Europa só permite que o Brasil exporte o café em grão, lembra Seixas Corrêa

O caráter social das negociações internacionais

14 de dezembro de 2005 | Sem comentários Comércio Exportação
Por: Deutsche Welle por Fernando Scheller



 


 


Embaixador do Brasil na Alemanha, Luiz Felipe Seixas Corrêa, diz, em entrevista exclusiva à DW-WORLD, que o fim das barreiras comerciais agrícolas pode ser o caminho para a promoção de uma distribuição de renda mais justa no Brasil.




Relações internacionais, para a maioria das pessoas, parecem uma disciplina abstrata, em que embaixadores e diplomatas negociam temas distantes do dia-a-dia do cidadão comum. Na verdade, no calor da discussão sobre os subsídios agrícolas, um fator quase sempre é esquecido pela mídia: o fim dos subsídios agrícolas pode significar uma distribuição de renda mais justa para países em desenvolvimento como o Brasil.


 


De acordo com o embaixador do Brasil na Alemanha, Luiz Felipe Seixas Corrêa, que chegou a Berlim depois de comandar a equipe brasileira na Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, na Suíça, uma consistente redução nos subsídios da União Européia e Estados Unidos significaria uma considerável transferência de riquezas para o Brasil.


 


Atualmente, segundo ele, os produtos de valor agregado que a agroindústria brasileira produz a preços competitivos são barrados pelas tarifas e restrições impostas por países desenvolvidos, especialmente na União Européia. Por isso, diz Seixas Corrêa, a união do G-20, que se mantém firme na redução drástica dos subsídios agrícolas, é fundamental para o combate à pobreza nos países em desenvolvimento.


 


Luiz Felipe de Seixas Corrêa, ao lado de Gro Harlem Brundtland, em foto de 2002Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift:  Luiz Felipe de Seixas Corrêa, ao lado de Gro Harlem Brundtland, em foto de 2002Em entrevista à DW-WORLD, o embaixador, que chegou a Berlim no fim de setembro, falou também da parceria estratégica entre Brasil e Alemanha, do uso da Copa do Mundo de 2006 como uma “vitrine” comercial para o país e das perspectivas para a rodada da OMC de Hong Kong, que se inicia na terça-feira (13/12). Leia os principais trechos:


 


DW-WORLD: O Brasil já tem relações comerciais e políticas com a Alemanha. O que há para fazer para melhorar ainda mais este relacionamento?


 


Seixas Corrêa: Estive em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília recentemente e, nas conversas com as câmaras comerciais, percebi a necessidade de se atualizar e reforçar as possibilidades de parceria entre as partes. A cooperação entre Alemanha e Brasil é grande, a relação comercial é forte e está se estendendo para vários setores estratégicos, inclusive no plano político.


 


Os dois países pleiteiam mudanças na ONU e fazem parte do G-4 [grupo que negocia assentos permanentes no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas]. Essa cooperação está se fortalecendo, estendendo-se também para a preservação do meio ambiente e ao combate à fome e à pobreza. Agora, precisamos trabalhar juntos para manter os espaços abertos.


 


A Copa do Mundo pode ser uma oportunidade para o Brasil aumentar a parceria com a Alemanha? O evento será uma vitrine para produtos brasileiros?



 


Gilberto Gil em coletiva de imprensa em BerlimBildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift:  Gilberto Gil em coletiva de imprensa em BerlimO ministro Gilberto Gil [Cultura] acaba de vir à Alemanha para lançar, na Casa das Culturas do Mundo, em Berlim, o projeto Copa da Cultura, que vai ter como foco o Brasil, no ano que vem. Será um espaço de divulgação cultural, com música, artes cênicas e artes plásticas.


 


Na parte comercial, o encontro anual Brasil-Alemanha está marcado para julho, para coincidir com os últimos dias da Copa do Mundo. Temos uma forte agenda bilateral e pretendemos trabalhar com força o álcool brasileiro, tanto como combustível integral quanto como aditivo à gasolina.


 


O Brasil já produz motores flex fuel [bicombustíveis] e pretendemos mostrar a vantagem da nossa matriz energética. O ministro da Agricultura [Roberto Rodrigues] está tentando também uma parceria com a seleção brasileira, para que o transporte dos jogadores seja feito com ônibus movidos a álcool.


 


O sr. é tido como um dos “arquitetos do G-20″. Qual é a importância do grupo de países em desenvolvimento nas negociações internacionais?


 


O G-20 reúne diferentes perspectivas, não tem somente o comércio internacional como objetivo. É formado por países como Argentina e Uruguai, que têm interesse em exportar mais matéria-prima, e por nações como a Índia e a China, que são na verdade importadores de alimentos.


 


O Brasil funciona como uma espécie de união entre os países interessados em competir no mercado internacional e os preocupados com a agricultura familiar. Esta vasta coalizão é resultado da convergência sobre a perspectiva desenvolvimentista da rodada de Doha na OMC.


 


O G-20 tem a convicção de que a liberalização no setor agrícola tem de ocorrer. A vantagem comparativa dos países em desenvolvimento é prejudicada por restrições e limitações. Tome-se o caso do café, por exemplo, produto que está na pauta de exportações do Brasil desde o fim do século 19 e no qual o país ainda é líder no mundo.


 


A Europa só permite que o país exporte o café em grão, justamente o produto mais barato, quando o Brasil poderia entregar o café torrado, moído, embalado ou em saquinhos. Mas isso não ocorre, porque as tarifas da União Européia são proibitivas. O G-20 não busca o confronto, mas uma somatória positiva para a negociação.


 


União Européia e Estados Unidos reclamaram da posição do G-20 em 2003, em Cancún. O Brasil passou a ser visto como líder do grupo e também foi severamente criticado por barrar as negociações.


 


Acho que essa fase já passou, esse foi um problema que surgiu no calor das negociações. Acho que não há ninguém na comunidade internacional atualmente que deixe de reconhecer o papel positivo do G-20 na coordenação das necessidades dos países em desenvolvimento. O Brasil tem mantido uma posição coerente em relação ao G-20.


 


Para Hong Kong, aliás, o G-20 foi o único bloco negociador que apresentou propostas sobre todos os aspectos em pauta, com porcentagens, prazos e previsões. Nenhum outro grupo fez propostas tão detalhadas. Claro que a UE ainda considera os cortes propostos pelo G-20 excessivos, mas a seriedade do trabalho não pode ser ignorada.


 


Apesar de os subsídios europeus à agricultura serem ilegais segundo a OMC, UE e EUA querem condicionar o fim dos subsídios agrícolas à abertura de mercados em outras áreas, como serviços e produtos industriais, por exemplo. Se os subsídios são ilegais, eles não deveriam ser simplesmente cortados?


 


São os desequilíbrios do comércio internacional. Como são ilegais, deveriam ser retirados sem nenhuma contrapartida. Mas aí entramos na diferença entre o mundo ideal e o real. E o Brasil está trabalhando com o mundo real, estando disposto a negociar em todos os setores, desde que haja um avanço significativo na área agrícola.


 


O setor agrícola pode alavancar muitos outros segmentos no país, como siderurgia, construção e produção de maquinários. Com a liberalização do agronegócio, o que inclui também a agroindústria, as vantagens comparativas do Brasil se ampliam. E é por meio da geração de riquezas que o país pode promover a distribuição de renda que lhe é tão necessária.


 


Pascal Lamy, diretor-geral da OMCBildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift:  Pascal Lamy, diretor-geral da OMCUma curiosidade: como o sr. avalia sua candidatura à direção-geral da OMC e a derrota para o candidato da UE, o francês Pascal Lamy?


 


Não foi um projeto pessoal meu nem um projeto brasileiro. Surgiu uma idéia, uma coalizão que tinha o objetivo de trazer a direção da OMC para um grande país em desenvolvimento. O resultado provou que ainda não havia condições para isso.


 


UE, EUA e G-20 ainda fazem “cabo-de-guerra” em relação à negociação dos assuntos de Doha, mesmo com a reunião de Hong Kong às portas. Há a possibilidade de sair algo concreto deste encontro?


 


Antes mesmo de o encontro começar, já estava claro que Hong Kong não vai gerar um acordo definitivo, principalmente por causa da posição irredutível da UE. Mas entendo que o encontro pode ser uma plataforma para resolver os problemas atuais e para a busca de um acordo em 2006. Não está claro como isso vai se materializar, mas o importante é que se evite uma nova crise, uma vez que o mandato de Doha precisa ser concluído até o fim do primeiro semestre do ano que vem.



 

Fernando Scheller



 

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