Câmbio e competitividade

18/04/10


JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS – O Estado de S.Paulo


Em nosso último artigo buscamos mostrar que o País tem enormes desvantagens de custo advindas de grandes deficiências na infraestrutura, de um sistema tributário que penaliza os exportadores, de elevados custos comparativos de energia (em que pese nossas vantagens naturais), de um sistema educacional deficiente, que resulta numa generalizada falta de pessoal qualificado, elevando as necessidades de treinamento na função e os custos das empresas.


Não deve surpreender, portanto, que o custo unitário do trabalho, a medida mais simples de competitividade, venha se elevando persistentemente (22% de elevação do salário real acima do ganho de produtividade, que foi de 14,5% entre 2003 e 2009), o que é bom para o consumo, mas reduz a competitividade das empresas. O aperto no mercado de mão de obra vai continuar por muitos anos, o que deve levar muitas empresas a reverem seus planos de negócios, quando baseados em farta disponibilidade de trabalho. Trataremos esta questão com mais detalhes em outra ocasião.


Por outro lado, é certo que o real está valorizado em relação ao dólar, e que isso pressiona adicionalmente as margens dos exportadores (inclusive do agronegócio). Em artigo recente, meu professor, Antonio Delfim Netto, coloca que a evidência disponível sugere uma valorização entre 15 e 20%, que me parece também razoável.


É também verdade que as exportações de produtos das cadeias de recursos naturais vêm crescendo de importância na pauta de exportações. Argumentamos neste espaço que isso não significa uma regressão em direção ao atraso, mas muito ao contrário. O volume de inovações nestes setores continuará aumentando muito, bem como os investimentos em plantas industriais (inclusive em segmentos correlatos como energia e química) e o emprego gerado, direta e indiretamente.


Acreditamos que o real seguirá volátil, mas se desvalorizará algo antes do fim do ano, especialmente por causa da valorização do dólar no mercado externo, da importante elevação no nosso déficit em conta corrente e da incerteza política decorrente das eleições. Entretanto, é mais que razoável pensar que nossa moeda seguirá sendo pressionada (na direção da valorização) nos próximos anos, tanto pela balança comercial como pela entrada de capitais. A questão é o que fazer então.


Um caminho frequentemente sugerido é o de intervenções no mercado de câmbio, para \”colocar\” o real numa posição julgada mais adequada. Em geral, supõe-se que, uma vez lá, o câmbio poderia ser mantido de alguma forma no mesmo patamar ao longo do tempo. Em minha opinião, a possibilidade de sucesso de tal empreitada é remotíssima.


Vejamos por quê. O Banco Central, que hoje só compra o excesso de fluxo a preços de mercado, teria que partir para compras com preços agressivos de sorte a elevar as cotações e a obrigar os detentores de posições vendidas a cobrir sua posição com prejuízo. Este processo será tão mais forte quanto maior for a \”meta\” das autoridades (um movimento dessa envergadura só faria sentido para buscar um dólar acima de R$ 2,00).


Em pouco tempo, ficaria clara a mudança de política cambial resultando em dois movimentos inequívocos: o preço dos bens importáveis e exportáveis começa a subir e a entrada de capitais deve se elevar, pelo menos no que se refere ao investimento direto (lembremo-nos que o mercado interno está em expansão) e as aplicações de portfólio (a Bolsa de Valores e outros ativos empresariais ficam mais baratos). As operações de renda fixa e de arbitragem de juros (cupom cambial) também se elevarão, senão de imediato, pelo menos num segundo momento.


Rapidamente, a elevação dos preços dos bens comercializáveis e a expansão monetária resultante da acumulação de reservas começariam a criar pressões inflacionárias que levariam o Banco Central a ter que vender mais papéis. Com a limitadíssima poupança doméstica (da ordem de 14% do PIB em 2009) e um déficit nominal do setor público, a maior colocação de papéis pressionará a taxa de juros, que deve se elevar, o que atrai mais capital de fora, reiniciando o processo.


Se a economia estiver acelerada como hoje, com evidentes pressões inflacionarias, a trajetória seria certamente muito delicada. O resultado não parece brilhante, pois teríamos um crescimento das reservas, dos juros, da dívida pública e, quase certamente, da inflação.


A única forma de não se chegar a esse resultado, como já foi colocado por diversos colegas, decorreria da existência de um Fundo Soberano de verdade, baseado em superávit fiscal como no caso do Chile ou dos países petroleiros (devo a lembrança do Chile a meu amigo João Cesar Tourinho) ou uma elevada poupança privada, como no caso da China.


Um regime dessa natureza provavelmente exigiria medidas adicionais, como controles diretos na entrada de capital e a tributação nas exportações de commodities, tentando minimizar o efeito de elevações de preços, o que tornaria o sistema mais desarrumado.


Lembramo-nos que a eficiência de controles de capital tem vida efêmera e a tributação de commodities tende a desorganizar a oferta, como mostra de modo claro a experiência argentina.


Na verdade, para os produtos agrícolas o desastre seria maior, uma vez que a produção brasileira depende muito mais de fertilizantes (cujo custo aumenta com o dólar) do que a argentina, onde regiões cultivadas há muitas décadas não necessitam de adubação (ou seja, nossas margens são menores).


Além disso, a soja argentina viaja, em média, apenas 300 quilômetros para chegar ao porto, contra muitas vezes isso, no caso do Brasil central. Se com essas condições favoráveis a produção argentina se desorganizou, imagine-se o que aqui ocorreria.


Em resumo, o problema central segue sendo como desvalorizar sem gerar inflação. A solução da intervenção, nos moldes acima descritos, não parece razoável. Para dar certo, é necessário dispor de uma taxa de poupança muito mais elevada, pública e privada, como é o caso da China


Também não se pode esquecer que o gigante asiático tem uma economia controlada pelo Estado, que dispõe ademais de poder de coerção não existente em uma democracia. Na ausência dessas condições, o resultado mais provável dessas intervenções, em minha opinião, seria a elevação da inflação e redução no câmbio real, afora outros efeitos deletérios usuais, como no caso argentino.


A alternativa é suar a camisa.


Isso significa batalhar com mais eficiência, engenho e vigor por melhorias sistêmicas nas áreas mencionadas no inicio deste artigo. Trabalhar também por melhoras no desempenho fiscal, cuja trajetória é cada vez mais preocupante e, finalmente, pela continuidade das medidas de simplificação na área das operações cambiais.



 

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