O café brasileiro continua fazendo a fama dos cafés europeus. Mas agora, neste mês, a festa é nossa
23/10/10
UMA DAS questões mais debatidas para a inserção internacional do agronegócio brasileiro é a agregação de valor. Exemplo mais comum é vender milho e soja embutidos em carnes de frango e de suíno, em derivados de leite ou em óleos vegetais.
Com isso, agrega-se renda e cria-se emprego em nosso país. O problema é que qualquer país importador pensa exatamente o mesmo, isto é, industrializar lá, criando empregos e renda lá.
Portanto, para acessar mercados, são necessários acertos com redes de distribuição, para que o produto não morra no porto do país importador. Exigem-se ainda promoção comercial, acordos de comércio privados e governamentais, crédito farto para industrialização e exportação, enfim, uma boa receita de políticas públicas articuladas com as ações do empresariado nacional.
E ainda tem o cada vez mais sério problema do câmbio! Entre outras formas de acesso a mercados -que dependem da encalhada Rodada Doha da OMC-, está o de nichos especiais: gente inteligente e operosa encontra áreas pouco exploradas que podem representar ganhos muito interessantes. Quem for a Paris neste mês, por exemplo, vai encontrar muito mais do que manifestações e protestos e se surpreenderá com uma festa regada a café brasileiro. Uma das mais tradicionais e exclusivas butiques de alimentos da França, a Hèdiard, comemora os 140 anos de sua principal casa, a da Place de La Madeleine, abrindo espaço, pela primeira vez, para produtos que não levam a marca da rede. Em busca de um café diferenciado, exclusivo e com história, a cafeóloga da rede, Eda Freitas, brasileira radicada na França, contatou outra brasileira, Mariângela Taramelli, produtora do café Serra da Grama. A trajetória desse café, desde os primeiros pés plantados pela família Taramelli há 40 anos, com plantio e colheita manuais, seleção dos grãos cereja e secos, secagem adequada e torrefação no ponto, fez dele o escolhido para a butique durante a comemoração, para ser servido aos convidados depois de torrado em plena Paris, exalando seu aroma inigualável pelas charmosas ruas da capital francesa.
Pena é Mariângela, a dona, não poder participar da festa: agricultor brasileiro não tem dinheiro sobrando para isso.
Foi na garra e na competência que Mariângela conseguiu sua segunda exportação direta, fazendo a festa dos exigentes franceses. Aliás, exportar não é novidade para ela: 80% do café produzido em sua fazenda é vendido para exportadores. No ano passado ela recebeu um prêmio de qualidade do seu café, que foi utilizado para produzir uma preferência do momento em todo mundo, o Nespresso.
O café Illy também usa os grãos do Serra da Grama. O segredo desse café não é só o cuidado e a paixão, mas também é a oportunidade de ser produzido em um lugar considerado entre os melhores \”terroirs\” para cultivo de café arábica fino: São Sebastião da Grama, no Estado de São Paulo. É uma área privilegiada, a uma altitude na qual parece flutuar entre as nuvens, onde chove apenas o necessário e a temperatura é a ideal. Onde produzir o melhor café é motivo de disputa entre os vizinhos.
Bom que os brasileiros saibam disso, porque o nome do Brasil está estampado nas embalagens. O café brasileiro continua fazendo a fama dos cafés europeus. Mas agora, neste mês, a festa é nossa. Não é qualquer agricultor que pode ver seu produto exposto em uma vitrine tão exclusiva e requintada. Os franceses têm uma chance única de sentir o mesmo aroma que, nas madrugadas frias dos invernos brasileiros do passado, saía do bule de café coado em coador de pano, entrava por baixo das portas dos quartos, chamando toda a família para a reunião em torno do prazer na cálida cozinha com fogão a lenha. Quem dera fosse assim com todo café brasileiro, melhor que o colombiano, mas que ainda carece de propaganda e marketing: exportamos mais de 30% do café verde do mundo, e menos de 3% do torrado e moído.
ROBERTO RODRIGUES, 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp -Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.