
Os produtores que participam da feira não possuem certificação, explica, afirmando que são agricultores familiares dos municípios de Mulungu, da Associação Vale da Biodiversidade e de Canindé. \”A certificação deixa o produto mais caro\”, diz, justificando que \”o nosso atestado é o face a face\”, o que significa saber qual a procedência dos produtos.
Os agricultores familiares não têm \”tantas condições\”, observa, lembrando que a certificação tem um custo. Na feira, os produtos apresentam preços acessíveis \”porque não existe o atravessador\”, observa, apostando que a obrigação do certificado vai dificultar a vida dos pequenos produtores.
Mas a relação de confiança entre produtores e consumidores da Feira Agroecológica da Gentilândia não acontece por acaso. Geovana Nunes esclarece que existem duas pessoas do grupo que trabalham no campo com os produtores. \”Este é o link com o grupo e os agricultores\”, completa.
Relações ampliadas
O espaço vem ganhando adeptos de outros bairros. \”Estão sendo formados ciclos de amizade, principalmente entre os jovens\”, revela, chamando a atenção para a importância da troca de informações que acontece durante os encontros. Não se trata apenas de compra e venda de produtos, como mel, farinhas, folhas verdes, café, tomate, café, ovos, queijos, dentre outros, mas da discussão sobre saúde e de novas formas de convivência com o meio ambiente.
Criada no ano passado, a feira está se tornando um momento de \”socialização\” e de troca de saberes entre pessoas de todas as idades. Geovana lembra que a agroecologia é mais ampla do que a simples produção de produtos orgânicos. \”Ela propõe uma nova relação com o campo e incentiva a produção familiar\”.
Os organizadores da feira estão reivindicando agora o apoio para o transporte dos produtores, uma vez que esse movimento prima pela relação direta produtor-consumidor.
IRACEMA SALES
REPÓRTER