Se o assunto é café, o Brasil tem muito o que falar. Para começar a conversa, somos os maiores e um dos melhores produtores e exportadores de café verde do mundo (nome que se dá ao café pronto para ser enviado ao torrefador ou exportado). Posto importante, considerando que o fruto é o segundo commodity mundial, depois do petróleo. Não é de hoje que o cafezinho é um importante alicerce da economia do país: chegou a figurar como principal produto brasileiro comercializável no final do século 18 e foi tema de um bafafá político-econômico quando sacas e mais sacas foram queimadas para evitar a desvalorização do produto depois da quebra da bolsa de Nova York, em 1929.
Os números realmente afirmam a supremacia nacional: segundo o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), o volume de sacas (de 60 kg cada) exportadas no 2º semestre de 2003 foi de mais de 13 milhões, incluindo os cafés verde e solúvel. Mas quantidade não garante qualidade: só 1 a 2% do café brasileiro é considerado especial. E o pior: cerca de 99% destes cafés especiais são exportados, garante José Francisco Pereira, presidente da BSCA (Brazil Specialty Coffee Association). Pereira afirma que é praticamente impossível encontrar no país cafés brasileiros de qualidade, pois eles desaparecem ao serem usados em blends ou vendidos por cooperativas e exportadores a clientes privilegiados. Nosso café especial também tem bom corpo e doçura, características necessárias para um bom espresso.
Mas o cenário tende a mudar, já que o interesse pelos cafés de qualidade no país tem aumentado ao longo dos últimos 2 anos. A torcida é pela melhora do produto, uma exigência que o consumidor deve ter ter na hora de adquirir seu café. E muitas reclamações já surtiram efeitos, tanto que associações têm realizado concursos e oferecido apoio ao produtor.
Aprimoramento: o início Uma das primeiras iniciativas ao aprimoramento da qualidade do café no país chamou-se Selo de Pureza, programa da Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café) lançado em agosto de 1989. O selo nas embalagens de café garante a presença única e exclusiva do produto, já que era comum a adição de outros componentes, com o objetivo de dar mais volume à embalagem. O problema deste programa está na falta de avaliação gustativa: a pureza não garante que o café seja bom.
Levando isso em conta, a Abic traz uma novidade este ano com a implementação do Programa de Qualidade do Café, no qual a questão sensorial também será avaliada. Segundo a associação, o consumidor está disposto a pagar mais pelo produto, desde que perceba que está adquirindo um café de melhor qualidade. O programa conta com a parceria da Embrapa no desenvolvimento de aparelhos como o sensor eletrônico (para avaliação gustativa da bebida) e o detector do teor de impureza no café em pó.
Com este novo programa, a Abic pretende que as indústrias cafeicultoras ofereçam um café com, no máximo, 360 defeitos para cada 300 g de café – classificação que se encaixa o café na categoria tradicional (ver tabela de classificação). Embora seja um avanço, ainda está longe, porém, de atingir a categoria de café especial: esta permite de 4 a 46 defeitos apenas para cada 300 g.
O que é o café |
O café provém da planta Coffea, da família Rubiaceae, que inclui mais de 6 mil espécies. Há pelo menos 25 espécies importantes, originárias da África e de ilhas do Oceano Índico. Apenas 2 espécies são importantes economicamente, e diferem uma da outra pelo número de genes:
Coffea arabica: origina o café arábica de sabor suave, aromático, para ser bebido puro, sem nenhum blend. É a espécie mais complexa, com 44 cromossomos, e só pode fazer cruzamentos com plantas da mesma espécie, o que evita casamentos negativos. É uma planta mais delicada, que se desenvolve em altas altitudes (os melhores cafés são palntados acima de 1000 m) e exige clima ameno (entre 15ºC e 22ºC). Geralmente plantado entre os trópicos.
Coffea canephora, variedade robusta: produz o café conilon. Tem 22 cromossomos, e é a variedade mais resistente a pragas e aos fatores climáticos (desenvolve-se bem em temperaturas entre 24ºC e 29ºC). Tem uma raiz mais profunda, da árvores mais altas, entretanto, não origina um café com a mesma qualidade do arábica, pois tem sabor mais adstringente e amargo. (Cristiana Couto)
Fonte: “Aroma de Café – Guia Prático para Apreciadores de Café” |
Classificação do café |
Os elementos que influenciam de maneira decisiva na qualidade do café são: altitude, tipo de solo, condições climáticas, genética do grão e cultivo de plantas, manutenção de cafezais. A classificação abaixo, por qualidade, atende também a quesitos como qualidade global da bebida (percepção de aromas e sabores característicos do café, por exemplo, em uma escala de valores que varia de 1 a 10), porcentagem de defeitos e ponto de torra.
Cafés tradicionais Feitos com café arábica ou blendado em até 30% robusta. Pode apresentar até 20% de defeitos. Sua nota varia de 3,5 a 6,5.
Cafés superiores Contém, no mínimo, 85% de grãos arábica. A nota fica entre 6,51 e 7,6 e os defeitos não podem ultrapassar10%.
Cafés gourmet ou premium Possuem 100% de grãos arábica (blendados ou não), de preferência, com origem controlada. Deve conter ausência de defeitos (0%), como grãos verdes. Sua nota fica entre 7,61 e 10.
Cafés especiais Entre os 200 mil produtores brasileiros, cerca de 50 enquadram-se na classificação de cafés especiais. São vários os critérios que estabelecem se um café é especial:
1. ser praticamente isento de defeitos (em 300 g, até 12 defeitos pela classificação oficial brasileira —- COB) 2. ser 100% arábica 3. ter origem controlada 4. originar-se apenas de grãos cereja (ápice de maturação do fruto) 5. seus grãos devem entre 17 e 20 de peneira (expressos em 64 avos de polegada) 6. ter características gustativas marcantes (nota entre 8 e 10, de um total de 10) 7. ser elaborado com responsabilidade social 8. ser eco-sustentável 9. ser produzido em instalações de alto padrão de qualidade 10. ser produzido acima de 800m de altitude (Cristiana Couto)
Fonte: Sindcafé/Isabela Raposeiras
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Cafés especiais O que garante, então, que um café seja especial? Em 91, um grupo de produtores de cafés de alta qualidade criou a BSCA (Brazil Specialty Coffee Association) com a intenção de oferecer ao mercado gourmet os melhores cafés do Brasil. A proposta deu certo e, atualmente, a associação é responsável pela certificação de cafés especiais no país.
Os cafés especiais brasileiros são feitos somente com grãos do tipo arábica, mas isto não significa que não existam especiais feitos de robusta. “Um exemplo é a Índia, país que desenvolve este especial”, informa Pereira. “A variedade robusta também dá o creme, uma das características do espresso”, explica a barista Isabela Raposeiras.
Atualmente, a BSCA tem 56 associados em todo o país onde os cafés arábicas de alta qualidade são produzidos: Sul de Minas, Matas de Minas, Cerrado, Chapadas de Minas, Mogiana, Bahia e Paraná. Mas não é fácil passar pelo crivo da entidade. Este envolve uma auditoria minuciosa, desde a lavoura até o produto final, em que são considerados aspectos agrícolas, sociais, ambientais e até uma “prova” feita com o produtor. A próxima etapa é a avaliação às cegas do café. Uma amostra do lote é analisada por 3 provadores independentes e, se receber nota superior a 8 (a máxima é 10), é numerado e pode ser vendido no mercado externo como café especial. Um selo, no rótulo do produto final, atesta o café torrado a partir de grãos crus certificados.
A BSCA, além da certificação do café especial, assessora seus associados na melhora da qualidade da produção, além de fazer marketing dos cafés especiais nacionais no exterior.
Na próxima reportagem deste especial sobre cafés, conheça as regiões produtoras de cafés especiais e saiba como é feito o concurso que elege os principais cafés do país
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